Tiffy
Penso em colocar os óculos escuros, mas concluo que ficaria com cara de diva, já que estamos no meio do inverno. E ninguém quer dividir apartamento com uma diva.
A pergunta, claro, é se eles preferem uma diva ou uma mulher com o emocional abalado que, obviamente, passou os últimos dois dias chorando sem parar.
Lembro a mim mesma que isso não é uma divisão de apartamento como outra qualquer. Leon e eu não precisamos nos dar bem — não vamos morar juntos, não para valer, só vamos ocupar o mesmo espaço em momentos diferentes. Ele não vai se incomodar se eu passar todo o meu tempo livre chorando, vai?
— Jaqueta — ordena Rachel, entregando-me a roupa.
Ainda não cheguei ao ponto de precisar que outra pessoa me vista, mas Rachel dormiu aqui em casa ontem e, já que está aqui, provavelmente vai se encarregar da situação. Mesmo que “a situação” seja fazer com que eu me vista de manhã.
Triste demais para protestar, visto a jaqueta. Adoro esta peça. Eu que fiz a partir de um enorme vestido de baile que comprei em um brechó. Simplesmente desmembrei a peça toda e usei o tecido para fazer algo do zero, mas deixei os bordados, por isso há lantejoulas e bordados roxos no ombro direito, nas costas e sob os seios. Parece uma jaqueta de apresentador de circo, mas cai superbem e, por mais estranho que pareça, o bordado sob os seios afina minha cintura.
— Eu não dei esta jaqueta para você? — pergunto, franzindo a testa. — Em algum momento do ano passado?
— Você, se separar desta jaqueta? — Rachel faz uma careta. — Eu sei que você me ama, mas tenho certeza de que não ama ninguém tanto assim.
Certo, claro. Estou tão triste que nem consigo pensar direito. Mas pelo menos estou me preocupando com o que vou usar hoje. Sei que estou mal quando ponho a primeira coisa que encontro na gaveta. E não é como se ninguém fosse notar: meu guarda-roupa é tão exótico que uma combinação mal planejada realmente chama atenção. A calça de veludo mostarda, a blusa creme de babados e o longo cardigã verde que usei na quinta-feira causaram certa comoção no trabalho. Hana, do marketing, teve um acesso de tosse incontrolável quando entrei na copa, ao engasgar com o café. Além disso, ninguém entende por que estou tão mal. Dá para ver que todos estão pensando: Por que ela só está chorando agora? O Justin não foi embora há meses?
Eles estão certos. Não sei por que essa etapa específica do novo relacionamento de Justin me incomoda tanto. Eu já havia decidido que sairia de vez da casa dele. E não queria me casar com ele nem nada. Só achei... que ele ia voltar. Era isso que sempre acontecia:
Justin ia embora, batia as portas, me ignorava, não atendia minhas ligações, mas depois percebia o erro. E aí, quando eu achava que estava pronta para começar a esquecê-lo, lá estava ele de novo, estendendo a mão e me pedindo para acompanhá-lo em alguma aventura incrível.
Mas agora acabou, não é? Ele vai se casar. Isso é... Isso é...
Rachel me passa uma caixa de lenços de papel sem dizer nada.
— Vou ter que refazer minha maquiagem. De novo — digo, depois que o pior passa.
— Não dá tempo meeeesmo — responde Rachel, mostrando a tela do celular.
Merda. Oito e meia. Tenho que sair agora ou vou me atrasar, e isso vai pegar muito mal. Se vamos seguir regras rígidas de horário no apartamento, Leon vai querer que eu seja pontual.
— Óculos escuros? — pergunto.
— Óculos escuros.
Rachel me passa os óculos. Pego a bolsa e vou até a porta.
Enquanto o trem balança pelos túneis da Linha Norte, vejo meu reflexo na janela e me ajeito. Estou bonita. O vidro embaçado e arranhado ajuda, como se fosse um filtro do Instagram. Mas esta é uma das minhas roupas favoritas, acabei de pintar o cabelo de ruivo-acobreado e, apesar de eu ter chorado e precisado tirar todo o lápis de olho, o batom continua intacto.
Aqui estou eu. Eu consigo. Sei me virar muito bem sozinha.
Isso funciona mais ou menos até chegar à entrada da estação de Stockwell, quando um cara grita para mim do carro:
— Tira essa bunda daí!
O susto me faz voltar a ser a Tiffy pós-término, que não vê sentido na vida. Estou triste demais para pensar nos problemas anatômicos que teria se tentasse realizar o pedido dele.
Chego ao prédio em cerca de cinco minutos — fica bem perto da estação. Ao ver que essa realmente pode ser minha futura casa, seco as bochechas e dou uma boa olhada no lugar. É um daqueles prédios baixos de tijolinho e, na frente, há um pequeno pátio com um pouco da grama triste de Londres, mais conhecida como palha bem cortada. Há uma vaga de estacionamento para cada inquilino, e um deles parece usar o espaço para guardar um número inacreditável de caixotes de banana vazios.
Quando toco a campainha do apartamento 3, um movimento me chama atenção: é uma raposa saindo da área onde ficam as lixeiras.
Ela me lança um olhar insolente, parando com uma das patas no ar.
Nunca estive tão perto de uma raposa. Esta é muito mais sarnenta do que as dos livros infantis. Só que raposas são legais, não? São tão simpáticas que não podemos mais atirar nelas por diversão, mesmo se formos aristocratas a cavalo.
A porta zumbe, se abrindo. Entro no prédio. É bem... marrom.
