O terceiro dia no Colégio Saint Dunstan começou da mesma maneira: o sino estridente ecoou com sua insistência mecânica, forçando-me a despertar de um sono inquieto. Já não sentia mais a estranheza inicial ao acordar; em vez disso, a rigidez da rotina começava a infiltrar-se em mim, como se minha própria vontade estivesse sendo moldada pelos horários implacáveis e pelas expectativas silenciosas que permeavam o lugar.
Os primeiros raios de luz mal iluminavam o corredor quando deixei o dormitório, acompanhado pelo mesmo grupo de alunos que, como eu, ainda se adaptavam à rotina impiedosa. Pedro estava ao meu lado, já vestindo um sorriso irônico que parecia ser seu escudo pessoal contra a opressão diária.
— Bom dia, Arthur — cumprimentou ele, com um tom que beirava o sarcasmo. — Preparado para mais um dia de maravilhas?
— Preparado como se pode estar — respondi, com um sorriso hesitante.
Descemos juntos as escadas até o refeitório, onde o café da manhã nos aguardava. A comida não mudara: mingau, pão duro e chá, tudo servido com a mesma eficiência desprovida de prazer. Comíamos em silêncio, cada um focado em suas próprias preocupações ou planejamentos internos. Ao meu redor, os outros alunos pareciam mais absorvidos do que nunca em suas rotinas, como se cada um deles fosse parte de uma engrenagem maior, algo que funcionava precisamente porque não permitia desvios.
Após o café, o sino tocou novamente, indicando o início das aulas. A primeira seria Debate e Retórica com o Sr. Edwin Carlisle, um homem de porte elegante e voz controlada. A sala de aula para essa disciplina era diferente das outras; as cadeiras eram dispostas em um semicírculo, criando um ambiente de confronto mais direto, como se estivéssemos em uma pequena arena intelectual.
Carlisle era um homem carismático, de cabelos bem penteados e um terno bem cortado. Sua presença era imponente, mas não agressiva; ele parecia observar-nos com um misto de curiosidade e antecipação.
— Senhores, bem-vindos ao mundo das palavras — começou ele, com uma voz rica e envolvente. — Aqui, aprenderemos a arte de convencer, de influenciar e, acima de tudo, de dominar o pensamento dos outros. Porque, no final das contas, a oratória é uma arma. E uma arma eficaz, eu diria.
Enquanto Carlisle falava, não pude evitar sentir uma atração por aquela disciplina. As palavras sempre foram algo que me intrigaram; a capacidade de transformar pensamentos em frases que pudessem influenciar outros parecia, de certa forma, a chave para sobreviver em um ambiente como Saint Dunstan.
Ele começou a aula pedindo que cada aluno se apresentasse e falasse brevemente sobre um tema aleatório. Quando chegou minha vez, senti todos os olhares voltarem-se para mim, atentos e talvez um pouco críticos. Levantei-me, tentando controlar a voz.
— Meu nome é Arthur Whitmore, e o tema que escolhi é o valor da liberdade pessoal em um ambiente de regras rígidas — disse eu, tentando não parecer hesitante.
Carlisle ergueu uma sobrancelha, intrigado.
— Interessante escolha, Sr. Whitmore. Continue.
Respirei fundo antes de prosseguir.
— Acredito que, embora as regras sejam necessárias para manter a ordem, a liberdade individual não deve ser totalmente suprimida. Sem liberdade, o caráter se torna apenas uma moldagem externa, algo que pode ser quebrado ou dobrado, mas nunca realmente construído.
Carlisle sorriu de forma enigmática.
— Uma visão filosófica para um jovem aluno. Vamos explorar mais essa ideia ao longo do semestre, Sr. Whitmore.
A aula de Debate foi seguida por Ciências Naturais, com o excêntrico Dr. Cedric Hawthorne. A sala de ciências era uma mistura de frascos de vidro, instrumentos estranhos e um cheiro forte de produtos químicos. Hawthorne era um homem magro, com óculos grandes que pareciam amplificar seus olhos curiosos. Ele movia-se pela sala com um entusiasmo infantil, como se cada experimento fosse uma descoberta de outro mundo.
