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A manhã surgia tímida, com o sol esquentando aos poucos o ar fresco do quarto de Rose. Ela estava sentada à beira da cama, tocando delicadamente o hematoma que se formava em seu rosto. A pele ao redor dos olhos e do maxilar ainda estava sensível e arroxeada, junto ao seu braço, uma lembrança amarga da última discussão com Thomas e seu pai.

— Rose, querida! — chamou sua mãe do andar de baixo, a voz ecoando pela casa. — Está na hora de se arrumar! Não quer se atrasar para o encontro com o padre Rafael e as jovens da igreja, não é?

Rose suspirou, lutando contra a mistura de sentimentos que pesava em seu peito. A dor do rosto era quase um reflexo do desconforto que sentia em seu coração, mas ela sabia que precisava manter a compostura. Havia uma expectativa sobre ela, e jogar seu plano por água a baixo um fardo que não podia carregar agora.

Ela pegou um vestido simples, porém delicado, que acentuava sua postura graciosa e escondia parte das marcas visíveis. Escolheu um véu fino, que deixava uma sombra sutil sobre o rosto, esperando que disfarçasse o hematoma sem atrair muita atenção. Com um último olhar no espelho, ajustou o véu e respirou fundo, buscando uma calma que parecia sempre lhe escapar.

Descendo as escadas, viu sua mãe com um sorriso ansioso, já com a bolsa em mãos e o semblante orgulhoso.

— Você está linda, querida. Sempre tão dedicada... Tenho certeza de que o Padre Rafael apreciará sua presença hoje.

— Obrigada, mãe — respondeu Rose, forçando um sorriso enquanto o coração batia acelerado.

Elas saíram de casa e seguiram a passos apressados pela rua em direção à igreja. Rose mantinha a cabeça baixa, tentando evitar olhares curiosos ou perguntas desconfortáveis. Não sabia se estava mais nervosa pelo encontro com as jovens ou pelo pensamento de encontrar novamente o Padre Rafael, que sempre a observava com aquele olhar rígido e impenetrável.

Assim que chegaram à igreja, Rose apertou o véu contra o rosto, sentindo o peso do olhar das outras jovens. Entraram no salão de reuniões ao lado do altar, onde o padre já estava à espera. Ele ergueu o olhar assim que elas entraram, e, por um momento, seus olhos pousaram em Rose, se demorando na expressão dela com um interesse que parecia ir além da cortesia.

— Que bom que todas chegaram — disse ele, a voz firme ecoando pelo ambiente silencioso. — Espero que estejam prontas para um dia de ensinamentos e reflexão. — Senhorita, poderia ir, Rosemary está segura aqui, conosco.

Sorrindo, sua mãe saiu, fazendo reverência ao padre.

Rose desviou o olhar, tentando se concentrar nas palavras dele e evitar a tensão que parecia se espalhar entre eles como um fio invisível.

Durante a reunião, Padre Rafael falava sobre a virtude da submissão e da humildade, enfatizando a importância de aceitar a autoridade daqueles que Deus coloca em nossas vidas. A cada palavra dele, Rose sentia o desconforto aumentar, e as feridas em seu rosto pareciam pulsar sob o véu, como uma lembrança viva do que essas "virtudes" haviam lhe custado.

— Aceitar a orientação, senhoritas, é parte do nosso dever. A humildade é a única chave para a obediência — dizia Rafael, com seu olhar fixo e voz profunda, que passava mais frieza do que compreensão.

As outras jovens ouviam com atenção, algumas até concordando com um leve aceno de cabeça. Mas Rose sentia o sangue ferver a cada frase. Ele falava com uma convicção inflexível, como se fosse a única verdade possível, e isso a deixava indignada. Ela ergueu a cabeça devagar, até que seus olhos encontraram os dele, desafiadores, cheios de uma coragem nova, mas perigosa.

— E se essas virtudes forem usadas para nos controlar e oprimir? — perguntou ela, a voz firme e baixa, mas o suficiente para ser ouvida por todos.

O olhar de Rafael se voltou completamente para ela, seu rosto endurecendo num misto de surpresa e irritação. Era evidente que ele não estava acostumado a ser questionado, muito menos por alguém como Rose, que ele acreditava ser apenas mais uma jovem obediente. Ele a estudou por um segundo, antes de responder.

— Está insinuando que os ensinamentos da igreja são opressivos, senhorita Rose? — perguntou ele, a voz baixa e carregada de um sarcasmo afiado.

Ela sustentou o olhar, mesmo que o próprio coração batesse com força pelo atrevimento. Havia algo no tom dele que a provocava de uma maneira que ela não queria admitir, como se estivesse incitando uma reação dela. Era odioso e sedutor ao mesmo tempo, uma combinação que a deixava desarmada.

— Estou dizendo que talvez nem todos compreendam as palavras como deveriam, Padre Rafael — respondeu ela, erguendo o queixo. — Nem todos têm o direito de interpretar para os outros o que é humildade.

Por um instante, um sorriso curto e quase desafiador apareceu nos lábios dele, como se tivesse gostado da ousadia dela, mesmo que o contrariasse.

— Muito bem, senhorita Rose. Então está sugerindo que devemos todos viver como nos convém, sem liderança e sem orientação? — Ele deu um passo em direção a ela, os olhos presos aos dela, como se quisesse desafiá-la ainda mais.

Rose sentiu o peso do olhar dele sobre si, intenso, dominador, e a tensão entre os dois era palpável. Ela não queria recuar, nem permitir que ele visse que sua presença a desestabilizava de uma forma que era quase inconcebível para ela.

— Estou dizendo que nem toda orientação é sagrada — murmurou, mantendo o olhar firme no dele. — E que algumas palavras não merecem obediência cega.

Ele franziu o cenho, mas algo nos olhos dele parecia quase divertido. Ela percebeu um brilho que beirava a curiosidade e o desprezo ao mesmo tempo, como se ele não esperasse que alguém pudesse desafiar seu controle e, ao mesmo tempo, o fascinasse.

— A insolência pode parecer bravura, mas é apenas uma máscara para a ignorância, senhorita Rose. Cuidado ao se colocar em uma posição que não lhe cabe — disse ele, a voz quase num sussurro, mas que carregava uma carga de autoridade implacável.

Rose apertou os punhos, o rosto corando de raiva e... algo mais. Havia uma linha tênue entre o ódio que sentia por ele e a sensação desconcertante que seu olhar provocava nela. Era insuportável e, ao mesmo tempo, inebriante. Ela odiava como ele a fazia sentir, como se cada palavra dele fosse uma provocação.

— Não tenho medo de questionar o que julgo errado — respondeu ela, o queixo erguido, mesmo que sentisse o coração bater acelerado.

Rafael a observou por um instante, como se saboreasse o confronto. Era claro que ele detestava a ideia de uma jovem como ela desafiando-o, mas, ao mesmo tempo, parecia incapaz de ignorá-la. E, por um instante que pareceu eterno, eles ficaram ali, trocando olhares carregados de repulsa e uma tensão que parecia querer explodir, ambos prontos para atacar a qualquer momento, mas paralisados pela intensidade desse conflito.

Ele deu um passo para trás, com o olhar ainda fixo nela, antes de soltar um último comentário.

— Espero que sua fé seja forte, senhorita Rose. Porque questionar a verdade pode ser um caminho perigoso.

Entre a Cruz e o PecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora