Entre a Cruz e o Pecado

6

Dica: ouça HIGH SCHOOL SWEETHEARTS - MELANIE MARTINEZ

🎀

Rose encarava o espelho trêmula, a luz matinal refletindo em seu rosto pálido enquanto passava a esponja sobre os hematomas que agora faziam parte de sua rotina. O leve roxo em sua bochecha, o corte na base do lábio, cada marca era uma lembrança dolorosa do que havia acontecido na noite anterior. Thomas, com seu sorriso e palavras doces na frente dos outros, mostrava um lado que ninguém conhecia quando estavam a sós.

Ela respirou fundo, uma tentativa de controlar o tremor em suas mãos. Aplicava a base com movimentos firmes, quase como se, ao esfregar a pele, pudesse apagar não apenas os hematomas, mas também as memórias, as palavras agressivas, os gritos abafados. Mas a maquiagem, por mais densa que fosse, não conseguia mascarar a verdade.

"Você aprendeu bem, Rose. É assim que se mantém uma família." A voz de sua mãe ecoava em sua mente. A lembrança da figura cansada e submissa que sua mãe sempre fora, escondendo as marcas, sorrindo com os lábios partidos e os olhos sempre à beira de lágrimas. Rose sentia uma pontada de raiva e desespero ao pensar que seu futuro parecia uma extensão do passado de sua mãe.

— Não — murmurou ela para si mesma, enquanto traçava uma linha perfeita de delineador, uma tentativa desesperada de se fortalecer através da aparência. — Isso não pode ser tudo que a vida tem a oferecer. Não posso ser apenas mais uma mulher presa às correntes que me sufocam.

Ela continuou o processo meticuloso de ocultar as evidências, enquanto seu pensamento viajava para o dia que se aproximava — o dia do casamento. O dia que, para muitos, simbolizava o início de uma nova vida, de felicidade e de promessas eternas. Para Rose, contudo, parecia a sentença final, um laço que a prenderia definitivamente a Thomas, um homem cuja violência a fazia estremecer. Seria essa a vida que ela queria para si? A mesma vida de submissão e dor que sua mãe levava?

Um suspiro pesado escapou de seus lábios enquanto fechava o batom vermelho, um contraste ousado contra sua pele pálida. Ela sempre odiou esse tom; era como se gritasse por atenção. Mas hoje, hoje era diferente. Hoje, ela precisava que alguém notasse, que visse através do verniz impecável, que enxergasse a mulher que tentava se libertar por trás da máscara.

"Preciso sair disso... Preciso encontrar um jeito antes que seja tarde demais." O pensamento era uma fagulha de esperança, uma promessa que fazia a si mesma. O relógio na parede sinalizou que estava na hora de ir;

Rose deu um último olhar ao espelho, encarando seus próprios olhos, buscando por algum resquício da garota que um dia sonhara com um futuro diferente, um futuro livre.

Rose colocou de lado a maquiagem e abriu o guarda-roupa, as portas rangendo levemente enquanto ela buscava um vestido que fosse simples, mas ainda assim elegante. Optou por um vestido de linho azul claro, com mangas curtas e um decote modesto que realçava sua figura sem chamar muita atenção. O tecido macio deslizava sobre sua pele, cobrindo os hematomas que a maquiagem não conseguira esconder completamente. Os detalhes bordados à mão lembravam os vestidos que sua mãe costumava usar nos dias de missa, quando ainda havia um brilho de esperança em seus olhos.

Ela calçou sapatos baixos, práticos para caminhar até a casa de sua mãe, e passou os dedos pelos cabelos, prendendo-os em um coque simples. Seu reflexo mostrava uma jovem que se esforçava para parecer serena, mas cujos olhos revelavam uma tempestade silenciosa. Inspirou profundamente, como se o ato de respirar pudesse lhe infundir a força que tanto precisava.

O sol da manhã entrava pelas janelas da casa, criando sombras que dançavam sobre o chão de madeira enquanto Rose descia as escadas. O som dos passos ecoava pelo corredor, mas a casa estava vazia, os empregados ainda não haviam chegado. Uma paz melancólica reinava, como se o mundo soubesse que aquele era o último dia antes de sua vida mudar para sempre.