— A ciência é mais do que apenas teoria, é experiência! — exclamou ele, enquanto acendia um bico de Bunsen. — E aqueles que não estão dispostos a experimentar, estão destinados a não entender nada.
Hawthorne nos guiou através de uma série de experimentos básicos, que para muitos pareciam um exercício sem emoção, mas para ele eram portas para mundos inteiros. Suas explicações eram entusiasmadas, e ele fazia questão de envolver todos na prática, mesmo aqueles que demonstravam pouco interesse. Algo em sua paixão pela ciência parecia autêntico, uma raridade em um lugar tão mecânico quanto Saint Dunstan.
No entanto, a excitação de Hawthorne não diminuía a tensão que pairava sobre nós. Havia uma sensação constante de que estávamos sendo avaliados a cada segundo, não apenas nas aulas, mas também nos corredores, durante as refeições e até mesmo no curto tempo de recreio.
Após a aula de Ciências, Pedro e eu encontramos um lugar mais afastado no pátio para respirar um pouco de ar fresco. A fonte de mármore, ainda seca, tornava-se um ponto de encontro para conversas mais privadas. Pedro, sempre atento ao que acontecia ao nosso redor, pareceu hesitar antes de falar.
— Arthur, você já percebeu que este lugar é mais do que parece, certo? — perguntou ele, de forma cautelosa.
— Sim, é impossível não perceber — respondi, curioso sobre onde aquela conversa nos levaria.
Pedro olhou ao redor antes de continuar.
— Há algo aqui... algo que não é dito abertamente. As regras, a disciplina, tudo isso é parte de algo maior. Há um grupo de alunos que acredita que o colégio não é apenas uma escola, mas uma espécie de laboratório, um experimento para moldar não apenas nossos corpos e mentes, mas também nossas almas.
As palavras de Pedro ressoaram de uma maneira inesperada. A ideia de que Saint Dunstan pudesse ser um experimento não parecia totalmente absurda. Havia uma sensação constante de que cada decisão, cada disciplina, cada punição, era meticulosamente planejada para testar nossos limites.
— E você faz parte desse grupo? — perguntei, tentando avaliar sua seriedade.
Pedro hesitou antes de responder.
— Sim, em partes. Não é algo que possamos discutir abertamente. Mas é por isso que a sociedade secreta existe. Eles querem entender o que realmente está acontecendo aqui, além das regras aparentes.
O sino tocou novamente, interrompendo nossa conversa e chamando-nos de volta para a rotina. A tarde seguiu com mais aulas, incluindo Educação Física com o Capitão Beckett, cuja abordagem era mais física do que mental. Beckett comandava seus exercícios com precisão militar, exigindo esforço e obediência absoluta. As atividades eram exaustivas, e senti o cansaço acumular-se em cada músculo.
Ao final do dia, o cansaço físico e mental era quase insuportável. Quando finalmente me deitei na cama, o corpo exausto e a mente sobrecarregada, as palavras de Pedro ainda ressoavam em minha mente. Havia algo mais naquele lugar, algo que ia além da disciplina rígida e das regras ostensivas. Algo que precisava ser compreendido, mesmo que isso significasse correr riscos que eu ainda não estava pronto para assumir.
Enquanto o sono começava a me dominar, senti que Saint Dunstan não era apenas um internato; era um desafio à minha própria essência, um lugar que forçava cada um de nós a decidir quem realmente éramos. E essa decisão, eu sabia, não seria fácil de tomar
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Onde Dormem os Segredos
Romans"Em uma ilha remota, um internato rigoroso esconde segredos sombrios e desejos proibidos. Quando Arthur Whitmore é atraído por um encontro inesperado, ele descobre que o amor pode ser tão perigoso quanto os mistérios ocultos nos corredores escuros...