Capítulo 1 - Ah, se não fosse meu melhor amigo...

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CLEO

"We found wonderland, you and I got lost in it / And we pretended it could last forever" 
— Taylor Swift, "Wonderland"

Eu sempre disse que manter uma loja online era um desafio. Agora, manter uma loja online enquanto você é sua própria modelo e ainda tem que lidar com a logística, o marketing e a parte administrativa? Isso, meus amigos, é o caos em sua forma mais pura.

— Felipe, você vai me ajudar ou só vai ficar aí coçando o saco e fingindo que tá interessado?

Ele está sentado no sofá, mexendo no celular, claramente mais interessado no que quer que esteja na tela do que na minha loja virtual, mas tudo bem. Eu o conheço há tempo suficiente para saber que ele não resiste a uma boa provocação.

— Tô aqui trabalhando, Cleo. Quer que eu faça tudo também? — Ele joga o celular de lado e se levanta, já com aquele sorriso convencido que me faz querer socá-lo e, ao mesmo tempo, agradecer por ele existir.

— Sim, Felipe, eu quero que você faça tudo. Inclusive a parte de bater foto com essas roupas, porque, sinceramente, você vende mais que eu. — Jogo uma das minhas camisetas na direção dele, que ele pega no ar sem esforço, o que só me irrita mais.

— Ah, claro. Porque quem não gostaria de comprar uma camiseta usada por esse corpinho? — Ele faz uma pose dramática e eu não consigo conter a risada. Felipe é um nerd disfarçado de badboy, cheio de tatuagens, músculos, e um talento irritante para parecer bom em tudo.

— Exatamente. Você seria um modelo de primeira, sabia?

Ele revira os olhos, mas acaba vestindo a camiseta. Fica perfeita nele, obviamente. Tudo fica perfeito nele, o que é uma maldição para quem o conhece há tanto tempo quanto eu. A camiseta preta com a estampa da minha loja cai como uma luva sobre os ombros largos dele. E ainda usa uma calça cargo bege que parece que foi feita sob medida. O cara é um gato, mesmo que eu nunca vá admitir isso pra ele de novo.

— Bruno mandou mensagem mais cedo — Felipe comenta, pegando o celular de novo, provavelmente para ler o texto do nosso amigo em comum. — Ele disse que vai rolar uma balada hoje à noite. Tá afim de ir?

— Aquelas baladas que você e Bruno vão pra se meter em confusão e eu tenho que puxar vocês pra fora pela orelha? — pergunto, levantando uma sobrancelha.

— Você adora essas baladas. Não mente. — Ele sorri de lado, me desarmando completamente. Ele tem esse poder irritante de me deixar sem argumentos.

— Tá bom. Tô precisando mesmo sair um pouco. Mas só se você usar essa camiseta da loja. Preciso de divulgação, e nada melhor do que uma vitrine ambulante como você. — Dou um sorriso malicioso, e ele me devolve um olhar de falsa resignação.

— Só porque você me ama.

— Só porque você é meu melhor amigo — retruco, mas o sorriso ainda está lá.

Enquanto ele termina de me ajudar a organizar o site, minha mente começa a vagar. Felipe é meu melhor amigo desde... sempre. Acho que ninguém no mundo me conhece como ele. Ele é a pessoa que me ajudou quando fui expulsa de casa, me deu um lugar pra ficar e nunca me julgou. A gente tem uma ligação que vai além de qualquer definição, e talvez seja por isso que, por um breve momento, a gente pensou que poderia ser mais que amigos.

Ah, aquele desastre...

— Se não fosse meu melhor amigo, você sabe, né? — brinco, dando uma última olhada nele com a camiseta da loja.

Ele ri, uma risada que ecoa pela sala e faz minha cabeça girar com memórias que, por mais que eu tente enterrar, sempre voltam. Ele sabe do que estou falando. Nós já vivemos isso antes.

Cinco anos atrás. Nossa primeira e única tentativa de sermos algo além de amigos.

Eu me lembro como se fosse ontem. Nós dois voltando de uma festa, ligeiramente bêbados, rindo de algo estúpido que alguém disse. E então aconteceu. Eu olhei para ele e, por algum motivo idiota, pensei que aquilo — nós dois juntos, romantica e fisicamente falando — poderia funcionar. Eu vi aquele sorriso dele e pensei: "Por que não?"

— Será que a gente deveria tentar? — perguntei naquele tom casual, como se estivesse sugerindo pedir pizza.

Ele riu, e eu ri de volta, porque era claro que nenhum de nós estava levando a sério, até que o silêncio caiu entre nós. Então ele me beijou. Não foi um beijo casual, como os que a gente já tinha dado por aí, na brincadeira. Foi um beijo de verdade, cheio de intensidade. Daqueles que faz seu coração bater mais rápido e sua cabeça perder o rumo.

O problema foi o que veio depois.

— Isso foi... esquisito, né? — ele perguntou, com aquela expressão confusa.

Eu apenas assenti. Era esquisito. E assustador. E, se a gente não tomasse cuidado, aquilo poderia destruir tudo. Então, fizemos a única coisa que qualquer pessoa madura faria: fingimos que nada aconteceu.

Nos dias seguintes, evitamos o assunto como o diabo foge da cruz. A amizade voltou ao normal, mas algo mudou. A intimidade nunca mais foi a mesma, e levou meses para nos recuperarmos de verdade. Desde então, há uma linha invisível entre nós, que nem ele nem eu temos coragem de cruzar novamente.

— Pronto, tá tudo no ar. Loja devidamente atualizada. Agora, bora pra balada antes que eu mude de ideia. — A voz de Felipe me puxa de volta ao presente.

— Bora, gato. Quem sabe você não vende umas camisetas na pista? — brinco, voltando ao meu humor ácido habitual. Mas por dentro, ainda sinto aquele peso familiar.

Afinal, será que a gente realmente superou aquela história? Ou estamos apenas esperando a próxima oportunidade para estragar tudo de novo?

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