Capítulo 2

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O sol da manhã já começava a iluminar o pequeno bairro quando Vance acordou ao som de batidas na porta. Ele não dormira bem. Após a descoberta do dia anterior, seu cérebro girava com uma mistura de raiva e pânico. Ele sabia que o governo enviaria pessoas para prepará-lo para a Seleção, mas a única coisa que conseguia pensar era em como desfazer tudo aquilo antes que fosse tarde demais.

A mãe estava na cozinha, agindo como se tudo estivesse perfeitamente normal, mas o silêncio entre eles era ensurdecedor. Robb tentara puxar conversa durante o café da manhã, mas o clima estava pesado demais. Nenhum deles sabia o que dizer.

As batidas ficaram mais insistentes.

— Acho que eles chegaram — disse Robb, tentando quebrar a tensão, mas a voz soava hesitante.

Vance sentiu o coração acelerar. Não queria passar por isso, mas já era tarde demais para evitar o inevitável. Quando abriu a porta, uma equipe inteira de funcionários do governo estava do lado de fora, vestidos de forma impecável, com pastas em mãos e sorrisos ensaiados nos rostos.

— Bom dia! — disse uma mulher loira de meia-idade, a líder do grupo. — Você deve ser parente da Veronica Carter! — Ela olhou para ele de cima a baixo, seu sorriso permanecendo firme.

Vance abriu a boca para corrigi-la, mas as palavras ficaram presas na garganta. Ele simplesmente deu um passo para trás, permitindo que entrassem na casa.

A equipe se espalhou pela sala como uma tempestade organizada. Uma assistente começou a medir o espaço para ver onde poderiam montar uma estação temporária de preparação. Outro homem, de terno, conferia papéis e murmurava instruções para uma mulher mais jovem.

A líder, no entanto, estava focada em Vance. Ela o analisava com atenção, como se algo não estivesse certo. Finalmente, ela franziu o cenho, conferiu os papéis em sua prancheta e olhou para ele novamente.

— Desculpe, querido, mas cadê a Veronica? 

Era agora ou nunca.

— Não tem nenhuma Veronica.  — Vance respondeu, a voz mais firme do que ele esperava. — Meu nome é Vance.

O silêncio caiu sobre a sala como uma pedra no fundo de um lago. Todos os funcionários do governo pararam o que estavam fazendo, os olhos fixos nele. A mulher loira olhou de volta para os papéis, claramente confusa.

— Vance? — Ela perguntou, seu sorriso vacilando pela primeira vez. — Mas aqui diz... Veronica Carter, Casta Cinco.

Ele respirou fundo, tentando não perder a calma. 

— Esse era meu nome. Não é mais. Eu sou Vance. Sou um homem.

Os olhares ao redor se transformaram em algo entre surpresa e desconforto. A assistente que fazia as medições abaixou a fita métrica e o homem com os papéis parecia perdido. Apenas a líder manteve alguma compostura, mas seus olhos mostravam que ela não sabia exatamente como proceder.

— Ah... entendo — disse ela, hesitando antes de continuar. — Bom, isso é... uma situação incomum. Não tínhamos essa informação. E, bem, a inscrição foi feita com o nome de Veronica, então...

— Eu não fiz a inscrição — Vance interrompeu. — Minha mãe fez. Sem me avisar.

A mulher mordeu o lábio, claramente tentando processar a situação. Ela deu uma olhada rápida para os outros funcionários, que permaneciam em silêncio, e então se virou novamente para ele.

— Entendo que isso deve ser... desconfortável — ela disse, com um tom de voz mais suave. — Mas... as regras da Seleção são muito claras. As inscrições não podem ser alteradas após o sorteio. Veronica Carter foi selecionada, e agora há um contrato oficial em vigor.

Vance sentiu o chão sumir sob seus pés. Contrato? Como poderia haver um contrato se ele nem mesmo havia aceitado participar?

— Então você está dizendo que eu não posso desistir? — Ele perguntou, tentando controlar o pânico crescente.

— Bem... — A mulher hesitou, claramente desconfortável com a situação. — Não é impossível. Mas desistir agora, com tudo já em movimento, pode resultar em... consequências complicadas para você e sua família.

Ele podia sentir o olhar de sua mãe sobre ele, mas não conseguia encará-la. As palavras da mulher o sufocavam. Se desistisse, o que poderia acontecer com eles? Será que voltariam à casta oito? Perderiam tudo o que Robb e sua mãe haviam construído?

A mulher loira deu um passo à frente, seus olhos cheios de uma compaixão que parecia calculada.

 — Eu sei que isso é muita coisa para digerir, mas talvez você devesse dar uma chance. A Seleção... bem, ela muda vidas. E não apenas pelo casamento com o príncipe. Muitas das Selecionadas conseguem oportunidades incríveis, mesmo que não cheguem até o fim.

Ela deu um sorriso suave, mas Vance viu além da fachada. Ele sabia que aquilo era mais uma tentativa de manter tudo em ordem, de não deixar a imagem da Seleção ser manchada por um problema como o dele.

— Eu... — Vance começou, sem saber como terminar. Ele não queria aquilo. Não queria estar ali, rodeado por pessoas que nem sequer sabiam seu verdadeiro nome.

Foi então que Robb entrou na sala, seus olhos fixos em Vance, mas com uma gentileza que sempre o acalmava.

— Por que você não deixa eles terminarem a preparação? — disse ele. — Você não precisa tomar nenhuma decisão agora.

Vance assentiu, ainda processando tudo o que havia acontecido. Não podia fugir daquele destino de imediato, mas também não sabia como seguir em frente.

As mãos hábeis dos assistentes começaram a trabalhar em sua aparência — ajustando suas roupas, arrumando o cabelo. E enquanto o tempo passava, ele se sentia mais como um estranho em sua própria pele.

Mas a cada olhar furtivo que lançava para a tela da televisão, onde o nome "Veronica" aparecia em letras grandes, Vance sabia que sua verdade não podia ser escondida para sempre.

E o palácio não estava preparado para o que estava por vir.

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