Prólogo

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Uma noite gélida, sem nuvens no céu, onde apenas a luz fraca de um poste iluminava as ruas escuras de Darkhaven

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Uma noite gélida, sem nuvens no céu, onde apenas a luz fraca de um poste iluminava as ruas escuras de Darkhaven.

Clarisse absorvia a música em seus headphones, absorta ao seu redor, encarava a rua deserta após mais um dia miserável de trabalho na confeitaria Sonhos & Cookies. Ela odiava doces, mas abominava mais ainda perder o emprego e voltar a morar com seu pai alcoólatra e perverso, então suportaria mil crianças tagarelas e elétricas de glicose ao ter que retornar para aquela casa e levar seus irmãos para chafurdar em um lar conturbado.

A loira notou o momento que sua respiração, outrora quente, havia se tornado densa ao ponto de seu hálito formar um vapor condensado e extremamente crispado — estranho demais, ela pensou brevemente antes de ignorar e entrar dentro da casa, modesta, que ela alugou para morar com sua mãe e os três irmãos de doze, dez e sete anos.

Ela retirou os calçados antes de entrar na casa e sorriu largamente ao saborear com os olhos um bolo de chocolate com calda que havia em cima da mesa. Clarisse lavou as mãos para pegar um pedaço de bolo, quando sua mãe surgiu na cozinha a repreendendo.

— Mãe, é só um pedaço — Argumentou.

— Esse bolo é para o seu pai! Amanhã é o aniversário dele e seria bom passar alguns momentos juntos com ele.

— Fez um bolo para ele? — Retrucou amarga, exalando ódio em sua voz suave, quase infantil — No meu aniversário não ganhei um mísero parabéns, mas ele ganha um bolo?! Na minha casa aquele homem não entra, e se insistir, irei chamar a polícia.

— Não seja assim, Clarisse, ele é o seu pai!

— Aquele homem não merece o título de pai, e nem você de mãe — Clarisse berrou enquanto o som da discussão fez com que os irmãos acordassem assustados — Onde você estava quando ele abusou da sua filha? Ou no momento que tentou afogar seu filho em uma banheira? Você não é uma mãe.

Elena não conteve a fúria ao desferir um tapa que acertou em cheio a bochecha esquerda de sua filha, ela suspirou frustrada antes de tentar se aproximar dela, e sendo duramente afastada pela sua primogênita.

— Se a senhora continuar insistindo nisso, juro que irei levar as provas dos crimes que vocês cometeram juntos — A loira ameaçou antes de subir as escadas e bater a porta do seu quarto com todas as suas forças.

Clarisse enxugou as lágrimas mornas que escorriam pelas suas bochechas e entrou dentro da banheira ainda vestindo o uniforme rosa bebê da confeitaria. As vozes em sua cabeça sussurram que aquilo tudo havia sido culpa de sua mãe negligente, ela dizia não saber, mas como não ouviria os gritos desesperados de sua filha de seis anos enquanto o pai a estuprava?

O ato de afundar o corpo e ficar em imersão total era a única coisa que a mantinha mentalmente sã para continuar vivendo aquele merda toda. Ela não poderia se dar ao luxo de ir embora, ou seus irmãos viveriam o mesmo inferno que ela quando a burra da sua mãe voltasse para o marido agressivo depois dele comprar flores baratas e fazer promessas ilusórias, fraudulentas.

Então ela aguentaria tudo por eles.

Clarisse não percebeu o momento que cochilou dentro da água até sentir o frio corroer sua pele, ela retirou o uniforme úmido e lavou dentro da pia do banheiro, a loira não queria descer as escadas e encontrar sua mãe fingindo arrependimento apenas...

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Clarisse não percebeu o momento que cochilou dentro da água até sentir o frio corroer sua pele, ela retirou o uniforme úmido e lavou dentro da pia do banheiro, a loira não queria descer as escadas e encontrar sua mãe fingindo arrependimento apenas para convencer a filha em deixar aquele homem entrar dentro da sua casa.

Ela vestiu um pijama gasto pelo tempo, e um dos seus preferidos, e se jogou em sua cama dura tentando conter a sensação inquietante que a alertava para correr daquela casa.

O sono profundo em que ela imergiu, ou o fato de dormir com fones de ouvido, não a deixou escutar o som da porta da frente sendo quebrada, ou o barulho da sua mãe gritando desesperada quando seu pai, em um surto psicótico causado pela bebida, esfaqueou sua mãe vinte e duas vezes antes de subir pelas escadas.

Clarisse despertou de supetão, mas não teve tempo de reação quando seu pai invadiu o seu quarto e disparou três vezes contra ela, onde uma acertou o abajur da cômoda que ela passou três meses juntando as gorjetas para comprar, e os outros dois acertaram em cheio o seu peito, acima do coração.

— Agora vamos ficar juntos para sempre, minha pequena — Joshua Bassett murmurou em um estado enlouquecido ao dar um último beijo na testa da filha, que tossia engasgada com o próprio sangue, e sem hesitar, atirou mais uma vez, diretamente na testa da loira.

A cena brutal se desenrolou assustadoramente quando os vizinhos ligaram em desespero para a polícia depois de escutarem os disparos. Os policiais cruzaram a porta de entrada onde jazia o corpo da matriarca imersa em uma poça de sangue, ao subir as escadas contemplaram a visão da filha mais velha morta, com os olhos azulados e opacos transmitindo o horror que ela havia sofrido há alguns minutos atrás.

O quarto de Louis, o segundo mais velho, era uma cena sangrenta ao ponto de um dos policiais novatos quase vomitar na cena do crime. A criança havia sido degolada de modo que sua cabeça pendia ao lado da cama, ele ainda segurava um urso de pelúcia tingido pelo seu sangue quando os seus olhos foram fechados pesarosamente.

Eles abriram a porta do último quarto da residência onde havia o corpo dos dois irmãos caído um em cima do outro, e ao lado deles, o cadáver do homem que deveria honrar e proteger sua família.

Joshua, consumida pela culpa ao perceber o que havia feito, subiu na cadeira do quarto dos filhos e entrelaçou uma corda nas vigas e amarrou a outra ponta em seu pescoço, e em um último ato, pulou da cadeira antes de encarar os corpos dos filhos e sentir o ar deixar os seus pulmões uma última vez.

Os policiais nunca haviam visto um assassinato tão brutal como aquele, afinal, Darkhaven era uma cidade pacata onde o único crime cometido era roubar laranjas dos pomares.

Eles suspiraram assustados quando o caçula se remexeu embaixo do corpo do seu irmão e observou sem esboçar reações os dois homens fardados que o encaravam assustados e com medo de se aproximar.

— Aqui é o capitão John, preciso que mandem uma ambulância para a residência da família Basset, temos uma vítima viva.

John não teve tempo ou reação ao segurar o garoto que desmaiou em seus braços, ele estava em estado de choque e foi levado às pressas para o hospital quando a ambulância chegou no local do assassinato quádruplo.

O olhar de Miguel era vago e perdido quando os médicos perguntavam coisas que ele não entendia, a única coisa em sua mente infantil era o porquê de seu pai ter feito aquilo com eles ou em como não teve tempo de abraçar Clarisse e dizer que a amava muito.

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