CLEO
A primeira vez que vi Felipe foi no corredor da escola, entre a sala de ciências e a biblioteca. Ele era o tipo de garoto que passava despercebido para a maioria, quase invisível, como se preferisse assim. Mas não para mim. Sempre quieto, com os olhos fixos em um livro ou imerso nas profundezas de uma tela de computador, Felipe parecia confortável naquele anonimato voluntário. Era como se aquele fosse o seu refúgio, longe do caos e dos barulhos incessantes do colégio.
Eu era o completo oposto. Filha de pais extremamente religiosos, vivia cercada por expectativas sufocantes, regras que me asfixiavam e um padrão de comportamento que nunca fez sentido para mim. Por fora, eu era a filha perfeita, a aluna exemplar. Mas por dentro? Eu era uma alma inquieta, prestes a explodir. Sentia uma revolução constante acontecendo em mim, um grito de liberdade que só eu conseguia ouvir.
Felipe, de alguma forma, parecia ser o silêncio em meio a todo o barulho. Havia algo em sua presença que me atraía, mesmo sem saber exatamente o motivo. Ele era diferente. Não no sentido de ser popular ou descolado, nada disso. Ele emanava uma energia silenciosa, como se carregasse consigo um convite para um mundo invisível, um universo só dele.
Eu o observava de longe, de vez em quando, curiosa. Quem era ele, afinal? O que se passava naquela mente sempre concentrada, cercada por códigos e teclas de computador? Talvez fosse esse mistério que tanto me fascinava. Ele parecia intocável, inalcançável. E, ainda assim, eu queria chegar mais perto. Queria entender mais.
Foi numa tarde de quinta-feira, entre uma aula entediante de física e o intervalo, que resolvi me aproximar. Como de costume, agi por impulso. Não pensei muito, apenas fui.
"Ei, por que você sempre fica aí se escondendo?" – minha voz saiu mais provocativa do que eu planejava, com aquele toque de desafio que eu nunca conseguia evitar. Era o meu jeito. Direta, sem rodeios, cutucando para ver qual seria a reação.
Eu esperava que ele me ignorasse, como fazia com todo mundo. Mas, surpreendentemente, ele olhou para mim. Seus olhos, antes fixos no livro, se encontraram com os meus. Ele sorriu, um sorriso discreto, de canto de boca, quase tímido. Ridiculamente encantador.
"Não sabia que estava me escondendo," ele respondeu, a voz calma, quase um sussurro, mas com uma firmeza que me pegou de surpresa. Havia algo intrigante naquele tom, como se ele estivesse jogando um jogo que eu nem sabia que existia.
"Você parece estar sempre fugindo do mundo," retruquei, cruzando os braços, um sorriso curioso brincando nos meus lábios. "Mas adivinha só? Eu encontrei você."
Ele riu. Uma risada baixa, uma mistura de surpresa e diversão, como se não esperasse aquilo. "E por que você me procuraria?" Ele ergueu uma sobrancelha, desafiando-me de volta. O jeito como me encarava, calmo e curioso, me fez sentir algo inesperado. Um nó de nervosismo no estômago, como uma descarga elétrica percorrendo minha pele.
"Talvez eu goste de mistérios," confessei, dando de ombros, tentando soar casual, mesmo com o coração acelerado no peito.
Foi ali, naquele instante, que algo mudou. Não sabia dizer o que exatamente, mas senti. E, pelo sorriso meio de lado e a troca de olhares cúmplices, tive a impressão de que ele também sentiu.
Felipe não tinha muitos amigos; na verdade, parecia não precisar de nenhum. Mas havia algo nele que me deixava curiosa. Quanto mais eu o conhecia, mais queria saber.
"Você está me espionando?" – sua voz cortou o silêncio, carregada de uma calma desconcertante que me desarmou por completo. Felipe não parecia nem um pouco intimidado ou irritado com a minha aproximação inesperada. Apenas... curioso, como se tentasse decifrar um enigma.
Eu ri, cruzando os braços e inclinando a cabeça. "Espiando? Claro que não. Só estou me certificando de que você não está planejando explodir a escola com todos esses códigos aí." Meu tom era sarcástico, mas o brilho no meu olhar deixava claro que era uma provocação leve.
Para minha surpresa, ele riu. Não foi uma risada qualquer, mas uma daquelas risadas sinceras, que começam pequenas e depois se expandem, iluminando o rosto. Naquele momento, algo se quebrou. A barreira invisível que ele mantinha entre ele e o resto do mundo – aquela parede de indiferença – desmoronou, e eu, como um furacão, invadi seu espaço.
Nós éramos completamente diferentes. Ele, com sua mente afiada, focada em programação e sempre três passos à frente. Eu, impulsiva e caótica, sempre querendo quebrar as regras. Em teoria, não tínhamos nada em comum, mas a amizade fluiu de forma tão natural que, quando percebi, já éramos inseparáveis.
Felipe me mostrou um universo novo, cheio de códigos, algoritmos e lógica – coisas que antes eu ignoraria sem hesitar. Mas, com ele, tudo parecia fascinante. Cada conversa, cada risada compartilhada, cada silêncio confortável... era como se eu estivesse descobrindo um lado novo de mim mesma. E, sem perceber, mergulhei cada vez mais fundo no mundo dele.
"Certo, o que é isso?" – perguntei um dia, apontando para a tela cheia de códigos que eu não entendia.
"É um programa que estou desenvolvendo. Ainda está no início, mas vai ser uma ferramenta para otimizar processos de segurança online," ele respondeu, os olhos brilhando com aquela paixão tranquila que só ele tinha.
Eu ri, mexendo no cabelo. "Você sabe que eu não entendi metade do que você disse, né?"
Ele me olhou divertido. "Eu explico melhor depois... se você quiser."
Aos poucos, percebi que Felipe também estava me conhecendo de um jeito que ninguém mais conseguia. Ele via além do sarcasmo, da rebeldia, das minhas provocações. Ele enxergava quem eu realmente era. "Você é uma tempestade," ele disse uma vez, enquanto estávamos sentados no telhado da escola, olhando para o céu. "Mas é a tempestade que eu gosto de ver chegando."
Meu coração acelerou, mas fingi que não significava nada. "Então é melhor se preparar para a destruição," brinquei, sorrindo provocante.
A verdade é que eu sempre soube que havia algo mais entre nós. Mesmo quando a amizade parecia dominar, havia um sentimento crescendo dentro de mim, algo que eu tentava suprimir. Não podia me apaixonar por ele. Felipe era meu melhor amigo. O único que me conhecia de verdade. Mas o que eu sentia... era impossível de ignorar.
À medida que nossas vidas tomavam direções que jamais poderíamos prever, o que começou naquele corredor, entre uma provocação e um sorriso, se transformou em algo muito maior. Algo que, por mais que tentássemos, não poderíamos evitar.
A tempestade estava apenas começando.
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SOB TUA PELE: Além de Nós
RomanceCleo sempre foi um furacão de liberdade e rebeldia, uma força da natureza que todos sentem antes mesmo de vê-la. Felipe, por outro lado, preferiu se esconder atrás das linhas de código e livros, construindo uma muralha ao seu redor que poucos ousara...