Casual

229 17 9
                                    

Saí de casa hoje de manhã para conhecer o que o sol faz com as flores, aparentemente. Não me lembro de um verão tão quente assim em Los Angeles nos últimos três anos. Não gostar da espécie humana é uma possibilidade, não gostar da destruição que provocam é inevitável. Estou longe de ser a pessoa mais ambientalista do mundo, mas tenho certeza que não sou como a maioria dos filhos da puta que conheço. O meio artístico não está fora dessa, salvando uns ou outros que escolhem e financiam suas bandeiras. No final das contas, é tudo por ego.

Vasculho a caixa de correio numa busca inútil. Contas, papelada, alguns fãs. Nada de Jennifer. Não é o meio de comunicação mais atual do mundo, mas depois de ligações recusadas, mensagens e e-mails sem resposta, foi o que me restou. Nunca imaginei que aceitar um papel em um filme colocaria em prova uma amizade tão importante para mim. Desde que eu saí do teatro para as telas junto com Jennifer, somos um coven de duas. Sempre juntas, uma apoiando a outra. As gravações começam amanhã e eu estou uma pilha de nervos, queria mesmo que ela parasse de me evitar.

De volta ao apartamento, começo a folhear um panfleto de uma peça que está em cartaz. Já faz tanto tempo que não visito minha casa. Mas vai ser difícil ir agora. Abro o computador e abro uma pesquisa, "Agatha Harkness". Eu já ouvi falar sobre ela, não é o tipo de diretora fácil de se trabalhar, especialmente numa obra de sua autoria completa. Sinceramente, sabendo do que se trata, acho que o menor dos meus problemas será lidar com ela. Recebi uma pequena parte do roteiro e não consegui acreditar no quão profunda é essa narrativa. Ela conseguiu tranformar uma perda em algo poético e tão genuino. Saber que ela mesma me escalou para interpretar um papel tão cheio de camadas e coberto de dores tirou totalmente os meus pés do chão. Tenho esperado minha vida inteira por algo assim no cinema, mostrar muito mais que ação e comédia. Ainda não nos conhecemos, mas estou certa de que ela viu algo em mim. E estou ansiosa para descobrir.

Tenho um encontro marcado com Monica hoje, que eu acabei pedindo para antecipar, não suporto a ideia de me atrasar amanhã ou de estar indisposta. Olho o relógio e me dou conta de que estou em cima da hora. Tomo uma ducha, me arrumo correndo. Um vestido curto, jaqueta preta e um salto insuportável. Não vejo a hora dessa porra acabar, mesmo não sabendo como acabar.
Chegando ao Little Bar, é claro, Monica já está lá. Não é como se isso fosse um pesadelo, Monica certamente é o sonho de qualquer pessoa. Herdou um cargo importante da mãe, é inteligente, extrovertida e muito bonita. E tudo isso seria mais incrível ainda se eu sentisse alguma coisa. Jennifer sempre disse que meu vício em trabalho atrapalha as outras áreas da minha vida. E eu acho que tem certas coisas que não se escolhem, só acontecem. Ela está falando sobre o dia dela há um tempo e eu estou encarando a imagem de sereia decorativa na parede. Se fosse uma escolha, eu nadaria pra longe daqui.

- Rio?

- Sim?

- No que está pensando? Está em silêncio desde que chegou aqui. Está ansiosa pra amanhã, é isso?

- Sim, é isso.

- Rio, você vê em mim uma pessoa com quem pode realmente contar? Nós estamos juntas há três meses e até hoje eu não consegui acessar você de verdade.

- O que quer dizer com juntas?

- Nós não demos nome até agora, mas...

- Porque é casual, não precisamos dar nome à isso.

- Se é casual, o que te fez pensar que foi de bom tom me apresentar pros seus pais? Era casual assim quando saímos com seus amigos e Jennifer nos fez beber uma "poção do amor"?

- Era um coquetel, Monica. Como esse que está bebendo agora.

- Não tem nem uma semana que estávamos no banco de trás do meu carro com você me fodendo. Não parecia tão insignificante assim.

- Não é insignificante, Monica. Eu só não estou procurando um relacionamento agora. Vou começar um projeto novo amanhã, isso significa tudo pra mim agora.

- Sim. Assim como o meu trabalho significa muito pra mim e pra todos que dependem dele todos os dias. E mesmo assim... quer saber? Foda-se tudo isso. Nem precisa me procurar mais.

Eu não ia mesmo. Monica merece mais do que eu posso entregar agora, então deixar que ela vá embora é um favor que eu faço. Termino o drink e volto ao apartamento com uma certa leveza. Me despindo para dormir, decido visitar minha caixa de e-mails. Eu sou realmente esperançosa. Mas sou retribuída dessa vez.

"Boa sorte amanhã com a megera da Agatha Harkness. Você vai precisar. E é claro, com as gravações. Acredito em você mais do que em qualquer coisa nesse mundo. Te amo."
(Jennifer Kale, há 18 minutos)

Isso me bastava, até me assustar com outra mensagem.

"Boa noite, Rio Vidal. Espero que o horário não seja tão incômodo. Quero que me encontre antes de ir ao estúdio de gravação para tomar um café. Passarei para te buscar às 7. Até logo!"
(Agatha Harkness, há 3 minutos)

Mesmo nua, o arrepio que subiu pela minha espinha aqueceu meu corpo inteiro e eu precisei de um banho frio. Se antes eu já estava ansiosa, agora já não sei como chamar essa sensação. Nunca estive no mesmo lugar que essa mulher, não sei o que esperar dela. Essa noite será mais difícil do que eu pensava.

In My Veins (Fanfic Agathario)Onde histórias criam vida. Descubra agora