O Lorde e a Dama Indomável

Um inesperado fascínio 🍂

"Quem tentar possuir uma flor, verá sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela. Você nunca será minha, e por isso terei você para sempre"
— Paulo Coelho

Oliver Wellesley

Não era comum que uma dama me deixasse com tanto em que pensar, mas ao caminhar de volta para casa após aquele encontro inusitado com a senhorita Lilian Ashford, percebi que ela conseguira exatamente isso. Jamais imaginei que encontraria alguém capaz de desafiar minhas percepções com tão pouca cerimônia, uma jovem que, em uma cidade de aparências bem ajustadas, se portava como se não devesse satisfações a ninguém. E que olhos, os dela... como se guardassem um mar profundo de tempestades e segredos, um tom de azul tão intenso quanto o meu.

Ainda lembro-me do jeito que ela se ergueu diante de mim, ereta e orgulhosa, com um sorriso que oscilava entre o desdém e a provocação. Ah, Lilian Ashford não era uma criatura comum; seu olhar parecia ver mais do que qualquer dama com quem já trocara palavras. Seus cabelos negros, soltos de uma maneira quase audaciosa, caíam-lhe pelos ombros como uma cortina da noite, contrastando com a palidez da pele. Um rosto angelical, diria, se não fosse pela ousadia que nela habitava – uma dama moldada não apenas pela aparência, mas por uma chama que recusava qualquer tentativa de contenção.

— Senhorita Ashford — murmurei para mim mesmo, ruminando o nome, como se ele contivesse algo que ainda não compreendia.

Pensei na curva de seus lábios quando ela me desafiara com suas palavras cortantes, numa ironia tão audaciosa que, confesso, teria ofendido meu orgulho se não houvesse nela tal inteligência. Não, eu não era tolo para me ofender; ela era um mistério que me intrigava mais do que me contrariava.

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Ao chegar ao meu gabinete, sentei-me em minha poltrona de couro escuro, puxando um copo de uísque para acompanhar meus pensamentos. Sabia que meu pai desaprovaria cada atitude daquela mulher; ele, com sua devoção irrestrita às normas e tradições da nobreza, desprezaria qualquer dama que ousasse comportar-se de maneira tão… autêntica. Autêntica, sim, pois Lilian parecia uma alma que jamais conheceria o peso das máscaras e das convenções, uma dama que preferia a verdade crua ao invés das meias-palavras.

Mas que loucura era essa que se insinuava em mim? Eu, Oliver Wellesley, lorde por direito e por dever, deixava-me levar por um fascínio absurdo por uma jovem que, claramente, considerava meu mundo com indiferença e escárnio.

— Que enigma vosso coração me propõe, senhorita Ashford? — murmurei para mim, olhando para a taça como se ela pudesse oferecer respostas.

Ah, mas era impossível ignorar o fato: Lilian Ashford era, sem dúvida, uma das mulheres mais belas que já vi. Seus traços, ao mesmo tempo finos e altivos, tinham uma firmeza incomum, uma força que as damas de minha classe geralmente escondiam sob sorrisos discretos e olhares abaixados. Ela, ao contrário, olhava-me com os olhos levantados, destemidos, desafiando-me a lhe mostrar algo que ela ainda não tivesse visto.

— Então é isso,— murmurei, mais para mim mesmo — Não sou um mero passatempo para ela. Sou… um desafio.

Sorri ao pensar nisso, um sorriso cheio de admiração involuntária. Naquela cidade repleta de pretensão, com suas damas cobertas de adornos e perfumes, Lilian era um sopro de ar fresco – um vento indomável que soprava sem rumo e, talvez por isso, ainda mais atraente. Em seu olhar vi uma liberdade que, ironicamente, em minha posição, jamais me fora permitida. E, mais ainda, vi uma paixão pelo mundo e pela verdade que desafia todas as convenções.

Ah, mas Oliver, por que deixar-se envolver por um mistério que promete mais complicação do que qualquer dama já lhe ofereceu? Questionei-me, sabendo que não era o mais sábio dos caminhos. A senhorita Ashford era tão ousada que poderia me expor ao ridículo em meio à sociedade se eu lhe oferecesse uma fração de atenção a mais. Entretanto, seria possível que ela já tivesse conquistado o primeiro ato desse teatro?

Tomei um gole de uísque, refletindo sobre o risco. Sabia que, para minha própria sanidade, deveria ignorá-la e continuar minha vida entre os círculos seguros que Londres oferecia. Mas, toda vez que fechava os olhos, a imagem dela surgia. Seu perfil altivo, o modo como inclinava a cabeça ao falar, sua expressão que era um misto de audácia e sarcasmo.

— O que é este feitiço que a senhorita me lançou, Lilian? — repeti, e quase pude ouvir o riso discreto que ela soltara antes de me deixar na rua, como se tivesse plena consciência do efeito que causara.

Era mais do que curiosidade. E se houvesse algo mais profundo em mim, uma parte que nunca permiti explorar, talvez estivesse apenas esperando que alguém como Lilian surgisse para perturbá-la. Havia em mim o impulso de romper o verniz da respeitabilidade, de deixar-me ser quem talvez nunca admitira ser. E, embora minha criação fosse um obstáculo, havia algo mais poderoso que o reprimia – o desejo.

Encarei a noite pela janela, o brilho da lua destacando a cidade adormecida. Sentia, em algum recanto da alma, que nosso encontro não fora mera coincidência. Que eu, afinal, precisava dessa colisão entre mundos, entre um coração que buscava a ordem e outro que ansiava pela liberdade.

E se houvesse algo que pudesse aprender com ela? Algo que, em toda minha vida de disciplina e controle, jamais conhecera? Era insensato, tolo, e, ainda assim, a ideia me atraía mais do que qualquer evento social, mais do que qualquer título.

A senhorita Ashford poderia ser uma distração perigosa. Contudo, ao lembrar do azul intenso de seus olhos e dos cabelos negros que pareciam um fragmento da própria noite, sabia que resistir seria impossível.

— Talvez, minha cara Lilian — murmurei para mim mesmo — O destino nos tenha trazido a este momento para que ambos descubramos algo novo. Que desafio é este que me propõe? Isso, apenas o tempo dirá.