Capítulo 1

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OLIVIA KAMARI


   — Senhores passageiros, o avião irá pousar dentro de alguns minutos. Por favor mantenham-se sentados e afivelem os cintos. — A voz grave ecoou por todo o espaço repetidamente, as aeromoças passavam pelo corredor conferindo se todos estavam seguindo as orientações do comandante, enquanto isso minha mente vagueava e se perdia em memórias de um passado doloroso.

   O quê você faria se crescesse em um lar completamente desestruturado onde nunca recebeu amor, carinho, afeição?

   O quê você faria se visse sua mãe apanhar todos dias de seu pai alcoólatra ao ponto de desmaiar?

   O quê você faria se visse sua mãe matar seu pai após mais uma briga e se matar logo em seguida?

   Lembrando-me daquela época eu penso que ter crescido em um lar desestruturado influenciou em grande parte das decisões que tomei durante grande parte da minha adolescência.

   Meu pai era alcoólatra e violento. Lembro-me das noites em que me encolhia no canto entre o armário e a parede, tentando tornar meu corpo pequeno, invisível. Agachava-me no chão, mãos espalmadas sobre os ouvidos, mas ainda podia sentir cada som atravessando minha pele: baque surdo, os gritos abafados. O medo pulsava tão forte que meu coração parecia querer escapar de mim, e meu diafragma parecia comprimido deixando-me cada vez mais sem ar.

   Mamãe, por outro lado, se afundava na depressão e nas drogas. Ela achava que eu era jovem demais para entender o que aquele pó branco significava, aquele que escondia na embalagem de remédios na sua gaveta de calcinhas. Mas eu sabia. Eu sabia que, no fundo, aquilo a mantinha distante, até mesmo quando estava perto.

   Eu me lembro que a vovó sempre ia me buscar aos finais de semana, lembro de me sentar nos degraus de madeira gasta do lado de fora da pequena casa em que eu vivia e esperar ela chegar no seu fusquinha vermelho que tinha bancos de couro branco e tapetes amarelos, nós ouvíamos Cyndi Lauper no último volume enquanto cantávamos alto o suficiente para causar arranhões em minha garganta, íamos ao parque, tomarmos sorvete de morango e depois fazíamos uma festa do pijama em sua casa.

   Eu amava os fins de semana com a vovó!

   Minha vida foi assim até os doze anos, onde naquela noite fria e chuvosa tudo mudou.

treze anos atrás

   Era mais uma das muitas noites em que eu me escondia atrás daquele armário velho de madeira. O cheiro forte de mofo invadia minhas narinas, nublando a consciência e misturando-se ao medo. Então, percebi: os gritos de mamãe haviam cessado, os sons dos tapas e socos já não ecoavam pelo corredor.

   Amedrontada, mas curiosa, saí do pequeno cômodo e desci as escadas, degrau por degrau, com o coração pulsando e as mãos tremendo descontroladamente. Ao chegar na sala, vi papai parado, os braços soltos ao lado do corpo, as mãos sujas com o que parecia sangue. Mas mamãe... mamãe não estava mais ali.

   — Papai? — minha voz saiu em um sussurro. — Está tudo bem?

   Ele não respondeu, apenas cerrou os punhos, como se lutasse para conter a raiva. Em um movimento brusco, deu um passo à frente; recuei dois. Então, um som alto e seco explodiu pelo ambiente, algo quente e viscoso respingou no meu rosto. Meus ouvidos zumbiam, e eu cambaleei, apoiando-me na parede. Foi nesse instante que entendi.

Ajuda - Série The PleasureOnde histórias criam vida. Descubra agora