"Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba. Não ame por admiração, pois um dia você se decepciona. Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação"
— Madre Teresa de CalcutáLilian Ashford
Era difícil arrancar da memória o olhar severo do lorde Oliver Wellesley, como se cada palavra minha lhe causasse um espanto e, talvez, uma pontada de irritação. Claro, ele se conteve, como todo bom cavalheiro faria, mantendo a compostura digna de sua posição. Mas, por mais que tentasse disfarçar, havia algo em seu olhar que revelava a surpresa – e a resistência – a cada uma das minhas provocações.
Não que ele fosse desinteressante, longe disso. Oliver era um homem alto, imponente, com ombros largos e uma presença que faria qualquer dama corar. Seus olhos castanhos possuíam uma intensidade que não se via em qualquer um, e, ao contrário do olhar gélido de muitos nobres, os olhos dele revelavam algo que eu não conseguia decifrar – talvez uma luta interna que tentava a todo custo esconder. Seus cabelos castanhos, perfeitamente penteados, caíam-lhe de forma quase natural, ainda que suspeitasse que ele passasse algum tempo cuidando de cada fio.
— Ah, mas que espetáculo, minha querida senhorita Ashford — murmurei para mim mesma, tentando imitar seu tom formal e contido, como se zombasse de sua compostura inquebrável.
Por que, dentre todos os lordes e cavalheiros de Londres, justo aquele seria o que ocuparia meus pensamentos? Talvez fosse o desafio que representava, a certeza de que ele jamais aprovaria meu comportamento e, no entanto, não conseguia esconder a curiosidade que meus modos lhe causavam. Ah, ele tentava, tentava mesmo. Mas eu sabia o efeito que causara.
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Estava perdida em tais pensamentos quando o som inconfundível dos passos de minha mãe pelo corredor me despertou do devaneio. Poucos segundos depois, a porta de meu quarto se abriu com um vigor que só poderia pertencer a uma mulher decidida a transformar-me em algo que eu não era.
— Lilian, minha filha, preciso falar com você — disse ela, entrando no quarto como se fosse seu próprio trono. Sua expressão deixava claro que vinha, mais uma vez, com aquele semblante de quem trazia uma missão nobre, um dever inescapável. Era tão previsível.
— Pois não, mãe — respondi, sem mover um músculo além dos lábios, permitindo que ela fizesse a dramatização que tanto adorava.
Ela se aproximou, o olhar de reprovação já familiar. Sua postura, impecável, trazia uma altivez digna de uma rainha – embora estivesse longe de ser uma. Em silêncio, acomodou-se na poltrona ao lado de minha penteadeira, cruzando as mãos no colo.
— Lilian, não posso deixar de notar que, ultimamente, você parece… bem, como posso dizer isso com gentileza? — Ela hesitou por um momento, embora fosse óbvio que a gentileza era a última de suas intenções — Tem se comportado de maneira um tanto… indisciplinada.
A palavra parecia lhe causar dor. Indisciplinada, dizia ela, como se eu tivesse cometido um ato de rebeldia da mais alta ordem.
— Oh, não diga isso, mamãe —respondi com o sorriso mais angelical que pude forçar — Tenho apenas seguido o que minha boa natureza me pede. Não sou eu a culpada se o mundo considera minha felicidade como uma afronta.
Ela suspirou, evidentemente exasperada.
— Lilian, isto não é um jogo. Você está em idade de encontrar um bom partido, um cavalheiro de renome, alguém que te proporcione estabilidade e honre o nome da nossa família.
— Ora, minha querida mãe — disse eu, assumindo um tom ainda mais doce — a senhora realmente acha que um cavalheiro, desses bem dignos e irrepreensíveis, aceitaria tal proposta? Afinal, quem sou eu, senão a indisciplinada senhorita Ashford, incapaz de manter uma conversa sem lançar um olhar atrevido?
— Não brinque com coisas sérias, Lilian! — A voz dela elevou-se um pouco mais — Lorde Wellesley, por exemplo. Um lorde respeitável e, pelo que ouvi, alguém de boa estirpe e valores corretos. Se ao menos você tentasse…
Ah, então ele já havia sido mencionado. Aquela era uma informação preciosa e divertida.
— O lorde Wellesley? Mas, mamãe, me parece tão… como posso dizer… rígido?
Minha mãe me lançou um olhar severo, recusando-se a rir de minha piada, embora eu visse um leve tremor em seus lábios.
— Um cavalheiro rígido é o que você precisa, Lilian. Alguém que a ensine a agir como uma dama.
— Ora, mas que ideal encantador! — Exclamei, quase rindo — Imagine, um cavalheiro severo e eu, aos seus pés, acatando cada ordem e aprendendo os nobres modos de uma dama. Quase vejo a cena. Que pena que só me falta a inclinação.
Ela esfregou a testa, claramente perdendo a paciência.
— Lilian, já basta. Você é uma jovem de boa família, com responsabilidades que jamais poderá escapar. Não pode viver eternamente à sombra das convenções que deseja quebrar. Algum dia entenderá que as regras que tanto despreza são as que mantêm nossa posição intacta.
Havia uma sinceridade na voz dela, e, por um breve momento, enxerguei a preocupação verdadeira que havia ali, além do orgulho ou da necessidade de seguir normas. Ela, em sua forma tão rígida, desejava minha segurança, ainda que usasse as correntes sociais para isso.
— Mamãe, — respondi, suavizando o tom — Eu entendo o que deseja para mim, de verdade. Mas não posso prometer que serei o que a senhora tanto almeja. Aceite-me assim, como eu sou, sem pretensões de corrigir minhas peculiaridades.
Ela suspirou, finalmente soltando as mãos no colo.
— Só temo pelo seu futuro, Lilian. Este mundo não perdoa jovens como você. E, quando estiver sozinha, espero que não lamente ter escolhido caminhos tão… tortuosos.
— Ah, então isso sim é uma promessa que posso fazer — repliquei com um leve sorriso — Se eu escolher um caminho tortuoso, serei plenamente feliz nele. E talvez, algum dia, o lorde Wellesley entenda a sorte que teve em não ser o homem a quem eu submeteria minha irreverência.
Ela balançou a cabeça, claramente frustrada, e se levantou para sair.
— Só peço que pondere, Lilian. Antes que seja tarde demais.
Observei-a sair, e, por um instante, um peso tomou conta de meu coração. Eu entendia suas preocupações, mas não me cabia fingir ser algo que não era. E, mesmo se o lorde Wellesley representasse o que ela esperava para mim, algo me dizia que ele também não sairia ileso de um encontro com a verdadeira Lilian Ashford.
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O Lorde e a Dama Indomável
RomanceSinopse. No ano de 1875, nos salões resplandecentes e conservadores da sociedade londrina, uma figura peculiar causa burburinho entre a alta sociedade. Lilian Ashford, filha de um conde abastado, carrega o nome de sua família com elegância, mas dete...