7

1 0 0
                                    

Tiffy

Certo, o apartamento novo está muito... cheio. Aconchegante.
— Entulhado — confirma Gerty, parada no único espaço não ocupado do quarto. — Está entulhado.
— Você sabe que meu estilo é eclético! — reclamo, ajeitando a linda colcha de batique que achei na feira de Brixton no último verão.
Estou me esforçando muito para manter uma atitude positiva.
Fazer as malas e sair do apartamento de Justin foi horrível, a viagem de carro para cá levou quatro vezes mais tempo do que o Google disse que levaria, e carregar tudo escada acima foi uma tortura. Depois Kay quis ter uma longa conversa comigo enquanto me entregava as chaves, quando tudo o que eu queria era me sentar em algum lugar e ficar na minha até recuperar o fôlego. Não foi um dia divertido.
— Você explicou isso ao Leon? — pergunta Mo, equilibrando-se na ponta da cama. — Tipo, que você traria todas as suas coisas?
Franzo a testa. Claro que eu traria todas as minhas coisas! Eu precisava explicar isso? Estou me mudando para cá — isso significa que minhas coisas têm que morar aqui comigo. Onde mais iam ficar? Afinal, é minha casa também.
No entanto, só agora cai a ficha de que meu quarto vai ser compartilhado com outra pessoa e de que essa pessoa tinha coisas que, até esse fim de semana, ocupavam a maior parte do aposento.
Está sendo meio difícil espremer tudo aqui dentro. Resolvi alguns problemas colocando coisas em outras partes da casa — muitos dos meus suportes para velas estão alocados na beira da banheira, por exemplo, e meu incrível abajur de lava está em um canto ótimo na sala —, mas, mesmo assim, seria bom se Leon fizesse uma limpeza.
Ele provavelmente já deveria ter feito isso, na verdade. Seria o certo, já que eu ia me mudar.
Talvez eu devesse ter deixado algumas coisas na casa dos meus pais. Mas a maior parte ficava guardada na casa de Justin e me senti muito bem tirando tudo das caixas na noite anterior. Rachel disse que, quando encontrei o abajur, parecia o Andy encontrando o Woody em Toy Story, mas, para ser sincera, me emocionei de verdade, por incrível que pareça. Fiquei sentada por um tempo no corredor, olhando para a bagunça multicolorida formada pelos meus pertences favoritos, que estavam empilhados no armário sob a escada, e senti, por um instante estranho, que, se as almofadas podiam voltar a respirar, eu também conseguiria.
Meu telefone toca. É Katherin. Ela é a única escritora que atendo aos sábados, só porque deve estar me ligando para contar alguma coisa hilária que fez, como tuitar uma foto inapropriada de si mesma nos anos 1980 com um político muito conhecido hoje em dia, ou fazer mechas californianas no cabelo da mãe idosa.
— Como vai a minha editora favorita?
— Acabei de me mudar para a casa nova! — conto, pedindo com gestos que Mo ponha água para ferver.
Ele parece um pouco irritado, mas coloca a chaleira no fogo mesmo assim.
— Maravilha! Ótimo! O que você vai fazer na quarta-feira?
— Trabalhar — digo, analisando minha agenda mentalmente.
Na verdade, na quarta tenho uma reunião chata com a diretora de direitos autorais internacionais para falar sobre o novo livro que contratei ano passado, escrito por um ex-pedreiro que se tornou um designer famoso. O trabalho dela é vendê-lo para outros países.
Quando comprei os direitos, falei muito (mas de forma vaga) sobre a presença internacional dele nas redes sociais, que na verdade era bem menor do que fiz parecer. Ela está sempre me mandando e-mails e pedindo “mais detalhes” e “informações específicas sobre o alcance por região”. A situação chegou a um ponto em que não posso mais evitá-la, nem mesmo atrás da minha parede furtiva de vasos de plantas.
— Perfeito! — diz Katherin, estranhamente entusiasmada. — Tenho ótimas notícias.
— É sério?
Estou torcendo por uma entrega de manuscrito antecipada ou que ela tenha mudado de opinião sobre o capítulo sobre chapéus e cachecóis, que ela ameaçou tirar do livro. Isso seria um desastre, já que é a única parte que torna o livro vendável.
— O pessoal do cruzeiro remarcou a aula ao vivo de Como fazer suas próprias roupas de crochê com habilidade para quarta-feira. Então você vai poder me ajudar com o cruzeiro, no fim das contas.
Hum... Agora vai ser no horário de trabalho — e isso adiaria a conversa com a diretora de direitos autorais por pelo menos mais uma semana. O que será que prefiro: ser usada como modelo de coletes de crochê em um cruzeiro com Katherin ou levar uma bronca da diretora de direitos autorais em uma sala de reuniões sem janelas?
— Tudo bem. Estou dentro.
— Sério?
— Sério — respondo, aceitando o chá de Mo. — Mas não vou falar nada. E você não pode ficar me sacudindo como da outra vez.
Os hematomas demoraram dias para sumir.
— São os problemas e as atribulações da vida de modelo, Tiffy — retruca Katherin.
Tenho uma leve impressão de que ela está rindo de mim.
• • • Todos foram embora. Estou sozinha no apartamento.
É claro que fiquei muito animada o dia inteiro e não demonstrei em nenhum momento para Mo, Gerty e Kay que a mudança para o apartamento de Leon tenha sido estranha ou triste.
Mas é um pouco estranho. E estou com vontade de chorar outra vez.
