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Alice Veiga

O som abafado dos alto-falantes anunciando os voos mistura-se ao zumbido constante do aeroporto. Minha mala desliza preguiçosa ao meu lado enquanto eu caminho pela área de desembarque, um caos organizado de vozes, passos apressados e malas sendo arrastadas. Mas eu estou calma, quase relaxada. Sempre fui boa em parecer mais tranquila do que realmente estou.

"Foco, Alice. Você já passou por coisas piores."

Meus olhos varrem o lugar, procurando Richard Rios. Não é como se eu o conhecesse a fundo, mas a fama do "colombiano tranquilo" precede ele. Isso, claro, antes de Nathalia aparecer e detonar o coração dele. O cara passou de ser o armador confiável do Palmeiras para o jogador com olhar perdido no campo. Acho que ninguém o culpa.

Eu, por outro lado, não sou de me deixar abalar fácil. Faço uma promessa para mim mesma: vou manter distância de qualquer drama que envolva o Richard. Não sou terapeuta, e com a minha própria vida já cheia de problemas, não preciso dos dele.

Então eu o vejo. Ele está encostado em uma parede de vidro, braços cruzados, a expressão séria. De longe, parece sereno, mas quem olha mais de perto percebe o cansaço nos olhos. Mal disfarçado, claro. A Nathalia realmente fez um belo estrago.

Richard me avista. Nosso olhar se cruza, e eu decido que essa vai ser minha entrada triunfal.

— E aí, colombiano. Perdido ou veio mesmo pra me buscar? — lanço, me aproximando, o sorriso de marra se formando automaticamente nos meus lábios.

Ele ergue uma sobrancelha, surpreso, mas logo solta um meio sorriso. — Você é a Alice, certo? A marrenta irmã do Veiga.

— A própria. E você é o Richard, o joguinho preferido da Nathalia. — Dou uma piscada, me preparando para ver o quão longe posso ir antes de ele reagir.

Ele respira fundo, claramente sem paciência para brincadeiras, mas não consegue disfarçar o riso que escapa. — Tô começando a entender por que seu irmão te mandou com aviso de cautela.

— Cautela é pra quem tem medo. Eu só faço estrago. — Me aproximo mais, parando ao lado dele, e estalo os dedos. — Vamos nessa? São Paulo não vai se encarar sozinha.

Ele balança a cabeça, pegando minha mala e começando a andar na frente, mas não sem antes soltar uma última frase por cima do ombro: — Tá certo, mas não vem achando que eu sou motorista particular não. Isso aqui é favor de irmão.

— Claro, claro. Só até eu encontrar algo mais interessante pra me ocupar. — Respondo, o tom brincalhão saindo naturalmente.

Caminhamos até o carro, um silêncio estranho se instala entre nós. Não o tipo desconfortável, mas algo carregado. Richard parece imerso nos próprios pensamentos, o que me dá tempo para observá-lo. O que o Raphael me contou sobre a confusão na vida dele não faz justiça ao que vejo agora. O cara tá realmente destruído.

No entanto, eu não sou o tipo de pessoa que pergunta se tá tudo bem. Ninguém precisa de mais uma alma caridosa oferecendo ajuda que não foi pedida.

Quando entramos no carro, ligo o rádio para quebrar o silêncio, e a primeira coisa que toca é uma música lenta, melosa, daquelas perfeitas pra cortar o clima. Reviro os olhos e vou direto ao ponto.

— Escuta, vamos deixar uma coisa clara desde já. Não estou voltando para São Paulo para ficar presa a drama nenhum. Então, se quiser desabafar sobre a Nathalia ou seja lá o que esteja te perturbando, pode parar por aí. Eu sou boa em quebrar silêncios, não em curar corações partidos.

Ele solta uma risada curta e amarga, ligando o carro. — Não se preocupe, Alice. Meu drama, eu mesmo resolvo. Só te trouxe pra casa porque o Raphael pediu.

— Ótimo. — Dou um sorriso de canto. — Porque eu também não sou uma pessoa que gosta de consolar ninguém.

Mas, enquanto o carro acelera pelas ruas movimentadas de São Paulo, eu percebo uma coisa. Por mais que eu tente evitar, algo me diz que esse colombiano bagunçado vai cruzar meu caminho mais vezes do que eu gostaria. E, no fundo, talvez eu já esteja mais envolvida do que estou disposta a admitir.

Mas isso não significa que eu vá facilitar. Se ele acha que pode me intimidar com esse ar de sofrimento misterioso, ele está muito enganado. Eu sou Alice Veiga. Marrenta, imprevisível, e absolutamente não disposta a deixar alguém como Richard Rios mexer com minha cabeça.

Pelo menos, é o que eu continuo dizendo a mim mesma.

Agora, é esperar pra ver quem quebra primeiro.

Lisboa, Entre Nós, Richard Rios Onde histórias criam vida. Descubra agora