A biblioteca dos livros bagunçados

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  Dante é um jovem garoto com uma vida pacata. Aprendiz em seu trabalho, ele tinha tempo escasso: pela manhã, trabalhava; à tarde, fazia um curso; e à noite, frequentava a escola. Assim, Dante se via preso em sua rotina até que, um dia, adoeceu. Após alguns dias em casa, decidiu pegar sua blusa e ir a uma biblioteca. Observando a sessão, sentiu-se confuso e sem saber como reagir.

— Os livros estão todos em lugares diferentes desde a última vez que vim aqui — disse ele à bibliotecária, uma doce senhora com um sorriso acolhedor.

— Não sei mais o que fazer; esse lugar parece assombrado — respondeu ela.

Dante recuou, pensativo, e começou a folhear seu livro, "Alice no País das Maravilhas". À medida que a tarde caía, e a biblioteca se preparava para fechar, o garoto voltou para casa, onde logo começou a refletir sobre o mistério da biblioteca com suas muitas seções diferentes.

Na manhã seguinte, Dante acordou se sentindo bem melhor. Logo de manhã, comeu cereal com leite, juntou suas coisas, colocou tudo em uma mochila e foi à biblioteca. Chegando lá, ele se sentou para ler. Quando percebeu que a hora de sair se aproximava, decidiu se esconder no banheiro, onde notou que já era meia-noite.

Ele ouviu alguns barulhos e se escondeu. Ao olhar de longe, viu o espírito de uma garota. Ela parecia feliz, mas seus olhos estavam tristes. Ele se escondeu novamente, lembrando-se do livro que leu, e começou a pensar em todos os poemas de Alice:

"A Rainha de Copas fez algumas tortas,
Em um dia de verão:
O Valete de Copas roubou todas elas,
E levou embora sem hesitação."

Pensar nesses poemas agradava e acalmava Dante. Ele começou a recitar em voz baixa, lembrando de outros livros:

"Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim,
A segunda é ver o outono,
A terceira é o grave inverno,
Em quarto lugar, o verão,
A quinta coisa são teus olhos.
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando."

Seu coração se acalmou ainda mais. Ele se lembrou de outro poema:

"Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes, quem sabe, a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

A garota conseguiu ouvir sua voz e se aproximou, atravessando a parede, e o observou recitar o poema. Ela sorriu e falou, calmamente:

— Livros não mudam o mundo; quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.

O garoto se assustou, eletrizado, e saiu correndo do banheiro em direção a uma seção que antes era de ficção científica, mas agora era de literatura infantojuvenil. A garota, já triste, começou a chorar, e seu pranto ecoou pelos corredores. Apavorado, Dante tomou um pouco do café que havia tirado de sua mochila e se aproximou dela.

— Você não vai me matar? — perguntou, assustado.

— E por que eu faria isso? Já estou morta e não quero isso a ninguém.

— Você não achou seu caminho? — insistiu ele.

— Achei, claro! Olha como estou livre! — respondeu ela, com sarcasmo, mas ainda triste.

O garoto se aproximou e se sentou à sua frente.

— Como você...

Antes que pudesse terminar, ela o interrompeu, flutuou e o chamou. Ele a seguiu até uma porta que se abriu para um local onde havia uma mesa. Ela pediu que ele abrisse a primeira gaveta.

"Neste dia morreu uma jovem de 15 anos. Ela escorregou sobre a escadaria da biblioteca, bateu a cabeça e morreu."

Dante começou a ler, gerando empatia pela jovem garota. A madrugada esfriava, e eram três horas da manhã.

— O que posso fazer para te ajudar? — perguntou ele.

— Nada, eu só vou ficar por aqui — respondeu ela.

Dante se levantou, procurou alguns livros sobre o sobrenatural e, após duas horas de pesquisa, descobriu rituais que poderiam ajudar.

— Você me ensinou uma lição valiosa — disse ele.

— Que lição, garoto? — perguntou ela, curiosa.

— O diferente pode ser gente como a gente, e não precisamos ter medo.

Ele se aproximou, e então ambos sorriram. Ela ficou feliz com seu gesto.

— Sua história será contada. Você pode ter morrido, mas pode ter certeza de uma coisa...

Ele a olhou, e ela retribuiu seu olhar, intrigada.

— Nos conhecemos há pouco tempo, mas você pode ser minha amiga.

Ele a observou, e a expressão dela mudou. Um sorriso foi libertado, e seu olhar se tornou alegre, de alguma forma lembrando uma das fotos do jornal que ele lera. A garota então parou de flutuar e seus pés tocaram o chão.

— Meu corpo, eu não sei onde está — disse ela.

Dante investigou o jornal e descobriu que já havia sido cremado.

Ao amanhecer, Dante se sentou em um banco, e a garota se acomodou ao seu lado.

— Meu nome é Elle — disse ela.

— Dante, você me libertou. Eu não tinha amigos. Eu não queria partir. Tive medo do que veria a seguir, por isso organizava tudo aqui. Eu estava entediada.

Ela se levantou e o sol bateu em seu rosto. Dante a observou brilhar.

— Elle, você vai? E eu vou ficar sem amigos de novo? — perguntou ele.

— Querido Dante, você ainda está vivo. Esse é seu bem mais precioso. Enquanto vive, ainda há tempo de fazer amigos e aprender vivendo. Obrigada.

Ela desapareceu no sol que refletia sobre a biblioteca. Dante entrou novamente no banheiro, guardou o jornal de Elle e observou sua foto, sorrindo.

Grimório das fantasiasOnde histórias criam vida. Descubra agora