𝐂𝐚𝐩í𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟒

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Nicole não conseguia entender onde estava.

O escuro a envolvia como uma manta densa, sem arestas, sem frestas. Não havia som, não havia forma, e o vazio era tão profundo que ela sequer tinha certeza de que existia. Não sentia o próprio corpo, como se fosse apenas um pensamento perdido no nada.

Então, uma luz apareceu. Era uma pequena fagulha à distância, quase imperceptível no breu, mas suficiente para prender sua atenção. Ela não se moveu em direção à luz, ao invés disso, sentiu-se puxada, atraída como um pedaço de metal capturado por um ímã. A sensação era sutil, sem resistência, e ela flutuava sem peso, como se fosse feita de fumaça.

À medida que se aproximava, a luz crescia, ganhava intensidade. Não era uma explosão, mas sim um devorar lento, uma absorção que parecia engoli-la sem causar dor. Nicole esperava sentir medo, mas o que veio foi um calor acolhedor, uma calma profunda. Paz.

Quando a luz a envolveu por completo, tudo mudou. Primeiro, veio a sensação de algo sólido sob seus pés, como se estivesse sendo montada peça por peça. Seu corpo, antes ausente, começou a ganhar forma. Primeiro, os pés e as pernas, depois o tronco, os braços, e, finalmente, a cabeça. Cada parte retornava a ela com estranheza, como se fosse algo novo.

Nicole tentou abrir os olhos, mas não conseguiu. Sua consciência estava lá, inteira, mas os olhos se recusavam a obedecer. Ela sentiu algo duro debaixo de suas costas, frio e sólido.

De repente, uma nova sensação a tomou. Algo invadiu seu corpo. Um suspiro profundo irrompeu em seus pulmões, como se fosse a primeira vez que respirava. Seus lábios se separaram, e ela engasgou levemente, puxando o oxigênio com desespero.

Seu coração disparou. A batida era forte e rápida, ecoando em seus ouvidos como um tambor descontrolado. Por um instante, era tudo o que podia ouvir, o pulsar rítmico da vida que agora fluía através dela.

Ela tentou mover-se, primeiro os dedos de uma mão, depois o braço. Os movimentos eram lentos, hesitantes, como os de uma marionete sendo testada pela primeira vez. O contato entre a superfície dura e a pele de suas costas tornava-se mais evidente a cada segundo, mas ela ainda não sabia onde estava.

Nicole girou a cabeça levemente para o lado. O movimento era tão sutil que parecia consumir toda a energia que possuía. Foi então que sentiu algo diferente em seu rosto: um toque suave, hesitante.

Era um toque leve, como se quem o fazia estivesse incerto sobre o que aconteceria. A sensação era estranha, ao mesmo tempo reconfortante e desconcertante. Os dedos — porque agora Nicole sabia que eram dedos — tocavam sua face como se fossem redescobri-la.

Os fios de cabelo roçaram seu rosto, provocando pequenas cócegas que quase a fizeram reagir. Ela sentia que havia alguém ali, muito próximo. O cheiro discreto de algo fresco, talvez terra úmida ou flores, pairava no ar.

De repente, um calor invadiu o ambiente. Não vinha de fora, mas de dentro. Uma lembrança vaga de estar segura, amada, protegida. Era como se cada pedaço de quem ela era — ou tinha sido — estivesse tentando juntar-se novamente.

Então, uma voz.

Era um sussurro, baixo. As palavras eram simples, mas carregavam um peso que Nicole não conseguia compreender.

𝐀𝐜𝐨𝐫𝐝𝐞...

                                          **

"Acorda"

"Nicole"

"Nick!"

Nicole abriu os olhos, se arrependendo imediatamente ao sentir o sol queimar suas pupilas. Ela se ajeitou no banco, sentindo o cinto de segurança atravessando seu corpo.

LEGACY - AGATHA ALL ALONGOnde histórias criam vida. Descubra agora