VERGIL
O que mais me irrita no trabalho é ter de acordar cedo.
Talvez seja um exagero, há muitas partes ruins; lidar com a prepotência ministerial, com as reclamações, as cobranças e, claro, os espertos que se acham mais inteligentes do que eu; aturar erros e falhas, pedir perdão e servir àqueles tão ignorantes, tão frágeis.
Há muito de ruim, mas muito a se ganhar.
Fazia sol lá fora, sol forte, pude perceber ao caminhar por aquele interminável corredor, pontuado de grandes janelas com cortinas antigas em tons escuros, janelas aos quais eu meticulosamente evitava. Tudo nesse prédio tinha coloração escurecida, fosse pelo tempo ou para refletir a miséria com que vivem os humanos. Os tapetes eram cinzentos, a mobília de mogno, e a única breve coloração estava nos quadros que mostravam paisagens inexistentes no mundo pós-eclipse— campos verdejantes, com flores e fauna abundantes a perder de vista.
Estava calor, ao qual também odeio. Ando sempre com agasalhos e sobretudos caríssimos, os conquistei para uso no gélido norte de onde venho, mas Paris nunca está fria, aquecida pelas fábricas e pela energia de milhares de formigas operárias trabalhando lá embaixo. Era o coração pulsante da humanidade, mantido aceso com bastante custo, devo ressaltar.
Essa semana, em especial, Paris estava quente. Não pelo sol, mas pelos rumores, pela crise. Vampiros atacaram uma base em Frankfurt há quatro dias, tão perto, apesar de ainda distante, numa região que o governo considera— e, por conseguinte, o povo também— segura, ao qual deveria estar inabitada por tais criaturas da noite. Imagine a revolta? Dezenas de mortos e feridos, pânico espreitando por cada casebre da capital, traumas nas mentes dos que fugiram de lá. É por isso que Paris arde, ou está prestes a arder.
Entretanto, esse dia não será hoje, assim espero. Apertei o passo pelos corredores do Palais de L'Élysée, que segue sendo a residência do Chefe de Estado francês— nesse caso, o excelentíssimo Sr. Dresrosiers. É também local onde nós, os ministros, nos reunimos e, dessa vez, o ponto alto do encontro sou eu.
Claro que seria. Todos buscam saber a razão pelo qual os vampiros fizeram isso. Há um acordo que precisa ser mantido e nós, em teoria, não o mantivemos. O problema, contudo, começa quando eu não faço a menor ideia do que aconteceu; não fui informado de nenhum plano de ataque ou qualquer coisa parecida, pois pouco faz o tipo da minha casta agir dessa forma.
Isso, sem sombra de dúvidas, é o que mais me irrita.
Fui interrompido em minha jornada e expulso da minha própria mente pela figura invasiva de uma donzela, Srta. Eleanor. Um pequeno pedaço de gente, tão caprichosa e bela, escolhida a dedo por mim para me servir, não da forma que servem os serviçais da mansão ou as meretrizes da vida noturna, mas como uma assistente pessoal que guia os afazeres do ministério. Diria que Eleanor é mais ministra que eu, entretanto, ainda possuo meus méritos. Ela me encarou sigilosa, o rosto cor de madeira enquadrado por cachos perfeitamente encaracolados no volumoso cabelo. Agia com precaução, pois sabe que há dias em que acordo irritadiço— este é um deles; não sabe, contudo, minha incapacidade de descontar a raiva nela.
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Dias Sombrios
FantasyEm um mundo pós-apocalíptico mergulhado em trevas e caos, a humanidade enfrenta a ameaça implacável dos vampiros. Um eclipse cataclísmico envolveu o planeta em escuridão e os vampiros emergiram, espalhando o mal e desencadeando um terrível apocalips...