Capítulo 8

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Lucas saiu de casa decidido. Hadassa havia cruzado um limite ao reaparecer na vida de Yohan. Ele se lembrava claramente do estado do amigo antes do acidente, o sofrimento e o vazio que o consumiam. Não era fácil reconstruir a vida depois de uma perda, especialmente quando essa perda parecia estar envolta em sombras. E, agora, aquela mulher insistia em trazer tudo de volta, manipulando-o, jogando-o em uma espiral de memórias que ele próprio já tentara apagar.

Lucas a localizou em uma pequena pensão na periferia da cidade. Subiu as escadas estreitas, cada passo ecoando sua raiva crescente, e bateu com força na porta. Depois de alguns segundos, Hadassa abriu, com uma expressão calma que só fez aumentar a fúria dele.

– Lucas… – ela começou, sorrindo ligeiramente, como se esperasse a visita.

– Corte as formalidades, Hadassa. – Ele entrou no quarto sem ser convidado, e ela fechou a porta, encostando-se nela com um ar de provocação. – Como você teve a coragem de voltar? Dei a você uma quantia generosa para desaparecer e nunca mais procurar o Yohan. Você o machucou uma vez, e isso é mais do que suficiente.

Ela ergueu as sobrancelhas, sem perder a compostura. – O que você chama de "generosidade", Lucas, eu chamo de tentativa barata de me comprar. Eu não sou uma mulher que pode ser comprada ou descartada tão facilmente.

Lucas respirou fundo, tentando manter a calma. – Você e eu sabemos muito bem o estrago que você causou ao Yohan. Ele estava destruído depois de você… e o acidente só piorou tudo. E agora você volta, cheia de histórias sobre um casamento que ele nem lembra? Para quê? Para manipular e confundir ele outra vez?

Hadassa deu um passo à frente, olhando-o fixamente, e Lucas pôde ver o brilho perigoso em seus olhos. – É simples, Lucas. Se você não quer que eu conte tudo ao Yohan, é melhor me deixar em paz. Eu sei de coisas que ele precisa saber, e nada do que você faça vai me impedir de falar.

Lucas apertou os punhos, a tensão crescendo a cada palavra dela. – Você não é a mulher que ele conheceu. O que quer com ele agora, Hadassa? Dinheiro? Eu posso dar mais, se for o caso. Mas deixe-o em paz.

Ela riu, e o som ecoou pelo quarto, frio e cortante. – Acha que eu quero o dinheiro dele? Eu sou a esposa dele. Dona de tudo o que ele tem. Ele precisa lembrar disso, Pedro. Ele não se esqueceu de mim por escolha, e muito menos por culpa minha. E eu estou aqui para contar a verdade, queira você ou não.

Pedro sentiu um nó no estômago, uma raiva que não conseguia controlar. – Não se faça de vítima, Hadassa. Não é você quem passou as noites em claro, cuidando dele, ajudando-o a reconstruir a vida. Não vou permitir que você o leve de volta para aquele abismo.

– E acha que ele ficará para sempre na sua sombra, Lucas? – retrucou ela, com um sorriso venenoso. – Mais cedo ou mais tarde, ele vai lembrar. E se eu não estiver por perto, pode ter certeza de que o que vier à tona vai ser muito mais doloroso para ele do que qualquer coisa que você possa imaginar.

Pedro sentiu que a raiva se transformava em impotência. Sabia que não poderia intimidá-la tão facilmente, e a frieza dela o assustava. Ele se virou para sair, mas ela falou mais uma vez, a voz quase em um sussurro ameaçador:

– Ele vai me procurar, Lucas. No fundo, ele sabe que tudo isso é verdade. Você não pode esconder isso dele para sempre.

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Yohan estava em seu escritório, sozinho, perdido nas próprias dúvidas. Há dias, aquelas fotos o atormentavam. Havia algo genuíno na expressão dos dois – na forma como ele olhava para Hadassa, nos sorrisos e na cumplicidade evidente. Mas era uma história que não parecia sua, como se pertencesse a outra pessoa.

Desde o dia em que a expulsara de sua casa, sentia um vazio crescente. Ela afirmava que era sua esposa e que ele a amara intensamente. Ele não conseguia se lembrar, mas também não conseguia ignorar a sensação de que havia algo errado. Como era possível aquelas fotos existirem? Como era possível que ela soubesse tanto?

Lucas havia tentado convencê-lo de que tudo não passava de manipulação, que ela só queria confundi-lo e que ele deveria esquecer aquilo. Mas Lucas parecia mais desesperado do que o normal. Por quê? O amigo sempre fora cuidadoso, protetor, mas agora parecia obcecado em manter Hadassa longe.

"Por que ele quer tanto que eu esqueça isso?", Yohan pensou, sentindo a inquietação aumentar. Lucas havia insistido que o acidente fora uma chance de recomeçar, uma forma de deixar para trás o que o machucava. Mas, ao olhar para aquelas fotos, sentia que ainda faltavam peças.

Levantou-se da cadeira e passou as mãos pelo rosto, sentindo o cansaço acumulado dos últimos dias. Poderia ser um erro procurar Hadassa novamente, mas talvez fosse a única maneira de descobrir o que realmente acontecera. Algo em seu coração o empurrava para frente, como se uma verdade estivesse prestes a emergir.

Ele hesitou, olhando para a mesa cheia de documentos que deveria revisar, mas a ideia de ignorar a própria história parecia mais torturante do que lidar com qualquer consequência.

Por fim, respirou fundo e tomou sua decisão. Pegou as chaves do carro e saiu do escritório, decidido a confrontar Hadassa, determinado a descobrir toda a verdade.

Se ela realmente era quem dizia ser, ele precisava ouvir tudo diretamente dela.

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