Voluntários da biblioteca

20 2 34
                                    

Eu não tenho vergonha de ser pobre. Eu tenho ódio!

Durante toda a minha carreira escolar, estudei  nas melhores escolas, garantindo uma boa educação que meus pais jamais conseguiriam pagar e também garantindo uma infância e adolescência sendo alvo de riquinhos mimados por não ter dinheiro.

— Só mais um ano, Jaewon. Só mais um ano. — Era o que eu dizia para me consolar porque o primeiro dia de aula chegou e o meu inferno pessoal recomeçou. Tentava arrumar o uniforme para manter o pingo invisível de dignidade que eu pensava ainda possuir enquanto Hoseok, meu melhor amigo, lia sua revista em quadrinhos. Nerd.

— Cala a boca, Jae, esse ano nós seremos estrelas naquela escola. — Dizia ainda concentrado em suas páginas cheias de super-heróis.

Desde que eu era criança, minha mãe trabalhava para a família de Hoseok e me levava junto com ela sempre que podia. Eu e Hoseok brincávamos juntos e os pais dele me adoravam, diziam até que eu seria a nora dos sonhos deles. Isso, claro, se meu melhor amigo não engolisse até o caroço da fruta que eu gosto.

— Estrelas de quê, Hobi? Eu sou zoada o tempo todo por ser bolsista e você por andar comigo. — Esse era o argumento de conforto para não lembrarmos do episódio trágico que o meu amigo passou e que fez ele virar chacota pra escola toda.

— JaeJae, esse é o nosso último ano, nós temos que ficar marcados na história daquela escola e reconquistar nossa dignidade antes do ano acabar. Não se preocupa, eu tenho um plano.

— Ah, não! Seus planos não horríveis.

— Me diga uma vez que eu tive um plano ruim, fofa. — Largou sua revista e me encarou com aquele olhar de deboche que eu odiava.

— Você tentou entrar no time de basquete pra ver os meninos no vestiário, mas caiu de cara no chão na hora do teste, nem mesmo tinha começado ainda. — Recebi seu primeiro revirar de olhos do dia, então só faltavam mais vinte e nove. — Tentou seduzir o antigo professor de álgebra e infartou o velho.

— Que ele descanse em paz.

— Também teve aquela vez... — Fui interrompida por seus chiados indicando que não queria que eu continuasse listando seus planos fracassados. — De qualquer forma, sabe que tudo o que eu mais quero é passar pelo último ano despercebida.

Tomamos o café da manhã especial que minha mãe preparou e fomos para a escola de bicicleta. Jung adorava, mas eu estava sempre com medo de esbarrar em latas de lixo.

De certa forma, eu estava empolgada. Estudar e tirar boas notas nunca foi só uma obrigação, eu realmente gostava daquilo tudo e amava fazer parte dos clubes da escola. Robótica, culinária, banda marcial, todo tipo de atividade extracurricular. Hobi era o completo oposto, mas estava sempre ao meu lado em todos os lugares.

Paramos nossas bicicletas no espaço reservado para alunos, acorrentamos e, da forma mais dramática possível, encaramos a fachada da escola e nos questionamos o que nos esperava lá dentro. Bem, isso até eu ouvir a voz mais irritante de todo o mundo. Aquela voz de menino travesso que puxa os rabos de cavalo das garotas por pura implicância. Eu o odiava.

— Seu rosto pegou fogo, Jaewon? Você está mais feia do que eu me lembrava. — Quando olhei para o lado, Jeon Jeongguk e sua corja de vagabundos estavam parados me encarando com certo divertimento. Ele se aproximou de mim com um sorriso presunçoso e tocou em uma mecha de meu cabelo. — Sentiu saudade, meu bem?

— Sinto saudade todos os dias...da época em que eu não conhecia você, seu idiota! Vamos Hoseok. — Bati em sua mão para expulsá-la de perto de mim e saí puxando meu melhor amigo pelo braço, pisando duro enquanto ouvia a risada daquele patife.

