Capítulo Um - O Encontro Com a Morte

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Kurosaki Ichigo era um adolescente comum, relativamente normal para os parâmetros humanos. Bom, pelo menos à primeira vista. Com seus dezessete anos de vida, no último ano do ensino médio, rodeado pela família constituída por seu pai e suas duas irmãs, além de seus amigos próximos, ele podia facilmente passar despercebido aos olhos de quem o visse. Entretanto, havia um — não tão pequeno — detalhe que o fazia destoar do resto do mundo, uma discrepância gritante que o seu corpo manifestava.

O jovem rapaz era portador de uma doença crônica desde os seis anos de idade, muito rara e misteriosa, quase impossível de ser diagnosticada de modo correto, mas principalmente: muito letal. Desde a mais tenra idade, Ichigo já havia passado por mais entubações e paradas cardíacas do que podia contar nos dedos, o deixando familiarizado de uma maneira mórbida com a ideia de estar constantemente andando numa corda bamba, à beira da morte. O pior de tudo não era aquilo, e sim o fato de tal enfermidade não ser detectável. Seus exames de sangue sempre retornavam normais, não importando o quão debilitado estivesse, e as imagens de ressonância nada revelavam, deixando ele, sua família e os médicos numa situação desoladora.

Não bastasse aquilo, os sintomas eram inespecíficos, a única coisa que se sabia era o fato de deixar a saúde e integridade corporal do indivíduo fragilizada, pois embora a causa fosse desconhecida, ficar vivo enquanto passava por crise após crise viria com um preço. Com as complicações, em especial as respiratórias e cardíacas, aos poucos o organismo ia se deteriorando, como ferrugem consumindo metal, obliterando e apodrecendo de dentro para fora. Graças àquela metáfora que explicava o mecanismo da patologia desconhecida, os estudiosos e a comunidade médica haviam dado o nome de Síndrome de Kurogane, o que poderia ser traduzido do japonês para “aço negro”.

Os médicos especulavam que a doença de Kurosaki tinha ligação com a sua mãe já falecida, Masaki, que também fora atingida e consumida pela síndrome até o seu último suspiro, deixando para trás um fantasma sombrio de dor e saudades que permeava em cada membro de sua família. No entanto, não passava daquilo: meras especulações. Nenhuma daquelas suposições oferecia uma resposta concreta, muito menos cura. A Síndrome de Kurogane era traiçoeira e incerta, tal como o próprio destino.

Apesar do caos que era a vida de Ichigo, ele já havia se acostumado e aprendido a lidar há muito tempo com a dura realidade que enfrentava, batalhando bravamente, todos os dias um pouco mais, contra os seus demônios pela própria vida. Ele não queria saber, pouco o importava se tinha a saúde frágil ou se era portador de uma enfermidade cujos casos relatados mal chegassem a 1% da população mundial. Com sua teimosia infinita, desprovido de vergonha e duro na queda, aquele garoto se configurava como alguém único. Tinha uma família que o amava, a qual retribuía o sentimento na mesma intensidade, embora não dissesse com todas as letras. Tinha amigos que se importava, e que demonstravam apreço por ele em medidas proporcionais. Tinha gostos favoritos, hobbies que gostava de cultivar, e entre todas as paixões que nutria e se dedicava, desenhar era a sua maior válvula de escape.

Uma das coisas que o jovem mais fazia era passar horas preenchendo as folhas de seus cadernos de arte com lápis grafite ou caneta, praticando formas, desenhando pessoas, perdendo-se na paz e diversão que o seu maior talento o ofertava. Aquele dia não foi diferente.

Esteve praticando desde que chegara da escola, destinando a tarde inteira para aquela finalidade até aquele instante, no cair da noite. Após tantas horas sentado em sua cadeira de escritório e fitando as folhas e coleção de lápis, Ichigo já não concentrava mais a devida atenção ao que desenhava, perdido nos próprios pensamentos, algo que era intrínseco à sua personalidade introvertida e mente criativa.

Embora distante, seus ouvidos ainda permaneciam atentos ao barulho suave e tranquilizador do lápis correndo pela folga do papel em traços confiantes e delicados, dando forma a algo que ele não tinha muita certeza do conteúdo devido aos olhos estarem vidrados, encarando o nada, o queixo apoiado preguiçosamente na mão livre, enquanto a outra parecia ter vida própria, conduzindo a ponta do grafite escuro e macio como bem-quisesse.

Como Eu Me Apaixonei Pela Morte - IchiBya/ByaIchi Onde histórias criam vida. Descubra agora