Aulas

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O primeiro despertar no Colégio Saint Dunstan não foi de todo inesperado, mas ainda assim trouxe um sentimento de estranheza. O sino soou estridente às seis da manhã, rompendo o silêncio da noite com uma violência que parecia intencional. Abri os olhos lentamente, tentando processar o som que ecoava pelos corredores de pedra. O quarto ainda estava escuro, com apenas um filete de luz fria atravessando a janela estreita. Senti um arrepio de frio, um misto da temperatura gélida e da realidade que se impunha sem qualquer cortesia: eu estava agora em Saint Dunstan.

Levantei-me de forma lenta e automática, como se meu corpo já tivesse aceitado a rotina que começava. O chão era frio sob meus pés descalços, e o ar tinha um cheiro úmido, misturado ao leve odor de madeira envelhecida e sabão barato. As paredes de pedra do dormitório tinham uma presença imponente, quase sufocante, e cada sombra parecia observar-me, como se aguardasse minha reação a essa nova fase.

Vesti o uniforme cuidadosamente dobrado ao lado da cama: uma camisa branca de colarinho duro, um colete cinza e um casaco escuro, acompanhado de calças igualmente rígidas. Era um traje que mais parecia um fardo a ser carregado do que uma roupa a ser usada. Ao colocar o casaco, senti o tecido áspero contra a pele, quase como uma segunda pele, mas uma que não oferecia calor ou conforto.

Saí do quarto e segui o fluxo dos outros alunos pelo corredor. Pedro já estava lá, à minha espera, com um sorriso amigável que parecia destoar do ambiente severo.

— Dormiu bem? — perguntou ele, com um tom que era quase divertido, considerando o ambiente.

— Acho que sim, na medida do possível — respondi, enquanto seguíamos em direção ao refeitório.

Descemos as escadas de pedra, cujos degraus eram gastos pelo tempo, e logo chegamos ao salão principal para o café da manhã. A atmosfera ali era uma combinação de som e disciplina: o tilintar metálico dos talheres e o murmúrio baixo das vozes formavam um som que quase se confundia com o zumbido do vento lá fora.

Sentei-me ao lado de Pedro, enquanto outros alunos ocupavam seus lugares de forma organizada, como se já soubessem exatamente onde deviam estar. A comida era servida em bandejas metálicas, e consistia em mingau grosso, pão duro e chá forte. Comecei a comer em silêncio, consciente de que cada gesto parecia estar sendo observado. Os professores, sentados à frente do salão, mantinham seus olhares atentos sobre nós, como se cada um de nossos movimentos pudesse revelar algum sinal de rebeldia ou descuido.

Pedro interrompeu meus pensamentos com uma pergunta repentina.

— Então, como está se sentindo até agora? — perguntou ele, ainda mastigando um pedaço de pão.

— É tudo muito... diferente — respondi, procurando as palavras certas.

— Você vai se acostumar — disse ele, de forma quase resignada. — Todos nós nos acostumamos, de uma forma ou de outra. Mas não se engane, o verdadeiro desafio não é seguir as regras, mas sim não deixar que elas te definam.

Essas palavras, embora ditas de maneira casual, tiveram um impacto profundo. Era como se Pedro estivesse tentando me alertar sobre algo maior, algo que eu ainda não conseguia compreender totalmente. Antes que eu pudesse responder, o sino soou novamente, marcando o fim do café da manhã e o início das aulas.

A primeira aula do dia era Latim, com o temido Prof. Reginald Everett. A sala de aula era fria e austera, com longas mesas de madeira alinhadas meticulosamente e um grande quadro-negro ao fundo. Everett estava à frente, com sua postura rígida e expressão severa. Ele começou a aula sem qualquer apresentação calorosa, mergulhando diretamente nos verbos e nas declinações.

— O latim não é apenas uma língua, é uma disciplina mental — anunciou ele, com uma voz fria e calculada. — Aqueles que não dominarem o básico, não terão lugar aqui.

Eu me esforcei para acompanhar cada palavra, consciente de que um erro poderia ser interpretado como falta de esforço. Everett, no entanto, parecia ser um professor justo, apesar de sua severidade. Ele corrigia de forma precisa, mas sem humilhar, algo que eu considerei um traço de respeito à matéria e aos alunos. As duas horas de aula foram intensas, mas, ao final, senti um misto de exaustão e realização.

Após Latim, seguimos para Matemática Avançada com o Prof. Alistair Bolton. Bolton era um homem de meia-idade, com cabelos ralos e uma expressão de desdém permanente. Sua abordagem era quase militar, rápida e sem margem para erros. Ele apresentava equações complexas como desafios, esperando que todos o acompanhassem sem questionamentos.

— A matemática é a base de toda lógica — dizia ele, enquanto preenchia o quadro com números e símbolos. — E aqui, esperamos que todos dominem essa lógica. Sem exceções.

Tentei acompanhar o ritmo, mas logo percebi que Bolton não estava ali para ensinar, mas para selecionar. Havia algo de implacável em sua maneira de conduzir a aula, como se esperasse que os mais fracos simplesmente desistissem.

O intervalo chegou como um alívio. Pedro e eu nos dirigimos ao pátio, onde alguns alunos aproveitavam o breve momento de liberdade para conversas rápidas e trocas de informações. O ar frio parecia mais suportável do que o peso das aulas, e pela primeira vez naquela manhã, senti que poderia respirar com mais calma.

— Você está indo bem — disse Pedro, encostando-se na borda da fonte sem água no centro do pátio. — Mas ainda há muito para aprender, não apenas nas aulas, mas sobre como sobreviver aqui.

Antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer com isso, o sino soou novamente, marcando o início das aulas da tarde. A próxima seria História Britânica com o Prof. Harold Fenwick. Fenwick era um homem de cabelos brancos, com um olhar crítico e uma voz rouca. Sua abordagem à história era intensa, com um foco obsessivo em detalhes e datas.

— A história não é apenas o que aconteceu, é o que define quem somos — proclamou ele, enquanto escrevia no quadro com uma caligrafia precisa. — E aqueles que não a compreendem, estão fadados a repetir os mesmos erros.

A aula seguiu com discussões sobre a ascensão e queda do Império Britânico, cada palavra de Fenwick carregada de um orgulho disfarçado de crítica. Ele parecia querer incutir em nós não apenas o conhecimento, mas um senso de responsabilidade histórica.

Quando o fim da tarde finalmente chegou, estávamos todos exaustos. Voltamos para o dormitório em silêncio, cada um absorto em seus próprios pensamentos. Pedro parou na porta do meu quarto antes de seguir para o dele.

— Sei que é difícil no início, mas você vai encontrar seu lugar aqui, Arthur — disse ele, com uma sinceridade que eu não esperava.

— Espero que sim — respondi, sentindo um misto de cansaço e determinação.

Enquanto me preparava para dormir, as palavras de Pedro ecoavam em minha mente. Encontrar meu lugar em um colégio tão rígido e complexo parecia ser um desafio maior do que qualquer aula de Latim ou Matemática. Mas, de alguma forma, sabia que esse seria o verdadeiro teste, aquele que definiria não apenas meus dias em Saint Dunstan, mas também quem eu me tornaria.

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