Refeitório

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O som pesado das botas contra o chão de pedra ecoava pelos corredores frios do Colégio Saint Dunstan. O coordenador, sem olhar para trás, conduzia-me pelos caminhos labirínticos com a certeza de alguém que conhecia cada centímetro daquele edifício. Suas costas retas e o andar rígido pareciam ser uma extensão do próprio ambiente: intransigente e inflexível.

Os corredores, de tetos altos e decorados com quadros de diretores passados, transpareciam uma austeridade que desafiava qualquer desejo de aconchego. A luz fraca que atravessava as janelas góticas projetava sombras estranhas nas paredes, criando a impressão de um lugar sempre à espreita, como se algo pudesse emergir da escuridão a qualquer momento. Eu me sentia pequeno diante da grandiosidade daquele lugar, quase sufocado pela sua imponência.

Fomos conduzidos para um grande salão, o refeitório, cujas paredes de pedra bruta ecoavam o murmúrio dos alunos que já estavam lá, organizados em mesas longas. Um imenso lustre de ferro pendia do teto, projetando uma luz amarelada que não conseguia esconder o aspecto sombrio do ambiente. A comida era servida em grandes bandejas metálicas, e o cheiro de sopa de legumes misturava-se ao odor úmido das pedras antigas.

Sentei-me em uma das extremidades da mesa, ainda sentindo-me deslocado em meio aos olhares curiosos. Vários pares de olhos me observavam, com uma mistura de interesse e avaliação silenciosa. Ao meu lado, um garoto de cabelos castanhos e olhos escuros parecia ser mais amigável do que os outros.

— Você é o novo? — perguntou ele, com um leve sorriso. — Sou Pedro, do quarto ano.

— Sim, sou Arthur. Acabei de chegar. — respondi, um tanto hesitante.

Pedro parecia ser diferente dos outros. Havia uma leveza em sua maneira de falar, algo quase proibido naquele ambiente de vozes contidas e olhares severos. Mesmo assim, ele parecia ser respeitado, pois outros alunos o cumprimentavam com acenos discretos.

— Aqui não é o lugar mais acolhedor do mundo, mas você se acostuma — disse Pedro, enquanto enchia sua tigela com a sopa. — Não é de onde você veio que importa, mas como você se adapta às regras daqui. E, acredite, há muitas regras.

Observei o refeitório com mais atenção. Os alunos pareciam seguir um protocolo rígido até mesmo na maneira de comer: mãos discretamente colocadas à mesa, movimentos controlados, nada de conversas altas ou risadas descuidadas. As figuras dos professores, sentadas à frente, supervisionavam cada detalhe, como guardiões impiedosos de uma ordem inquebrantável.

O coordenador, ainda de pé próximo à entrada, cruzou os braços e fitou o salão com olhar crítico, como se quisesse certificar-se de que todos estavam adequadamente submetidos à rotina imposta. Ninguém ousava fazer nada que pudesse desviar-se do esperado. Senti uma pontada de apreensão.

— Sabe o que é mais difícil? — Pedro continuou, mais baixo agora, inclinando-se levemente para mim. — É lembrar que você é alguém além dessas paredes. Porque, com o tempo, esse lugar começa a moldar você, seja você querendo ou não.

Seus olhos tinham um tom de seriedade que não condizia com sua voz amigável, como se estivesse tentando alertar-me sem palavras demais.

Enquanto observava Pedro e os outros ao redor, senti um leve frio na espinha. Era como se, ao adentrar aquele refeitório, eu tivesse dado os primeiros passos para dentro de um novo mundo, um mundo que não fazia concessões e exigia uma adaptação quase imediata. Havia um código não escrito sendo seguido por todos, uma atmosfera que não permitia erros.

Ainda sentindo os olhares curiosos sobre mim, decidi concentrar-me na comida à minha frente. A sopa era densa e insossa, mas cada colherada parecia essencial, como se aquele ato de alimentar-se sob os olhos vigilantes fosse uma prova inicial de obediência. Aos poucos, as vozes no refeitório tornaram-se um ruído de fundo, quase reconfortante em sua constância.

