MAIO - 15

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Tiffy

Enquanto tiro os Post-its e os pedaços de papel presos com fita de armários, mesas, paredes e (em uma ocasião) da tampa da lixeira, eu me pego sorrindo. Foi uma maneira estranha de conhecer Leon, escrever todos esses bilhetes nos últimos meses, e meio que aconteceu sem que eu percebesse — em um minuto, estava rabiscando um recado rápido para ele sobre comida, no outro, era uma correspondência completa e diária.
No entanto, enquanto sigo a trilha de conversas até o encosto do sofá, não posso deixar de notar que costumo escrever pelo menos cinco vezes mais do que Leon. E que meus Post-its são muito mais pessoais e reveladores do que os dele. É estranho reler tudo — dá para ver como minha memória é ruim, por exemplo. Tipo, em um dos bilhetes, mencionei como foi estranho ter me esquecido de convidar Justin para a festa de aniversário da Rachel no ano passado, mas agora eu lembro: sei que o convidei. Acabamos tendo uma briga horrível porque eu queria ir. Justin sempre dizia que minha memória era péssima. É muito irritante encontrar provas escritas de que ele está certo.
Agora são cinco e meia. Saí do trabalho cedo porque todo mundo foi a uma festa de despedida para a qual não tenho dinheiro, então tomei a decisão de ir para casa sem falar com ninguém. Assim não seria obrigada a ir. Tenho certeza de que alguém lá adoraria me obrigar.
Achei que fosse encontrar Leon hoje, já que voltei perto das cinco da tarde. Foi um pouco estranho. Na verdade, segundo os termos do nosso acordo, não posso voltar para casa cedo e esbarrar com ele. Sei que concordei que não ficaríamos no apartamento ao mesmo tempo — por isso a ideia era tão boa. Mas não passou pela minha cabeça que não fôssemos nos encontrar literalmente nunca.
Tipo, nunca mesmo, por quatro meses.
Cogitei passar essa hora de folga no café da esquina, mas depois parei para pensar... Estou começando a achar esquisito o fato de sermos amigos sem nunca termos nos encontrado. E é exatamente o que sinto: que somos amigos. Não acho que poderia ser diferente, já que estamos sempre ocupando o espaço um do outro. Sei exatamente como ele gosta de comer ovos fritos, apesar de nunca tê-lo visto comer (sempre tem muita gema mole no prato na pia).
Poderia descrever o estilo dele com precisão, apesar de nunca tê-lo visto usando nenhuma das roupas que secam no varal da sala. E o mais estranho: eu conheço o cheiro dele.
Não sei por que não poderíamos nos encontrar — isso não mudaria os termos do acordo. Só significaria que eu reconheceria meu colega de apartamento se o visse andando na rua.
O telefone toca, o que é estranho, porque eu nem sabia que tínhamos telefone fixo. Primeiro vou até meu celular, mas meu toque é uma música animada do fim da lista de toques disponíveis da Samsung, não o ring ring retrô que está tocando em algum lugar da sala.
No fim, acho o telefone fixo no balcão da cozinha, embaixo de um dos cachecóis do sr. Prior e uma série de bilhetes sobre Leon talvez ter usado toda a manteiga (usou mesmo).
Um telefone fixo! Quem diria! Achei que telefones fixos eram relíquias pelas quais pagávamos para ter internet banda larga.
— Alô? — atendo, hesitante.
— Ah, oi — diz o cara do outro lado da linha.
Ele parece surpreso (imagino que seja porque sou mais mulher do que ele esperava) e tem um sotaque estranho — meio irlandês, meio londrino.
— Aqui é a Tiffy — explico. — A colega de apartamento do Leon.
— Ah! Oi! — Ele parece ter ficado muito animado com isso. — Você não quer dizer colega de quarto?
— Prefiro colega de apartamento — respondo, encolhendo-me.
— Entendo — afirma ele e, de alguma maneira, posso ouvir que está sorrindo. — Bom, é um prazer conhecer você, Tiffy. Sou Richie, irmão do Leon.
— É um prazer, Richie.
Eu não sabia que Leon tinha irmão. Mas imagino que não saiba milhares de coisas sobre o meu colega, apesar de saber o que ele está lendo antes de dormir (A redoma de vidro, bem devagar).
— Acho que o Leon acabou de sair. Cheguei faz meia hora e ele já não estava em casa.
