Capítulo 2: Casamenteira?
Lilith e Lúcifer
Era uma noite profunda e eterna, onde as trevas dançavam como sombras antigas. Nos recônditos do Éden, uma alma rebelde vagava solitária, recusando-se a ser subjugada. Lilith, a primeira mulher, havia abandonado Adão, que insistia em tratá-la como uma serva, esquecendo que ela fora criada do mesmo pó, com o mesmo espírito livre.
Enquanto vagueava, sentindo-se livre mas solitária, uma presença envolvente e sedutora surgiu ao seu lado. Era Lúcifer, o arcanjo caído, exilado pela mesma rebeldia que ardia em Lilith. Seus olhos brilhavam como fogo, e sua presença era poderosa, inquietante e, ao mesmo tempo, encantadora.
Ao vê-la, Lúcifer sentiu algo que nunca havia sentido. Ela era a personificação de sua própria liberdade, sua própria insubmissão. Sem poder sobre ela, ele não podia prendê-la ou encantá-la. Era uma atração pura, uma conexão entre iguais que nem ele conseguia explicar. Lilith, por sua vez, sentia-se desarmada ao seu lado. Ele não era como Adão, que exigia sua obediência, mas sim alguém que reconhecia sua essência.
Ao longo das noites, eles se encontravam secretamente nos limites do Éden. Compartilhavam histórias de liberdade, de sonhos e de mundos que poderiam ter sido. Ambos eram diferentes dos moldes que lhes haviam imposto; ambos eram rebeldes, espíritos livres.
Mas havia um peso entre eles. Lúcifer sabia que sua queda o havia condenado, e mesmo que quisesse, não podia oferecer a Lilith mais do que sombras. E ela, atraída por ele de forma que nunca sentira com Adão, sabia que ele era proibido, uma presença que o próprio Céu e a Terra rejeitavam.
Lilith aproximou-se dele em uma dessas noites, seus olhos espelhando as chamas dos dele. Ela sabia que estava destinada a Adão, mas no fundo de seu ser, a escolha já estava feita. "Lúcifer," ela sussurrou, "se eu pudesse escolher, ficaria ao seu lado. Mas somos condenados a percorrer caminhos distintos."
Ele segurou sua mão, e, pela primeira vez, uma tristeza profunda brilhou em seus olhos. "Se eu pudesse, tomaria seu coração e o levaria comigo. Mas o amor que ofereço é o de um exilado, alguém que não pertence a este mundo." Ela apertou sua mão em resposta, em silêncio.
E assim, na penumbra da criação, Lilith e Lúcifer continuaram seus caminhos. Conectados para sempre, mas nunca destinados a ficarem juntos, amantes do impossível.
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A manhã chegou ensolarada, mas o clima pesado e as tensões que Rose carregava consigo tornavam aquele dia ainda mais opressor. A igreja estava silenciosa, apenas com o som dos passos rápidos dela ecoando pelos corredores. Era o dia marcado para os detalhes finais do casamento. A mãe de Rose, sempre vigilante e séria, já estava ali, organizando tudo com precisão, enquanto as mulheres da comunidade e as irmãs da paróquia ajustavam flores, poliam castiçais, e conferiam o altar.
Rose parou diante de um grande espelho, ajeitando o vestido elegante que escolhera para aquela manhã. Era delicado, mas ligeiramente ousado, com o toque de sobriedade esperado. Os cabelos presos cuidadosamente e a maquiagem leve, mas suficiente para ressaltar sua beleza natural, pareciam adequados para a ocasião. No entanto, ao observar o próprio reflexo, Rose sentiu uma onda de insatisfação. Algo dentro dela ainda resistia àquela imagem de docilidade que esperavam ver.
Assim que deu as costas ao espelho, viu Rafael ao fundo, conversando com o padre João, que parecia animado com as preparações. Rafael, por outro lado, mantinha a expressão fria e indiferente. Ela sentiu o coração bater um pouco mais forte ao vê-lo ali. Era quase como se ele estivesse presente apenas para observá-la, como um crítico esperando um erro, ou talvez um espectador mais atento do que gostaria de admitir.
