09. rabo de saia.

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                   Quando a luz do dia rompeu as nuvens carregadas, revelando um céu limpo e azul, Pedro e Rita apareceram no trapiche, o coração pulsando de alegria e alívio

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Quando a luz do dia rompeu as nuvens carregadas, revelando um céu limpo e azul, Pedro e Rita apareceram no trapiche, o coração pulsando de alegria e alívio. Nos braços, carregavam o arco de Ogum, que brilhava sob a luz do sol como um símbolo de resistência e esperança. Gritando animados, os dois se dirigiram para os meninos que já os esperavam, os olhos brilhando de expectativa.

A alegria se espalhou como fogo em palha seca. Assim que notaram Pedro e Rita se aproximando, os meninos começaram a pular, as risadas ecoando pelas paredes do trapiche. Era uma cena de pura euforia: meninos de rua, cabelos desgrenhados e pés descalços, se lançando em direção aos dois, abraçando-os no ar, como se tivessem trazido um pedaço de felicidade de volta.

-- Bala e Saia voltaram! -- gritou um dos meninos, enquanto outro se pendurava no braço de Pedro, quase derrubando o arco.

-- E trouxe Ogum com eles! -- acrescentou outro, a voz cheia de entusiasmo, como se o próprio orixá tivesse descido para celebrar com eles.

A energia contagiante do grupo fez com que Pedro e Rita se sentissem como se tivessem vencido uma batalha, e em meio a abraços e gritos de alegria, a tempestade da noite anterior parecia agora um distante pesadelo.

-- Ogum tá com a gente, irmão! -- exclamou Pedro, levantando o arco acima da cabeça, enquanto Rita ria, seus olhos brilhando com o calor da amizade e do amor que unia todos ali. A sensação de pertencimento, de família, preenchia cada canto do trapiche, fazendo com que cada um deles se sentisse invencível.

Naquele momento, sob a luz do novo dia, eles eram mais do que meninos de rua; eram guerreiros, unidos pela luta e pela fé, prontos para enfrentar qualquer tempestade que a vida pudesse lhes lançar.

(...)

Com o passar dos dias, Pedro e Rita se tornaram inseparáveis, como se os laços que os uniam fossem mais fortes que qualquer tempestade.

O beijo que trocavam na chuva era um segredo guardado a sete chaves, um momento que pairava no ar como um perfume doce, deixando um rastro de expectativa em cada olhar furtivo.

Rita, com seu jeito destemido, se aventurava em brincadeiras, desafiando Pedro a pegar conchas ou a correr atrás dos peixes que escapavam entre as pedras. Ele, por sua vez, a observava com um sorriso bobo, admirando a maneira como o cabelo molhado se grudava em seu rosto e como ela ria, cheia de vida, sem saber que estava também cativando seu coração a cada risada.

Às vezes, quando a tarde se despedia e o sol começava a se esconder atrás das ondas do mar, Pedro a encontrava sentada na beira do trapiche, os pés balançando na água gelada, enquanto ela fitava o horizonte. Nesses momentos, ele se aproximava devagar, sentando-se ao seu lado, e juntos contemplavam o céu que mudava de cores. O silêncio entre eles falava mais do que qualquer conversa poderia, e os olhares que trocavam eram carregados de promessas não ditas.

Rita se pegava pensando que, talvez, o que sentiam um pelo outro fosse mais do que amizade. Algo mais profundo, algo que os fazia querer proteger um ao outro, enfrentar o mundo juntos. Mas por enquanto, preferiam deixar essa realidade escondida, como um tesouro a ser descoberto mais tarde, entre risadas e olhares que diziam tudo sem precisar de palavras.

(...)

Dora balançava a rede com leveza, observando Professor desenhar com um lápis desgastado, seus traços precisos capturando a essência de sua amiga. A brisa suave da manhã entrava pela janela, trazendo o cheiro salgado do mar, enquanto ela se perdia em pensamentos.

