Capítulo 4 - Quem Perde Tempo é Relógio

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Eu sempre acreditei que quem perde tempo é relógio. Pra mim, essa é uma filosofia de vida. Não sou de enrolação, nem de fazer joguinhos. E quando bati o olho naquela gata, lá na pista, me encarando com um sorriso sacana nos lábios, eu já sabia como aquilo ia acabar. Laura? Lara? Sei lá. Nem lembro o nome direito. O que eu lembro bem é da boca dela – carnuda, vermelha – e daquele corpo que parecia ter sido esculpido à mão, curvas perfeitas que chamavam o toque. A pele dela era tão macia que parecia até um convite. O tipo de mulher que você olha e pensa: É hoje.

Sem pensar duas vezes, desci as escadas do mezanino. Nem dei satisfação pra ninguém. A noite já estava cheia de ruídos, luzes piscando, a música pulsando alto no meu peito. Mas quando cheguei nela, foi simples. Bastou um olhar trocado e meu sorriso sacana de volta. Pronto. Ela já sabia. O jogo estava dado.

Não vou mentir, o beijo foi bom. Muito bom, na verdade. A garota sabia o que fazia. Ela me puxava com força pela cintura, as unhas longas dela se cravando na minha pele, como se quisesse me marcar, enquanto seus dedos se enroscavam no cós da minha saia. Ela tinha aquele cheiro de perfume caro, o tipo que fica na sua memória por dias. E eu a segurava pela nuca, como se estivesse completamente entregue àquele momento, nossas bocas em sincronia, o calor crescendo. A pressão dos nossos seios se encostando só aumentava a tensão. Era puro desejo, sem promessas, sem palavras. A mulher era um incêndio, e eu adorava brincar com fogo.

Mas, ó, casamento? Não tava no cardápio daquela noite. Depois de uns minutos, me afastei, calmamente, com aquele meu tchauzinho básico. Não ia estender algo que era só pra diversão. Ela riu, meio surpresa, mas não me segurou. Sabia que era o suficiente. Subi de volta pro mezanino, como se nada tivesse acontecido.

Lá em cima, claro, Bruno já estava me encarando. Aquele olhar dele... sempre o mesmo, como se já tivesse me imaginado em todas as posições possíveis. Revirei os olhos antes mesmo de ele abrir a boca.

— Que foi, Bruno? Quer uma foto minha de lembrança ou já tá com a cena toda gravada na cabeça? — Perguntei, já prevendo a resposta patética que ele soltaria.

Ele deu aquela risadinha suja, a mesma de sempre.

— Só tô admirando, Cleozinha... só admirando. — Ele disse, com aquele sorriso que me dava vontade de mandar ele direto pro inferno.

Ignorei. Tava sem paciência pra joguinho de homem babão. Minha atenção já estava em outra direção.

— Cadê o Felipe? — Perguntei, o olhar já vasculhando o mezanino, meio impaciente.

— Foi pegar umas cervejas. — Rodrigo respondeu, indiferente, como se aquilo não fosse relevante. Sempre com aquele jeito de quem tá nem aí pra nada.

E foi então que eu o vi. No meio da multidão, com um balde de cerveja na mão, lá estava ele. Felipe, o desgraçado mais lindo daquela festa. O jeito que ele andava... porra, como era possível alguém ser tão naturalmente sensual e não se dar conta? Era engraçado como ele nem percebia as mulheres secando ele de cima a baixo enquanto passava. Cada movimento dele era um ímã, e ele nem notava. Cara, pelo amor de Deus, se enxerga, pensei.

Minha respiração deu uma acelerada, mas eu mantive o controle. Felipe era o tipo de cara que te deixava inquieta, sem fazer nada demais.

Felipe sempre foi aquele tipo de cara que chamava atenção, impossível passar despercebido. Todo tatuado, com aquele jeito marrento de quem parece mandar em qualquer lugar que pisa. Tinha uma confiança natural que fazia todo mundo ao redor notar sua presença. Só que, por trás dessa fachada de badboy, existia o Felipe que ninguém mais via — o nerd que entendia de computadores como ninguém, que hackeava sistemas por diversão. Era quase cômico como ele escondia esse lado, como se quisesse proteger sua imagem de durão. Só que eu via tudo. Eu sabia. Talvez por isso me sentisse tão... protetora em relação a ele. Felipe era meu. Não de um jeito romântico, nem nada assim. Era algo mais profundo. Meu. E ponto.

Quando ele se aproximou, eu já sabia que ele tinha sacado a minha última travessura. Seu sorriso contido, aquele brilho travesso no olhar, denunciava tudo. Segurei a vontade de rir junto e limpei o canto da boca, fingindo casualidade, só pra provocá-lo.

— E aí, foi boa? — Ele perguntou, com aquele tom zombeteiro, tentando segurar o riso.

Eu dei de ombros, sem perder o ritmo.

— Você devia ter ido comigo. — Respondi, jogando lenha na fogueira, sabendo exatamente como mexer com ele. — Tenho certeza de que ela teria dado a sorte grande de beijar dois gostosos como nós.

Felipe jogou a cabeça pra trás e soltou a risada que eu adorava ouvir. Sério, tinha algo no som daquela risada que me aquecia por dentro, uma gargalhada sincera, sem amarras, como se ele esquecesse do mundo ao redor. Era viciante. E eu sabia exatamente como arrancar aquilo dele. Falava essas besteiras de propósito, só pra ver ele rindo de novo.

— Você é inacreditável, Cleo. — Ele disse, ainda se recuperando da risada, os olhos brilhando.

— E você adora. — Retruquei, piscando pra ele, com meu sorriso atrevido de sempre.

Era assim. Esse era o nosso padrão. Eu provocava, ele ria. Um ciclo interminável, que nos definia como ninguém. Não tinha espaço pra ciúme, nem drama, nem essas frescuras de "pisar em ovos". Felipe me fazia rir, me fazia sentir segura, e, de alguma forma, eu o fazia se soltar. E funcionava perfeitamente. Não tinha por que ser diferente.

Às vezes, claro, eu sentia uma pontada de algo mais profundo. Algo enterrado, uma sensação que surgia quando ele me olhava de um jeito diferente, como se enxergasse algo a mais em mim. Mas era só por um segundo, e eu logo afastava esses pensamentos. Quem liga? Melhor deixar isso bem trancado no passado, né? A última coisa que eu queria era complicar o que a gente tinha.

Felipe, do jeito dele, me completava. Não importava quantas bocas eu beijasse naquela noite, nem quantas risadas soltas a gente trocasse... no final das contas, era sempre o riso dele que eu queria ouvir. Era ele que eu procurava. E se isso não era a definição de amizade verdadeira, eu já não sabia mais o que era.

Ele balançou a cabeça, ainda sorrindo, e me deu um leve empurrão de brincadeira.

— Você sempre me tira do sério, Cleo. — Ele murmurou, o sorriso ainda no rosto.

— Mas você não vive sem mim, não é? — Respondi, provocando.

— Pode apostar. — Ele disse, e seus olhos escureceram por um segundo, antes de desviar o olhar. E ali, por um momento, me perguntei se eu estava realmente certa em deixar as coisas do jeito que estavam.

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