Carpete marrom, paredes com cor de biscoito maisena. Mas isso não importa muito — é o interior que conta.
Quando bato à porta do apartamento 3, percebo que estou realmente nervosa. Não, quase em pânico. Estou mesmo fazendo isso? Estou pensando em dormir na cama de um estranho? Em realmente sair do apartamento de Justin?
Meu Deus. Talvez Gerty esteja certa e isso seja um pouco demais.
Por um momento vertiginoso, me imagino voltando para a casa de Justin, para o conforto do apartamento todo cromado e branco, para a possibilidade de tê-lo de novo. Mas a ideia não é tão boa quanto na minha imaginação. De algum modo — talvez às onze da noite da última quinta —, o apartamento começou a ficar um pouco diferente, e eu também.
Sei, lá no fundo, que isso é uma coisa boa. Já vim até aqui, não posso me permitir desistir agora.
Preciso gostar deste lugar. É minha única opção. Então, quando alguém atende a porta, claramente não o Leon, estou tão disposta a seguir com o roteiro que deixo rolar. Nem pareço surpresa.
— Oi!
— Olá — diz a mulher.
Ela é pequena, tem pele morena e aquele cabelo curtinho que faz a pessoa parecer francesa se tiver uma cabeça pequena o bastante.
De repente, eu me sinto enorme.
Ela não faz nada para dissipar essa sensação. Quando entro no apartamento, percebo que ela está me olhando de cima a baixo.
Tento observar a decoração — oba, papel de parede verde-escuro, parece ser dos anos 1970 —, mas, depois de um tempo, o olhar dela começa a me incomodar. Eu me viro e a encaro.
Ah. É a namorada. E a expressão dela não poderia ser mais óbvia.
Ela diz: Eu estava com medo de você ser bonita e tentar roubar meu namorado enquanto estivesse dormindo na cama dele, mas agora que conheço você sei que ele nunca vai se interessar, então, claro! Pode entrar!
Ela se abre em sorrisos. Tudo bem, deixa para lá — se é necessário fazer isso para conseguir o apartamento, não tem problema. Ela não vai me humilhar a ponto de me fazer desistir. A namorada dele não faz ideia de como estou desesperada.
— Meu nome é Kay — diz ela, estendendo a mão. O aperto é firme. — A namorada do Leon.
— Imaginei. — Sorrio para tirar a ironia da frase. — É um prazer.
O Leon está no...
Inclino a cabeça para dentro do quarto. Ou a sala, que tem uma cozinha no canto. O apartamento não tem muito mais do que isso.
— Banheiro? — sugiro, vendo o quarto vazio.
— Ele ficou preso no trabalho — explica Kay, me incentivando a ir para a sala de estar.
Tudo é muito minimalista e um pouco malcuidado, mas é limpo e adoro o papel de parede dos anos 1970. Aposto que alguém pagaria oitenta libras por rolo se alguma loja famosa começasse a vendê-lo. Há uma luminária baixa na cozinha que não parece combinar muito com a decoração, mas é maravilhosa; o sofá é de couro gasto, a TV não está ligada na tomada, mas parece relativamente razoável, e o carpete foi aspirado recentemente. Tudo muito promissor.
Talvez isso possa ser bom. Talvez possa ser ótimo. Imagino uma sequência rápida de cenas possíveis no apartamento: eu descansando no sofá ou preparando alguma coisa na cozinha. De repente, a ideia de ter todo aquele espaço para mim me faz querer dar pulinhos de alegria. Eu me controlo bem a tempo. Kay não me parece do tipo que dança espontaneamente.
— Então eu não vou... conhecer o Leon? — pergunto, me lembrando da primeira regra que Mo mencionou e sentindo um arrepio.
— Bom, imagino que isso vá acontecer em algum momento — diz Kay. — Mas é comigo que você vai tratar. Vou cuidar do aluguel do apartamento por ele. Vocês nunca vão estar aqui ao mesmo tempo. O apartamento vai ser seu de seis da noite até oito da manhã durante a semana e por todo o fim de semana. A princípio o contrato é de seis meses. Tudo bem para você?
— Tudo, é exatamente do que eu preciso. — Faço uma pausa. — E... o Leon nunca vai aparecer do nada? Fora de hora ou algo assim?
— Com certeza não — responde Kay, com um ar de quem pretende garantir que isso nunca aconteça. — Das seis da tarde até as oito da manhã, o apartamento é só seu.
— Ótimo.
Solto o ar devagar, acalmando o frio na barriga, e dou uma olhada no banheiro. Sempre dá para ver se um lugar é legal pelo banheiro. Todas as peças são limpas e muito brancas. O chuveiro tem uma cortina azul-escura, alguns frascos bem organizados de xampu e condicionador masculinos e um espelho arranhado mas utilizável. Ótimo.
— Vou ficar. Se vocês me aceitarem.
Tenho certeza de que ela vai me aceitar, caso seja realmente decisão dela. Percebi assim que ela me viu no corredor. Sejam quais forem os critérios de Leon para sua companheira de apartamento, Kay só tem um e já ficou claro que ela me incluiu na categoria “convenientemente pouco bonita”.
— Maravilha — diz Kay. — Vou ligar para o Leon e avisar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Teto para Dois
RomanceTrês meses após o término do seu relacionamento, Tiffy finalmente sai do apartamento do ex-namorado. Agora ela precisa para ontem de um lugar barato para morar. Contrariando os amigos, ela topa um acordo bastante inusitado. Leon está enrolado com qu...