O grupo ao redor foi diminuindo conforme as mulheres terminavam seus trabalhos e se dispersavam. Rose se aproximou do altar, observando Rafael de relance. Quando ele notou sua presença, ergueu os olhos e a encarou com uma expressão calculadamente neutra, mas ela percebeu o brilho de ironia em seu olhar.
— Senhorita Rose, vejo que está levando o matrimônio a sério, finalmente. — Rafael disse, o tom provocativo, mas baixo o suficiente para que apenas ela ouvisse.
Rose respirou fundo, decidida a não deixar que ele a afetasse, embora cada palavra dele parecesse um golpe certeiro em sua determinação.
— Certamente, padre Rafael. Levo a tradição a sério, mas me pergunto se o senhor realmente entende o que significa para uma mulher... aceitar isso sem reservas — ela respondeu, com uma calma quase venenosa.
Ele arqueou a sobrancelha, como se intrigado pela resposta inesperada.
— A devoção e a obediência são virtudes, senhorita. Qualidades que tornam uma mulher... respeitável.
Aquelas palavras a irritaram profundamente, mas ela não podia reagir como realmente queria. Em vez disso, lançou-lhe um olhar firme, os olhos faiscando de desafio.
— E qual é o respeito que merecem aqueles que forçam suas virtudes nos outros, padre? O senhor realmente entende o valor de cada promessa feita a um altar?
Ele a olhou por um instante mais longo do que o necessário, e algo indecifrável cruzou sua expressão antes de ele recuperar a compostura. Um sorriso mínimo se formou nos lábios dele, mas seus olhos mantinham a frieza de sempre.
— Talvez, senhorita, seja justamente essa luta entre dever e desejo o verdadeiro teste de uma alma — respondeu Rafael, com um toque de sarcasmo no tom.
A conversa foi interrompida quando sua mãe se aproximou, lançando um olhar de reprovação à filha.
— Rose, querida, precisamos que você aprove as flores no altar. Esse é seu dia, lembre-se disso — disse a mãe, em um tom gentil, mas firme, enquanto lançava um rápido olhar ao padre, tentando esconder o desconforto.
Rose assentiu, esforçando-se para aparentar a suavidade que se esperava dela. Porém, cada detalhe naquele altar, cada decisão tomada para o casamento, parecia aprisioná-la mais e mais. E ali, no meio daquela igreja, com todos os olhos da congregação voltados para a "bela e obediente" jovem noiva, Rose sentiu o peso esmagador das expectativas.
Enquanto ajudava a ajustar o arranjo de flores e a conferir os bancos decorados, ela percebia Rafael observando-a de longe, sempre mantendo aquele olhar crítico, como se estivesse à espera de um deslize. Ele parecia desfrutar do papel de inquisidor, de espinho em sua carne. Ao mesmo tempo, havia algo nela que o desafiava, algo que ele não queria admitir, mas que tornava cada troca entre eles ainda mais carregada.
Após alguns minutos, a cerimônia de preparação final se deu por concluída. Rose e sua mãe agradeciam às mulheres que ajudaram com a organização, enquanto o padre João dava instruções finais a Rafael, que, por sua vez, não tirava os olhos de Rose. Finalmente, ele se aproximou dela, mantendo uma distância respeitosa, mas o suficiente para que suas palavras fossem ouvidas claramente.
— Senhorita Rose, desejo que tenha um casamento abençoado... e que encontre em seu lar tudo aquilo que parece faltar dentro de você — ele disse, com um sorriso desdenhoso, o tom carregado de ironia.
Rose o encarou, o sangue fervendo com a provocação, mas controlou a respiração e retribuiu com um sorriso falso.
— Agradeço, padre Rafael. Talvez o senhor também encontre na fé tudo aquilo que lhe falta em compreensão. Afinal, nem tudo que é virtude está à vista.
Ela se afastou, deixando-o ali, enquanto as palavras dela ecoavam na mente de ambos.
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Entre a Cruz e o Pecado
FanfictionEm uma vila isolada e marcada pelo peso da fé e dos pecados escondidos, o jovem Padre Rafael chega como a promessa de salvação, determinado a purificar a comunidade de seus vícios. No entanto, ao conhecer Jahi, uma meretriz de olhos ardentes e cicat...