O olhar curioso de Dora se voltou para fora, onde Rita e Pedro saíam juntos do mar, envolvidos em suas próprias aventuras, como dois pássaros livres.

-- Me fala de novo a história do pai do Bala? -- perguntou Dora, inclinando-se para mais perto, interessada nas narrativas que formavam a identidade daquele grupo.

-- O pai do Bala era comunista -- respondeu Professor, traçando linhas no papel.

-- Comunista? Vixe Maria... -- exclamou Dora, espantada com a revelação. A palavra parecia carregada de um peso que ela mal compreendia.

-- Ele organizava um pessoal pra lutar pelos seus direitos -- continuou Professor, suas mãos paradas por um instante, como se ponderasse sobre a luta que existia fora do trapiche.

-- E a Rita? Ela não tem história? -- indagou Dora, sentindo uma pontada de curiosidade sobre a garota que havia se tornado parte do seu cotidiano.

-- Os pais da Rabo de saia eram turistas -- começou Professor, seu tom se tornando mais suave. - Perderam a filha na praia. Dizem que ela é tão devota a Iemanjá porque foi a Iemanjá que cuidou dela quando se perdeu.

-- Turistas? Tipo de fora? -- Dora ficou perplexa, pensando na vida de Rita como uma história de aventura e tragédia ao mesmo tempo.

-- É... os pais da Rita eram portugueses -- Professor confirmou, desenhando agora um pequeno esboço de Rita e Pedro juntos, como se capturasse não apenas seus rostos, mas a conexão profunda que havia entre eles.

Dora ficou em silêncio, refletindo sobre a vida da menina e a solidão que Rita carregava. Havia algo encantador e triste na maneira como a maré havia mudado suas vidas, mas ao mesmo tempo, ela se sentia privilegiada por conhecer aquelas histórias, por estar ali, dentro daquela rede, cercada por amigos que lutavam para encontrar seu lugar no mundo.

Dora observava Rita e Pedro do seu canto, curiosa e intrigada com o jeito como a menina se misturava entre os meninos, sempre tão à vontade. Não resistiu e perguntou ao Professor.

-- Professor, por que chamam Rita de Rabo de saia?

Professor sorriu, entendendo a curiosidade da garota.

-- Ah, Dora, essa história é simples. A Rita é assim, cresceu menina, mas acabou virando menino com a gente.

Dora franziu a testa, querendo entender mais.

-- Como assim, virou menino?

-- É. Ela aprendeu a se defender e a viver como um dos nossos, enfrentando a rua. A gente sabe que a vida não foi fácil pra ela, e por isso ganhou esse jeito forte e corajoso - explicou Professor, olhando para Rita, que brincava despreocupada com os meninos.

Dora ponderou sobre isso, admirando Rita por sua história. Ela percebia que a menina, apesar de ser chamada de rabo de saia, era muito mais do que isso; ela era uma guerreira, uma família, alguém que pertencia àquele mundo de lutas e aventuras, sem deixar de ser quem realmente era.

Dora refletiu sobre as palavras do Professor, tentando entender a complexidade de ser uma menina entre meninos.

-- Professor, mas isso é mesmo possível? Ser menina e menino ao mesmo tempo?

Professor, sempre pronto para uma boa conversa, respondeu.

-- É sim, Dora! Olha, tem uma história famosa que pode te ajudar a entender. Joana d'Arc, você já ouviu falar?

Dora balançou a cabeça, interessada.

-- Joana foi uma jovem que, na França, se vestiu de homem pra lutar em uma guerra. Ela acreditava tanto na sua causa que não se importou com as regras.

Ele fez uma pausa, olhando para Rita, que ria com os meninos.

-- Rita é como Joana d'Arc. É uma rabo de saia que não tem medo de ser quem é, que luta pelo que acredita.

Dora sorriu, admirando Rita a imaginando em uma armadura antiga como nas guerras velhas.

﹙✓﹚ corações de areia, pedro bala. Onde histórias criam vida. Descubra agora