— Ele trabalha demais — diz Richie. — Não percebi que já eram cinco e meia. A que horas vocês costumam passar o bastão?
— Normalmente às seis, mas saí do trabalho mais cedo. Você não quer ligar para o celular dele?
— Não posso fazer isso.
Franzo a testa.
— Você não pode ligar para o celular dele?
— Para ser sincero, é uma história meio comprida. — Richie faz uma pausa. — Resumindo: estou em uma prisão de segurança máxima e o único número para o qual posso ligar é o telefone fixo do Leon. Além disso, a ligação para um celular custa o dobro e eu ganho catorze libras por semana no meu emprego de faxineiro de ala, pelo qual, aliás, tive que pagar para conseguir... então isso me deia meio sem opções.
Fico um pouco chocada.
— Que merda! — exclamo. — Isso é horrível. Você está bem?
A frase simplesmente sai. Tenho quase certeza de que não é o certo a se dizer nessas circunstâncias, mas é o que digo. É o que estou pensando e é o que sai da minha boca.
Para minha surpresa (e talvez para a dele também), Richie começa a rir.
— Estou bem — responde, depois de alguns segundos. — Mas obrigado. Já faz sete meses. Acho que estou... Como é que o Leon diz? Me aclimatando. Aprendendo a viver e a deixar o tempo passar.
Assinto.
— Bom, isso já é alguma coisa. Então, como é estar aí? Em uma escala entre, sei lá, Alcatraz e o Hilton?
Ele ri outra vez.
— Com certeza está em algum lugar dessa escala. O ponto exato depende de como estou me sentindo a cada dia. Mas vou te dizer que tenho muita sorte se comparado a várias outras pessoas. Tenho uma cela só para mim agora e posso receber visitas duas vezes por mês.
Não sei se ele tem tanta sorte assim.
— Não quero prender você no telefone se tiver que pagar por isso. Tem algum recado para o Leon?
Fica um silêncio perturbador do outro lado da linha, composto apenas pelo eco do ruído de fundo.
— Você não vai me perguntar por que fui preso, Tiffy?
— Não — respondo, chocada. — Você quer me contar?
— Mais ou menos. Mas em geral as pessoas perguntam.
Dou de ombros.
— Não é da minha conta. Você é irmão do Leon e ligou para falar com ele. E, seja como for, estamos falando de como uma prisão é horrível e isso é verdade, independentemente do que você tenha feito. Todo mundo sabe que as prisões não funcionam. Não é?
— É. Quer dizer, será que funcionam?
— Ah, com certeza.
Mais silêncio.
— Fui preso por assalto à mão armada. Mas não fui eu.
— Meu Deus. Sinto muito. Que merda de situação.
— É, pois é — diz Richie. Ele espera. Então pergunta: — Você acredita em mim?
— Nem conheço você. Por que isso seria importante?
— Não sei. Só... é.
— Bom, preciso de alguns fatos para responder se acredito ou não em você. Minha resposta não significaria muita coisa sem essas informações, não é?
— Então este é meu recado para o Leon. Diga a ele que eu gostaria que ele contasse os fatos para você, para você me dizer se acredita em mim.
— Espere. — Pego um bloquinho de Post-its e uma caneta. — Oi, Leon — digo, lendo enquanto escrevo. — Tenho um recado do Richie. Ele disse...
— Que gostaria que a Tiffy soubesse o que aconteceu. Quero que ela acredite que não fui eu. Ela parece uma moça muito legal e aposto que é linda de morrer. Dá para saber, cara, ela tem uma voz grave e sexy. Você sabe qual...
Estou rindo.
— Não vou escrever isso!
— Onde você parou?
— Em “sexy” — admito.
Richie ri.
— Tudo bem. Você pode assinar o recado agora. Mas deixe essa última parte, se não se incomodar. Vai fazer o Leon rir.
Balanço a cabeça, mas também estou sorrindo.
— Tudo bem. Vou deixar. Foi bom conhecer você, Richie.
— Você também, Tiffy. Tome conta do meu irmão por mim, está bem?
Paro, surpresa com o pedido. Para começar, parece que é Richie que precisa de cuidados. Além disso, não sou a melhor pessoa para cuidar de alguém da família Twomey, já que não conheci nenhum deles. Mas, quando abro a boca para responder, Richie já desligou e não ouço mais nada.

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⏰ Última atualização: 6 days ago ⏰

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