Hoje (04/09/24) eu estava lendo um livro — "O Jogo" da Elle Kennedy — e me deparei com o seguinte trecho:
"Agora, porém, vendo o rosto transtornado de Dakota, me sinto como uma criança mimada e ingrata".
Isso me doeu porque sei exatamente o que é se sentir assim. Uma vez, acho que há mais ou menos um ano, meu pai me chamou assim. E doeu. Muito. E apesar de eu já ter perdoado meu pai, essas duas palavras permanecem. Como uma sentença da qual não consigo fugir. Mas não estou aqui para dissertar as razões que anulam tal sentença. Muitas vezes até aceitei-a — como quando li o livro da Viola Davis, Em Busca de Mim. Ela passou por dificuldades que nunca precisei (e provavelmente nunca vou precisar) passar.
Eu sou só uma garota branca comum, do cabelo e olhos castanhos. E, assim como Dean Di Laurentis, tenho pais maravilhosos (mas não vou acrescentar "e sou grata" porque o que é exatamente ser grato?)
Meu livros contam sobre garotas como eu. E nomeei esse livro assim pra mostrar que, apesar de só existir uma Isabella Santos Rosa no mundo, é bem provável que alguma menina se identifique com o que eu sinto. Porque não sou rica ou jogadora de hóquei como Dean, mas ainda assim foi um sentimento dele que me obriga a escrever esse texto. Porque minhas protagonistas (ou pelo menos algumas delas) são garotas brancas com pais maravilhosos, mas que (assim como Dean) têm problemas. Porque temos problemas. A palavra "mimada" implica que temos tudo e "ingrata" que não valorizamos nada disso. Como se ficar insatisfeito com algum aspecto das nossas vidas não fosse um direito — e um gesto natural — nosso.
Não podemos reclamar. Temos que ser gratos.
No entanto, foi nessas garotas — não só as de cabelo castanho, mas as ruivas, as de pele escura, as de olhos claros, as de cabelo crespo — que encontrei esse mesmo sentimento. Parte delas, inclusive, são do AMUBH (A Moral de Uma Boa História, minha comunidade para escritoras). São meninas lindas, que vez ou outra, já se sentiram ingratas. E que, como consequência desse sentimento, são recheadas de uma enorme desesperança sobre seus sonhos.
Porque se você está completamente satisfeito com o que você tem, então isso de algum jeito anula a sua vontade de querer mais. Anula suas vontades, seus objetivos, seus sonhos.
E isso, de alguma forma perversa e horrível que eu nunca vou entender, vai te dizendo que esses sonhos nunca vão se tornar realidade.
Eu vejo essas meninas e a mim mesma arrumando desculpas pra não tentar. "É improvável! Tem tantos livros no mercado!", "meus personagens são chatos", "minha história é desinteressante", "minha história é complexa demais", "minha escrita não é boa o suficiente". Às vezes essas desculpas são uma barreira que impede nossa criatividade de fluir.
Às vezes é um medo e uma crença tão profunda que o papel em branco é uma espécie de bicho papão, em vez de ser uma oportunidade linda para criar algo novo.
E independentemente de qual é a sua área ou qual é o seu sonho, aquela frase traumatizante sempre aparece.
Eu não vou conseguir.
Ok. Pausa. Vamos recapitular:
De acordo com o Google, gratidão é: um sentimento que envolve o reconhecimento de algo bom que aconteceu ou de algo que alguém fez por nós, mesmo sem esperar nada em troca.
Uma verdade que aprendi com a vida: não dá pra retribuir nossos pais pelo o que eles fizeram por nós. É inútil e, sinceramente, um desperdício de tempo e energia. Seus pais te deram a vida. Você nunca vai conseguir retribuí-los por isso, não importa o quanto tente.
Mas você pode mostrar diariamente que vai usar bem o que eles te ensinaram (seja reensinando seus costumes ou não cometendo os mesmos erros que eles).Eu escrevi esse livro para meninas. Não por algum favoritismo, mas porque sou uma menina. Não posso trazer uma visão masculina do mundo, posso?
Além disso, minha vida sempre girou em torno de meninas. Minha família materna é recheada de mulheres independentes, corajosas e — não vou mentir — safadas. Minha sexualidade foi um grande divisor de águas e, apesar de eu ser bissexual, o tema geral do evento foi "uma menina que gosta de meninas". Por fim, minha vocação (ser escritora) me levou a criar uma comunidade recheada de meninas.
E meninas, querendo ou não, vão pensar, vez ou outra, que não vão conseguir.
Ou talvez seja mais adequado dizer:
Os humanos, querendo ou não, vão pensar, vez ou outra, que não vão conseguir.Então eu tô aqui para compartilhar um pensamento, uma frase, que meus pais me ensinaram.
Tudo que um ser humano consegue, eu também consigo.A lógica é simples.
Todo peixe pode nadar.
Todo cervo pode correr.
Todo coelho pode ter uns quinze filhotes e todo panda pode ser adorável e tapado.Sendo assim, se algum ser humano já conseguiu fazer qualquer que seja a coisa que você quer fazer, você também consegue.
Quer um exemplo vivo? Dê uma olhada nos 57 atletas paralímpicos que já ganharam medalhas nessas paraolimpíadas.
Talvez, lendo esse texto, você veja essas palavras como mais uma das minhas tentativas de discursos motivacionais.
Mas não são. São apenas fatos.
Embora demore um pouco para aceitar isso. Eu mesma só aceitei isso como Verdade Universal há exatamente um ano. Aconteceu bem na minha viajem mágica de quinze anos, enquanto eu assistia o show do Maroon 5. O Adam Levine estava cantando bem pertinho de nós e me lembro de um pensamento intrusivo que dizia: como será passar a mão no cabelo dele?(Só pra deixar claro: cabelo estava rapado bem baixinho e a pergunta veio porque a sensação deve ser daquelas espetadinha, sabe?)
Já imaginou passar a mão na cabeça do Adam? Claro que não. Porque é impossível. Ele é quase um Deus grego, alguns diriam.
Mas não. Ele é bem humano. Eu sei porque eu vi.
Então eu decidi que, se ser mimada significa querer ter mais do que você já tem; se ser ingrata é parar de reprimir meus sonhos (mesmo que esse sonho seja louco como passar a mão na cabeça do Adam Levine)... Então devo ser uma mimada ingrata, de fato.
Mas para além de mimada, ingrata, menina, comum, branca, grata, escritora... sou humana.
E você também.
Não se esquece disso não, ok?
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Pensamento de Garota Como as Outras
Разное"Pensamento de Garota Como as Outras" é uma coletânea de pensamentos que pertencem a uma garota chamada Isabella. Prazer, essa sou eu. Poéticos, dramáticos, motivadores, tristes... Meus pensamentos são expressos na minha maior arma como escritora: p...