Após o jantar, um dos professores levantou-se, chamando a atenção de todos com um leve bater de talheres contra um copo de vidro. Era o Padre Rupert Ashford, o clérigo que também exercia o papel de conselheiro moral do colégio. Sua figura alta e austera projetava uma sombra imponente sob a luz do lustre.

— Boa noite, jovens — começou ele, sua voz grave ressoando pelo salão. — Este é um novo começo para alguns e uma continuação para outros. Saint Dunstan não é apenas uma instituição de ensino, é um templo de princípios e de formação de caráter. Espero que todos mantenham isso em mente.

Enquanto ele falava, senti a carga moral de suas palavras como um peso invisível que pressionava meus ombros. Havia uma expectativa clara de que todos seguissem o caminho traçado, sem questionamentos.

Assim que o discurso do padre terminou, os alunos começaram a levantar-se, um por um, de maneira ordeira, como se já soubessem exatamente o que viria a seguir. Pedro olhou para mim novamente.

— É hora de irmos para o salão de estudos — disse ele, erguendo-se da mesa. — Toda noite é assim. Estudo obrigatório por duas horas.

Caminhei junto ao grupo, atravessando mais corredores frios, onde o som dos passos ecoava como uma marcha disciplinada. O Salão de Estudos era um espaço vasto, com longas mesas de madeira escura e estantes repletas de livros pesados e encadernados em couro. Cada aluno sentou-se em seu lugar designado, e os professores caminharam entre as mesas, observando em silêncio, como guardiões atentos da concentração alheia.

Escolhi um dos livros que estava sobre a mesa, intitulado "A Ética Anglicana". Ao abri-lo, senti o cheiro forte das páginas antigas, um aroma que misturava papel e poeira, algo reconfortante em meio ao ambiente estranho. A leitura era densa, cheia de termos teológicos e doutrinários, mas fazia parte da rotina. Enquanto lia, não pude evitar que meus pensamentos se desviassem para minha própria vida.

De tempos em tempos, espiava ao redor, observando os outros garotos mergulhados em seus estudos, a cabeça baixa e os rostos concentrados. Havia um silêncio absoluto, apenas quebrado pelo farfalhar ocasional de páginas sendo viradas ou pelo riscar da pena no papel.

Pedro, sentado um pouco mais à frente, parecia alheio ao desconforto que eu sentia. Ele copiava algo em seu caderno com um ar de familiaridade. Percebi que ele, de fato, sabia como funcionar dentro daquela engrenagem, como alguém que já aceitara a máquina ao seu redor.

Após as duas horas de estudo, um sino ecoou pelo salão, sinalizando o fim do período. Os alunos levantaram-se em silêncio, recolhendo seus materiais. Pedro esperou por mim na porta.

— Então, o que achou? — perguntou ele, tentando aliviar o peso do momento.

— Diferente do que eu imaginava — respondi, hesitante.

— Vai se acostumar. Todos nos acostumamos — disse ele, com um meio sorriso, que mais parecia um reflexo do hábito do que uma expressão sincera.

Caminhamos juntos até o dormitório, um edifício anexo que, de alguma forma, parecia ainda mais isolado e opressivo do que o restante do colégio. O quarto que me foi designado era simples, com uma cama de ferro, um armário pequeno e uma escrivaninha. As janelas estreitas deixavam entrar pouca luz, tornando o ambiente sombrio, mesmo durante o dia.

Pedro parou na porta do meu quarto antes de seguir para o dele.

— Se precisar de algo, estou no quarto ao lado. Boa noite, Arthur.

— Boa noite, Pedro — respondi, enquanto fechava a porta atrás de mim.

O silêncio do quarto era quase absoluto, cortado apenas pelo som distante do vento lá fora. Sentei-me na cama, sentindo o peso da solidão finalmente cair sobre mim. Olhei ao redor, tentando assimilar o que aquele lugar significaria para mim daqui em diante. O internato não era apenas uma mudança de cenário, mas de essência. E, no fundo, havia uma pergunta persistente: até onde essa rigidez moldaria o meu caráter?

Deitei-me na cama e fechei os olhos, mas o sono não veio imediatamente. A sensação de estar sozinho em um lugar tão rígido e desconhecido era intensa demais para ser ignorada. Era apenas o começo. E eu sabia, de alguma forma, que as regras daquele lugar seriam testadas, não apenas por mim, mas por todos os que o habitavam.

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