13. rita, a portuguesa.

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                        O tempo parecia arrastar-se, uma eternidade de silêncio e escuridão

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O tempo parecia arrastar-se, uma eternidade de silêncio e escuridão. Dora, agora presa dentro das paredes frias de um convento, se sentia sufocada por uma rotina rígida e monótona. Os corredores ecoavam o som dos passos das freiras, o aroma das velas e do incenso era constante, mas para ela, tudo aquilo tinha um peso opressor. Ela, que antes corria livre pelas ruas de Salvador, agora se via enjaulada, a alma rebelde e o coração pulsante de saudade dos Capitães da Areia, da família que tinha encontrado e, principalmente, de Professor.

Pedro Bala, por outro lado, amargava o pior tipo de castigo. Isolado no reformatório, escondido no fim de Salvador, sua vida era uma sequência de humilhações e violência. Os guardas não poupavam esforços em tratá-lo como escória, descontando nele a fúria e o desprezo que tinham por aqueles marginais das ruas. Cada surra, cada palavra de ódio só fazia a raiva crescer dentro dele, misturada com a dor constante de não saber o destino de Rita.

A lembrança de Rita era a única coisa que mantinha Pedro vivo.

Na sua mente, as cenas de quando ela estava ao seu lado, os risos, os olhares cúmplices, o toque suave de suas mãos, tudo se repetia como um filme antigo, mas embaçado pelas saudades. Ele se agarrava a essas memórias, tentando a todo custo não esquecer do rosto dela, da sua voz, das palavras que nunca teve coragem de dizer.

Rita... onde tu tá? ele murmurava para si mesmo, os olhos fixos nas paredes úmidas e frias. Na sua cabeça, só existia uma certeza: ele precisava sobreviver, precisava aguentar aquilo tudo para um dia reencontrar Rita, onde quer que ela estivesse.

Rita, deitada naquela cama dura de hospital velho, olhava o teto descascado do quarto sujo, cada mancha parecia contar uma história esquecida. A dor na barriga ainda a atormentava — a maldita bala tinha deixado sua marca, e agora ela estava longe, longe demais de Salvador, longe dos meninos, do trapiche, da liberdade.

Rita sentia o peso do silêncio naquele quarto sombrio, as paredes manchadas de umidade e o cheiro amargo de desinfetante velho. A dor na barriga, queimando onde a bala tinha deixado sua marca, era constante, mas não a incomodava tanto quanto aqueles dois homens estranhos, de fala enrolada, que a encaravam com olhos curiosos, insistentes.

O sotaque deles era engraçado, um "r" cortado que soava como se tivessem a língua presa. Aquilo quase a fez rir, mas não havia força em seu corpo para nada além de respirar e encarar o teto.

Um dos homens se aproximou, cauteloso, e perguntou com voz baixa, mas incisiva.

—— És tu Catarina Alcântara?

Rita permaneceu em silêncio, os olhos escuros fixos no chão sujo, mas sem ver nada. Catarina era um nome que não lhe dizia nada. Ela não era Catarina, não era ninguém além de Rita, a Rabo de Saia, a menina perdida que cresceu como moleque entre os Capitães da Areia, vivendo das ruas. Ela não tinha passado que soubesse, nem futuro que desejasse, apenas um presente que doía.

—— És tu Catarina que sumiu há treze anos na praia de Salvador? —— insistiu o homem, com uma ponta de paciência.

Foi nesse instante que Rita sentiu uma onda de algo que não sabia explicar — um misto de tristeza e vazio que tomou conta dela. O nome, as perguntas, o rosto daqueles homens... tudo parecia uma ironia cruel do destino.

Como se ela tivesse uma história antes de se tornar quem era, antes de se perder e encontrar, uma garota sem origem e sem raízes. Ela era Rita, era a Rabo de Saia dos Capitães, e isso era tudo o que importava.

Sem dizer uma palavra, Rita fechou os olhos, sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto, silenciosas, pesadas. Aquelas palavras estranhas ecoaram na sua cabeça como uma pergunta sem resposta. Afinal, ela não era Catarina, não era ninguém além da Capitã da Areia, só isso que ela sabia.

Rita sentia a dor no ventre, uma fisgada constante que a fazia apertar os lábios pra segurar o gemido. Mas a dor de não saber quem era doía ainda mais, uma agonia que parecia corroer ela por dentro. E tinha a saudade de Pedro Bala, uma saudade que queimava feito brasa.

Queria voltar pro trapiche, esquecer tudo, esquecer essa dor que agora era mais que no corpo, era na alma.

(...)

Mas o reformatório não segurou o furacão que era Pedro Bala. Nem grades, nem segurança, nada ali era páreo pra ele. Num dia de confusão lá nas plantações de cana, Pedro viu sua chance e deu no pé, largando aqueles muros pra trás. Quando botou o pé de volta no trapiche, não teve festa, não. Tava todo mundo era com a cara fechada, com o peito pesado de aflição.

Professor tava sentado no canto, segurando um jornal com as mãos tremendo, os olhos correndo rápido pela manchete em letras grandes:

"Ninguém descansa até prender Pedro Bala de novo!"

Pedro, com o olhar afiado e o peito apertado, disparou decidido. —— A gente tem que ir atrás da Rita.

Professor nem pensou duas vezes. —— E da Dora também!

Pirulito, que tava encostado no canto, falou num tom quase de quem sussurra. —— A Dora tá lá no convento velho...

João Grande, de braços cruzados, completou, meio sombrio. —— Mas a Rabo de Saia... dessa ninguém sabe o paradeiro.

Boa Vida deu uma risada de canto, meio desconfiado.

—— Ó, mas eu ouvi um zum-zum-zum por aí... Dizem que tinha uns português aqui, uns cabra estranho, tão procurando uma menina.

O silêncio se estendeu entre eles, cada um com o pensamento em Rita e o que poderia estar acontecendo com ela, cada um segurando a respiração como se segurasse um segredo.

Boa Vida deu olhada longa no bando, soltando a língua devagar enquanto falava.

—— Lá pra perto do hospital, ouvi dizer...

Professor olhou firme pra Pedro, o rosto decidido.

—— Vamos atrás de Dora primeiro, Bala. Assim a gente ganha tempo pra tirar Rita do hospital também.

Pedro apertou os punhos, como quem segura uma promessa, e assentiu.

﹙✓﹚ corações de areia, pedro bala. Onde histórias criam vida. Descubra agora