Thiago Point If View
Não eram nem meio dia quando Caveira bateu na minha porta. Estava possesso de raiva, mas isso não era de surpreender; minha atenção foi fisgada por seu olho roxo. Passei o olhar por ele vários vezes a procura de um resquício de sangue de outra pessoa. O dono do morro não deixaria uma agressão barato assim.
— Você não vai acreditar — ele ria de ódio.
Coloquei metade do corpo para fora de casa, virando a cabeça para um lado e para o outro a procura de alguém.
— O que aconteceu? — fechei a porta, virando para ele.
— O Nando foi atrás de mim.
Averiguei sua situação, desacreditado que Fernando o havia batido.
— Como assim atrás de você? — passei o olhar para o quarto — Minha vó tá dormindo, vamo lá pro quintal.
Ele colocou as mãos no rosto.
— Como tá a dona Luiza? — tirou as mãos do rosto, se acalmando e caminhando en direção ao quintal.
— Às vezes ela esquece meu nome.
— Sinto muito.
— Faz parte, cara... Eu sabia que isso ia acontecer quando vim cuidar dela...
Faziam 5 meses e meio que eu havia me mudado para a casa da minha vó para cuidar dela. Ela havia sido diagnosticada com alzheimer e minha mãe não pode cuidar dela, ensina o dia todo para sustentar a casa desde que meu pai morreu, então acabou que ficou como minha responsabilidade cuidar dela.
Minha mãe queria que ela fosse morar com a gente, mas minha vó não quis sair da casa e nós não poderíamos tirá-la a força. Eu me mudei por isso; minha mãe ainda tem esperança de conseguir trazê-la para casa, também por minha causa, mas eu não acho que levar ela para um lugar diferente agora vai ser o melhor. Prefiro ficar aqui até que a morte venha buscar ela — e eu sei não vai demorar.
Isso me corrói por dentro, mas não há o que eu possa fazer sobre, então eu só lido.
Cheguei no quintal atrás de Caveira, peguei uma mesa de plástico e coloquei na área coberta. Ele puxou duas cadeiras, colocando uma para ele e me entregando a outra — me sentei e ele sentou em seguida.
— Você acredita que aquele desgraçado disse que não me traiu?!
— Te trair ele não traiu mesmo — brinquei para amenizar o clima.
— Você entendeu, caralho!
— Tá, e o que ele disse?
— Que viu a Jully me traindo e foi falar com ela para ela dar ideia para ele e ele conseguir me provar que ela era uma vagabunda.
— E você?
— Desci o cacete nele — Não pude evitar uma risada nasal.
Me ajeitei na cadeira, refletindo sobre. Cocei o cavanhaque — Cê acha que é verdade?
— Claro que não, cara! Você acha que um cara faria isso por outro cara?
— Denunciar uma traição?
— Colocar a dele na reta.
— É. Todo mundo sabe o que acontece com talarico.
— Esse desgraçado quer comer a Clara.
— A Clara?
— É, mas se ele acha que eu sou otário, ele tá muito enganado. Se ele vier de graça, ele perde a cabeça.
Cruzei os braços, reflexivo.
— Esse cara deve muito querer ser você.
— É, ele só não sabe o que eu passei para chegar aqui. Se ele soubesse um terço do que eu passei, ele saberia que é melhor não mexer comigo.
— Cê pretendia matar ele?
— Na época a gente era melhor amigo, eu confiava naquele cuzão, eu quis matar ele no soco, mas hoje eu não tenho mais essa não, se ele vacilar, eu abro a cabeça dele no machado.
Ele não estava brincando, isso não me surpreendia, mas não deixava de ser algo infeliz. Estalei a língua.
— Já assistiu "O Poderoso Chefão"?
— Hm?
— “Mantenha seus amigos por perto e seus inimigos mais perto ainda”.
Caveira cruzou os braços, interpretando minha fala no meu olhar.
— Pode pá — Empurrou o queixo na minha direção.
— Agora relaxa, cara, vai deixar ele te tirar do sério? — sorri e ele retribuiu com um sorriso de canto, descruzando os braços.