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Depois da missa, Rose e sua mãe, Elisabeth, esperavam na entrada da igreja enquanto os fiéis se dispersavam. Padre Rafael permanecia próximo à porta, cumprimentando os membros da congregação com um leve aceno de cabeça, uma expressão indiferente em seu rosto. Rose tentou ignorar o desconforto que sentia ao se aproximar, desejando que sua mãe a poupasse do encontro com o severo sacerdote.

Mas Elisabeth, orgulhosa e fiel, fez questão de se dirigir ao padre.

— Padre Rafael, esta é minha filha, Rose — apresentou ela com um sorriso orgulhoso. — Tenho certeza de que ela está ansiosa para aprender com os seus ensinamentos.

Rafael lançou um olhar penetrante em Rose, como se a estivesse avaliando. Ela se sentiu exposta sob o escrutínio dele, embora tivesse a aparência mais comportada possível, com seu vestido modesto e sua expressão recatada. Ainda assim, havia algo nos olhos dele que parecia questionar a sinceridade de sua devoção.

— Espero que seu entusiasmo para com a fé não se restrinja às aparências, senhorita Rose — disse ele com uma voz baixa e firme. — Há muitos que se iludem pensando que bastam boas maneiras para alcançar a graça divina.

Rose, surpresa com o tom frio e distante, hesitou por um instante, sentindo um misto de irritação e embaraço. Nunca ninguém lhe falara assim, ainda mais um sacerdote.

— Padre, não faço isso por aparência, mas por convicção — respondeu, tentando manter a voz firme.

Ele a encarou, um leve sorriso de escárnio surgindo em seus lábios, que desapareceu tão rápido quanto veio.

— Convicção é algo que se prova com ações, não com palavras. Veremos — respondeu ele, com uma voz tão cortante que parecia desafiá-la.

Rose sentiu seu rosto esquentar, e não pôde evitar um olhar de indignação. Mas Rafael já havia se voltado para cumprimentar outra pessoa, indiferente ao constrangimento que havia deixado no ar.

No caminho de volta, enquanto caminhavam em silêncio ao lado da mãe, Rose não conseguia deixar de pensar no tom severo e desdenhoso do padre. Por mais que quisesse esquecer o ocorrido, as palavras frias dele ecoavam em sua mente, despertando nela uma raiva silenciosa e uma inquietação inexplicável.

Naquela tarde, Rose foi à casa dos pais de Thomas, seu noivo, como sempre fazia para um encontro semanal. Eles ainda não eram casados, mas o compromisso estava estabelecido, e Rose sabia que seus pais tinham grandes expectativas em relação ao casamento. No entanto, a convivência com Thomas vinha se tornando mais difícil.

Thomas a aguardava no jardim, onde eles sempre conversavam para ter alguma privacidade. Assim que Rose se aproximou, percebeu algo errado em sua expressão; ele estava sombrio, com o olhar fixo nela.

— Por que demorou tanto para sair da igreja? — perguntou ele, em um tom ríspido.

Rose franziu o cenho, surpresa pela acusação.

— Apenas estava com minha mãe, cumprimentando as pessoas. Nada que justifique essa irritação, Thomas — respondeu ela, tentando manter a calma.

Ele deu um passo à frente, apertando seu braço de forma brusca. Ela sentiu um aperto de dor, mas tentou não demonstrar.

— Você acha que pode fazer o que quer, Rose? Que pode simplesmente aparecer e agir como se não houvesse nada de errado? — falou ele, a voz subindo cada vez mais.

— Thomas, está me machucando. Solte-me! — respondeu Rose, tentando se afastar, mas ele apenas apertou mais.

Mas ele não afrouxou o aperto, e a raiva em seu rosto apenas aumentava. — Se você quer ser minha esposa, é melhor aprender a me respeitar! — Ele então a empurrou com brutalidade, fazendo-a tropeçar para trás e quase cair. Em um reflexo de fúria e indignação, Rose gritou:

— Chega, Thomas! Estou cansada de suas explosões, de suas cobranças! Você não é o homem que eu pensava que fosse, e não serei sua esposa! Prefiro a solidão a passar a vida ao lado de alguém que me trata como um objeto!

A raiva dele transformou-se em desprezo, mas ele não respondeu. Apenas virou-se e foi embora, deixando-a sozinha no jardim, ofegante e com os olhos marejados.

A dor no braço parecia pequena em comparação com a indignação que sentia, mas o medo de decepcionar sua família a manteve em silêncio.

Naquela noite, depois de muita reflexão e com o coração apertado, Rose tomou uma decisão. Informaria seus pais sobre o rompimento do noivado, sabendo que seria difícil, mas determinada a fazer o que era certo.

Contudo, ao compartilhar a notícia, a reação de seu pai foi mais feroz do que ela jamais poderia imaginar. Ele, um homem normalmente calmo, ergueu-se da cadeira e a esbofeteou com uma força que fez seu rosto arder.

— Você é uma vergonha para esta família! Recusar um homem que lhe oferece um futuro? Quem você pensa que é? — berrou ele, os olhos cheios de um furor que Rose nunca vira antes.

Elisabeth, sua mãe, observava a cena com um silêncio mortal, o olhar fixo no chão, como se estivesse petrificada. Rose não conseguia acreditar que aquela era sua própria família, que aquele era seu pai.

Sem dizer mais nada, correu para o quarto, onde se trancou e deixou-se desabar.

Sentada no chão do quarto, abraçada aos próprios joelhos, Rose chorava baixinho. As lágrimas queimavam-lhe o rosto, e ela se perguntava como sua vida, tão pura e cheia de esperanças, havia desmoronado de tal forma. Tudo o que sempre fizera fora obedecer, ser uma boa filha, uma boa cristã. Mas por que, então, era tratada com tanta brutalidade? Por que aqueles que deviam amá-la a machucavam com tanta crueldade?

— Será que errei tanto assim ao desejar algo melhor para mim? — murmurou ela, entre soluços.

Sentia-se dividida, confusa. O que estava errado nela para que fosse alvo de tanto desprezo, tanta incompreensão? Havia crescido acreditando que amor e bondade eram os pilares de sua fé, mas agora tudo parecia uma mentira cruel.

Ela se manteria forte na personagem que foi criada, tomaria uma decisão importante, e nela era agir como se fosse uma mulher decente e preservada.

Ninguém merecia sua submissão, mas era o golpe perfeito para se tornar livre, e destruir a imagem de perfeição que todos em sua volta transbordam.

"Toc Toc"

Se ouvia em seu quarto, logo ouvindo a voz de sua mãe.

— Deixe-me entrar? — Sem resposta.

Um suspiro foi ouvido e então, sua mãe continuou.

— Não esqueça do encontro de amanhã.


Capítulo curtinho, desculpem qualquer erro 🤍

Entre a Cruz e o PecadoOnde histórias criam vida. Descubra agora