No Limite do Prazer (Camren)

Começo

O sol brilhava intensamente naquela manhã, aquecendo meu rosto enquanto observava a paisagem da cidade que logo deixaria para trás. As ruas estavam particularmente movimentadas, com carros enfileirados, buzinando como se o mundo fosse acabar. O trânsito em São Paulo nunca decepciona.

Meu pai, Leandro, mantinha as duas mãos firmes no volante, os olhos fixos na estrada. Ele sempre fora um homem de poucas palavras, mas sua expressão deixava claro o quanto ele estava preocupado. Minha mãe, Sinuhe, por outro lado, não conseguia parar de falar.

— Você conferiu os documentos, não é? Passaporte, visto, a carta da universidade? — perguntou ela, pela terceira vez.

— Sim, mãe. Tudo certo. — respondi, contendo um suspiro. — Também não esqueci o carregador, a escova de dentes e a vontade de viver, caso você esteja preocupada.

Ela lançou um olhar de advertência, mas logo deu um sorriso fraco.

— Só quero ter certeza de que você está preparada, Camila. É uma grande mudança.

Meu pai finalmente quebrou o silêncio.

— Você está pronta. Só não se esqueça do que conversamos, filha. Lauren estará lá para te ajudar com o que precisar.

Lauren Jauregui. O nome ressoava como uma melodia na minha mente. Uma cirurgiã renomada, amiga íntima da nossa família, e uma mulher que parecia ter saído de um catálogo de modelos. Meu pai, claro, mencionou casualmente que ela era intersexual, como se fosse só mais um detalhe. Mas para mim, esse detalhe a tornava ainda mais intrigante.

— Não se preocupe, pai.

***

Chegamos ao aeroporto finalmente, e o tempo parecia escorrer entre os dedos. Meu pai estacionou, e enquanto ele tirava minhas malas do porta-malas, minha mãe continuou com seus conselhos.

— Camila, lembre-se de ligar quando chegar. E não confie em estranhos!

— Certo, mãe, vou evitar qualquer pessoa que pareça suspeita. 

Ela riu, mas seus olhos estavam marejados. Eu sabia que ela estava lutando contra as lágrimas.

Meu pai colocou uma das mãos no meu ombro.

— Você vai longe, filha.

Respirei fundo, sentindo o peso das expectativas deles e a liberdade iminente. Enquanto caminhávamos juntos para o portão de embarque, sabia que essa viagem marcaria o início de algo grande. Eu só não imaginava o quanto.

O ronco suave dos motores do avião preenchia o silêncio enquanto eu me ajeitava na poltrona. Ao meu lado, uma senhora lia tranquilamente um livro de capa dura, indiferente ao mundo ao redor. Eu, por outro lado, estava perdida em pensamentos, olhando pela janela enquanto as nuvens se acumulavam abaixo.

Finalmente estava a caminho de Miami. Mais precisamente, da melhor faculdade de moda da cidade, um sonho que eu vinha cultivando desde que era pequena. Moda sempre foi a minha paixão, uma maneira de expressar quem eu sou sem dizer uma única palavra. Cada peça de roupa conta uma história, e eu queria ser a contadora dessas histórias.

Mas o entusiasmo pelo futuro não apagava a tristeza que crescia silenciosamente dentro de mim. Deixar meus amigos, Dinah e Maria, foi mais difícil do que eu imaginava.

— Você vai arrasar em Miami, Cami! — lembrei-me das palavras de Dinah, rindo enquanto me abraçava com força.

Maria, sempre mais sensível, tinha lágrimas nos olhos.

— Só promete que não vai esquecer da gente?

Eu prometi, claro. Mas agora, a centenas de quilômetros de distância, me perguntei como seria a vida sem nossas noites intermináveis de risadas e conversas sinceras. A saudade já começava a pesar.