Capítulo 1

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Boa Leitura.

Capítulo 1

Elisa Santana

— Agora só mais uma última foto nessa posição. Olhem um para o outro como se quisessem transmitir seus sentimentos sem usar as palavras. Daquele jeito que eu mostrei para vocês.

O casal vestido de noivos faz exatamente o que eu sugeri, e eu tiro várias fotografias nos melhores ângulos que encontro para enfatizar bem a paisagem alaranjada da feira de Marrakech.

— Perfeito! As fotos ficaram muito boas. Vocês querem ver?

O casal concorda, entusiasmado, e eu aproveito para mostrar outras fotos que tirei deles nos demais lugares turísticos. Os franceses demoram um tempo admirando si mesmos e em seguida me elogiam pelo meu trabalho. Eu sorrio, apreciando o gesto gentil e agradeço pelo elogio.

— Já que vocês gostaram das imagens, podemos terminar por hoje. O meu chefe estará enviando todas as fotos já devidamente editadas para vocês, como vocês pediram anteriormente.

Os franceses concordam, educados como sempre, e se despedem, dizendo que precisam encontrar o táxi que eles já tinham combinado de buscá-los depois do ensaio. Eu os vejo andando de mãos dadas pela feira movimentada, chamando atenção por sua aparência estrangeira e roupas de noivos. É só quando eles desaparecem do meu campo de visão que eu finalmente consigo respirar normalmente. Eu estou tão cansada. Eu tenho feito três ensaios fotográficos todos os dias, há três semanas seguidas. Não aguento mais ver tanto casal francês e espanhol. Eu nem mesmo sei falar francês com segurança, e meu espanhol não se passa de um "portunhol". Se eu não tivesse recebido uma proposta de salário atraente do meu chefe, eu com certeza não teria trocado de lugar com minha colega de trabalho. Era para ser a Lídia aqui, neste momento, mas ela descobriu que estava com covid dois dias antes da viagem, o que deixou toda a empresa de ensaio fotográfico desesperada para encontrar um substituto adequado e em tempo recorde. Como eu sou amiga de Lídia, eu fui a primeira a ser cogitada para o serviço de substituta. Só que eu nunca tinha saído do Brasil e não tinha vontade de trabalhar em outro país, então recusei a oferta no mesmo instante que a recebi. Mas o meu chefe sabe ser muito insistente quando quer e, depois de aumentar a oferta de salário por três vezes, eu aceitei a proposta de fotografar e filmar os casais europeus no Marrocos por um período de um mês, nada mais do que isso.

Em três dias, eu estarei embarcando de volta para o Brasil, e eu já estou contando as horas e minutos. Mas isso se deve ao fato de que não me dou bem longe da minha zona de conforto. Eu tenho tido dificuldade para comer a comida apimentada e condimentada da região e também estou ficando louca por não conseguir me comunicar com pessoas que não sejam comerciantes. As pessoas que trabalham nas feiras conseguem falar português e espanhol, mas as pessoas comuns, não muito. A língua ocidental compreendida aqui é o francês, e eu só sei o básico dessa língua. Já que não sei nem árabe, nem francês, eu preciso torcer para encontrar falantes de inglês quando preciso resolver algo. Eu espero que todo esse pesadelo acabe logo, porque eu não aguento mais escutar tantas línguas diferentes e me sentir como um peixe fora d'água. Eu nunca pensei em visitar o Marrocos. Tudo o que eu conhecia sobre o país era o que eu vi nos documentários de turismo que eram exibidos na TV aberta. Definitivamente Lídia estava mais preparada do que eu para essa viagem. Ela tinha estudado sobre o país e parecia estar bem com tudo o que tinha descoberto.

Eu paro em um canto da rua para guardar a minha câmera na mochila e solto o meu cabelo do rabo de cavalo apertado que eu tinha feito para não suar tanto neste calor. Pego a garrafinha térmica do bolso lateral e bebo a água gelada enquanto ando mexendo no celular. Só estou avisando o meu chefe que estou indo para casa, assim ele pode ficar tranquilo sabendo que a coitada aqui fez todo o trabalho. Enquanto digitava, de repente sou jogada para trás quando esbarro em alguém. Por puro instinto e reflexo, eu agarro o colarinho do homem à minha frente para me impedir de cair com tudo no chão. A água da garrafinha, que estava na minha mão, transborda e cai diretamente na camisa social perfeitamente lisa e sem nenhum amassado. Meu coração dispara com o reconhecimento de que acabei de fazer uma merda grande. Eu arranho a garganta e solto o colarinho do homem, ainda sem ousar olhar para ele.

A OBSESSÃO DO MARROQUINOOnde histórias criam vida. Descubra agora