• • • Olho para meu lindo cobertor de batique dobrado ao pé da cama e só consigo pensar que não tem nada a ver com o edredom de Leon, uma peça basicamente listrada de preto e cinza, e não há nada que eu possa fazer porque esta cama é tão minha quanto dele, seja lá quem for esse tal de Leon, e que seu corpo seminu ou talvez nu dorme sob este edredom. Não tinha parado para pensar na logística da cama até este momento, e, agora que estou fazendo isso, a experiência não me agrada muito.
Meu telefone vibra. É Kay.
Espero que a mudança tenha corrido bem. Coma o que quiser da geladeira (até você se situar e conseguir fazer compras). Leon pediu para você dormir do lado esquerdo da cama. Bjos, Kay.
Pronto. Estou chorando. Isso é muito estranho. Quem é esse tal de Leon, afinal? Por que não me encontrei com ele ainda? Penso em ligar para ele — tenho o número por causa do anúncio —, mas já ficou claro que Kay quer ser a responsável por tudo relacionado ao aluguel.
Assoo o nariz, seco os olhos com força e vou até a geladeira. Está surpreendentemente cheia para a casa de alguém que trabalha tanto. Pego a geleia de framboesa e a margarina e acho o pão na prateleira acima da torradeira. Certo.
Oi, Kay. Já fiz toda a mudança, obrigada. O apartamento é muito aconchegante! Obrigada por confirmar o meu lado da cama.
Está meio formal demais para quem está discutindo quem dorme em qual lado da cama, mas sinto que Kay prefere que eu não tente ser amiguinha dela.
Digito algumas outras perguntas sobre o apartamento — onde é o interruptor do corredor do prédio, se posso ligar a TV na tomada, esse tipo de coisa. Então, com uma torrada com geleia na mão, volto para o quarto e me pergunto se seria muito passivo-agressivo refazer a cama com meus lençóis. Com certeza Leon deve ter colocado lençóis limpos. Mas... e se não pôs? Ai, caramba, agora que a ideia surgiu, vou ter que trocá-los. Arranco a roupa de cama dele com os olhos bem fechados, como se estivesse com medo de ver alguma coisa que não quero.
Tudo bem. Os lençóis provavelmente limpos estão na máquina de lavar, os meus lindos e sem dúvida limpos estão na cama, e eu estou um pouco sem fôlego com todo esse exercício. Olhando agora, o quarto com certeza parece mais meu do que quando cheguei. É, o edredom ainda não combina (achei que trocá-lo seria um exagero) e há livros estranhos nas prateleiras (nenhum é sobre fazer as próprias roupas! Vou ter que resolver isso), mas, com minhas coisas espalhadas por todos os cantos, meus vestidos no armário e... É, vou estender o cobertor pela cama toda para cobrir o edredom, só por enquanto. Muito melhor.
Enquanto estou arrumando o cobertor, noto um saco plástico preto debaixo da cama e algo de lã caído no chão. Devo ter me esquecido de guardar uma das minhas sacolas. Arrasto o saco para fora e confiro o conteúdo.
Está cheio de cachecóis. Lindos cachecóis de lã. Não são meus, mas a técnica é incrível — é preciso muito talento para tricotar e fazer crochê assim. Eles deveriam ser meus. Eu daria um dinheiro que não tenho por estes cachecóis.
Depois percebo que estou remexendo no que devem ser coisas de Leon — e algo que ele está guardando embaixo da cama, logo, que provavelmente não quer que as pessoas vejam. Eu me permito observar os pontos por mais um ou dois segundos antes de empurrar a sacola de volta para seu lugar, tomando cuidado para deixá-la do jeito que estava. Gostaria de saber o que todos esses cachecóis significam. Ninguém guarda tantos cachecóis feitos à mão à toa.
Acabo pensando que Leon pode ser um cara estranho. Guardar cachecóis não é estranho, mas isso poderia ser apenas a ponta do iceberg. Além do mais, são muitos cachecóis — pelo menos uns dez.
Será que foram roubados? Droga. E se forem lembranças das mulheres que ele matou?
Talvez ele seja um serial killer. Um serial killer que só ataca no inverno, quando todos usam cachecóis.
Preciso ligar para alguém. Ficar sozinha com os cachecóis está me deixando muito assustada... e um pouco louca.
— O quê? — diz Rachel ao atender.
— Estou com medo de Leon ser um serial killer.
— Por quê? Ele tentou matar você ou algo assim?
Rachel parece um pouco distraída. Talvez não esteja levando isso a sério.
— Não, não, nem encontrei com ele ainda.
— Mas você conheceu a namorada dele, né?
— Conheci. Por quê?
— Bom, você acha que ela sabe?
— Sobre o quê?
— Sobre os assassinatos?
— Hum... Não? Acho que não.
Kay parece muito normal.
— Então ela é uma mulher muito pouco observadora. Você conseguiu observar os sinais em apenas uma noite sozinha na casa dele. Pense em quanto tempo ela deve passar aí, ver os mesmos sinais e não chegar à única conclusão lógica!
Faço uma pausa. O raciocínio de Rachel pode parecer simples, mas foi muito bem elaborado.
— Você é uma amiga incrível — digo, por fim.
— Eu sei. De nada. Mas agora tenho que ir. Estou em um encontro.
— Ai, meu Deus! Desculpa!
— Não, tudo bem. Ele não se importa, não é, Reggie? Ele disse que não se importa.
Ouço um ruído abafado do outro lado da linha. De repente não consigo deixar de imaginar que Reggie está amarrado em algum lugar no apartamento de Rachel.
— Vou desligar. Te amo.
— Também te amo. Não, você, não, Reggie. Pode ficar calmo.

Teto para Dois Onde histórias criam vida. Descubra agora