— Estou dizendo, um dia vocês ainda vão dar uns pegas. E quando esse dia chegar, aproveite, porque ele é um deus! — Ele dizia aquilo em todas as oportunidades possíveis.

— Se um dia você me vir agarrada com aquele traste, não separa porque ele vai estar levando a maior surra da vida dele.

Entrando no corredor, não demorou muito para ver Lisa e seu grupinho comentando maldosamente sobre a aluna nova. Assim como eu, ela também era bolsista. Fantine era francesa e todos falavam sobre ela no grupo da turma, curiosos para saber como a aluna estrangeira era. Hobi e eu ficamos empolgados, ela poderia ser a nossa terceira integrante, se o restante dos nossos colegas não a estragassem antes, tornando-a igual a eles.

— Qual é a nossa primeira aula, Jaezita? — Um fato sobre o meu melhor amigo é que ele não se preocupava em saber o que iria fazer durante o dia, ele apenas me seguia e fazia tudo que eu também fazia.

— Primeiro temos biologia e depois química. — Vi sua cara de tédio e não pude deixar de rir. Exatas e natureza não eram as matérias em que o Jung tinha espaço para brilhar. — Olha por onde anda, idiota! — Esbravejei quando Jeon esbarrou em mim, derrubando os meus livros. Ele claramente fez aquilo de propósito. Ele sempre faz.

— Foi mal, gatinha. Achei que era uma vassoura velha. — Dessa vez ele estava acompanhando apenas de seu amigo Namjoon, dos seis, o menos insuportável.

— Namjoon, você deveria ir até uma loja de bolsas. Não está cansando dessa mala sem alça que você carrega por aí todos esses anos? — Alfinetei.

— Epa, epa, pera lá! Você me chamou de quê? — De certa forma, aquilo me divertia. Na maior parte do tempo eu só queria manter a minha sanidade, mas em algumas situações eu não aguentava não revidar e Jeon era incapaz de não se ofender com os meus comentários a ele, embora adorasse fazer eles a mim.

— Ficou surdo?

— É que a sua feiúra me distrai, toda vez que te olho fico pensando em como sua mãe foi capaz de trazer uma coisa tão horrenda ao mundo.

— É só perguntar pra sua mãe, ela é expert no assunto! — O rosto dele estava vermelho de raiva. Aquilo era tão bom.

— Cala a boca!

— Cala a boca você!

— Gente... — Hoseok tentava intervir enquanto todos no corredor nos assistiam.

— Por que você não volta correndo pra favela de onde você veio?

— E por que você não pega um hidrante e enfia bem no meio do...

— Jang Jaewon e Jeon Jeongguk! — Nos olhávamos com fúria, mas nossos olhos rapidamente arregalaram quando ouvimos a voz da diretora. — Os dois na minha sala agora.

A senhora Kang metia medo em qualquer um daquela escola, era uma mulher elegante e que estava sempre em cima de saltos altíssimos e tinha uma expressão fechada quase que o tempo todo. Por muito tempo, jurei que ela se banhava em lágrimas de criancinhas.

— Sinceramente, não sei o que fazer com vocês. No primeiro dia de aula e vocês já estão arrumando encrenca! — Nem tínhamos coragem para falar alguma coisa ou olhar ela nos olhos. — Esse é o último ano de vocês aqui e vou garantir que aprendam a se suportar e a trabalhar juntos. — Quando num impulso a encarei, vi seu sorriso maléfico e estranhamente satisfeito. — Os dois serão voluntários na biblioteca depois das aulas até o fim desse semestre. Vão limpar e organizar tudo todos os dias.

— Mas diretora... — Jeongguk tentou argumentar, mas era falho. Não havia saída.

— Eu não quero ouvir nada. Quero que vocês saiam daqui, assistam as aulas e depois arrumem a biblioteca inteira. Entenderam? — Respondemos em uníssono e saímos da diretoria de cabeça baixa.

Só fazia quarenta minutos que eu tinha entrado na escola...

Badboys que me devorem - JJKOnde histórias criam vida. Descubra agora