"Admiro a força que você carrega, o brilho nos seus olhos e a sua bondade. Tirei a sorte grande ao te encontrar!"
— DesconhecidoOliver Wellesley
Eu estava em meu gabinete, absorto na leitura dos documentos sobre as novas propriedades que meu advogado insistia em fazer-me revisar. Mal havia terminado o primeiro parágrafo quando o mordomo anunciou, de forma inesperada e ligeiramente apreensiva, a chegada do senhor Ashford.
— Senhor Ashford, aqui? — questionei, sem disfarçar o espanto.
Não era um homem de visitas frequentes, e tampouco alguém que eu esperava ver naquela manhã.
Com um leve assentir, o mordomo confirmou, e eu imediatamente deixei os papéis de lado, ajustando a postura para recebê-lo. Não sabia o que esperar de tal visita, mas algo em minha intuição dizia que se tratava de um assunto sério. O senhor Ashford não era um homem de rodeios, nem de palavras vazias; qualquer conversa que ele iniciasse seria conduzida com o peso e a gravidade de sua personalidade.
Quando ele adentrou o gabinete, trajando um casaco escuro, elegantemente abotoado, e o semblante levemente severo, eu me levantei para cumprimentá-lo. Ele retribuiu com um aceno breve, como se não quisesse perder tempo com formalidades.
— Lorde Wellesley, — começou ele, a voz ressoando pela sala com uma autoridade silenciosa — Espero não estar interrompendo nenhum compromisso de grande urgência.
— De forma alguma, senhor Ashford,— respondi, indicando a cadeira em frente à minha mesa para que se sentasse — É um prazer recebê-lo. Posso oferecer-lhe algo? Um conhaque, talvez?
— Agradeço, mas prefiro ir direto ao que me trouxe aqui — disse ele, com um tom que não deixava margem para recusas.
Aquilo, naturalmente, apenas aguçou minha curiosidade. Sentei-me também, preparando-me para o que viria. Por um breve instante, ele olhou pela janela, como que ponderando as palavras. Então, após uma pausa calculada, voltou-se para mim.
— Imagino que já esteja familiarizado com minha filha, Lilian —disse ele, mantendo a voz baixa, mas firme — E suponho que o senhor tenha percebido que ela… como posso dizer? Não se alinha exatamente às normas de comportamento esperadas para uma jovem de sua posição.
Eu quase esbocei um sorriso. Sim, Lilian Ashford era tudo, menos previsível. Lembrava-me com clareza de seu semblante desafiador, da forma como suas palavras saíam sem o menor filtro, sua audácia a tal ponto que um cavalheiro menos experiente poderia até se ofender. Mas para mim, confesso, era um frescor bem-vindo entre os padrões rígidos da sociedade.
— Sim, senhor Ashford. Confesso que sua filha tem uma… vivacidade incomum — respondi, cuidadoso com a escolha de palavras.
Ele assentiu lentamente, os olhos estreitos como se tentasse decifrar minha reação.
— Vivacidade, de fato. E é precisamente sobre isso que vim conversar — ele começou, apoiando uma das mãos sobre a bengala — Lorde Wellesley, sou um homem realista. Entendo que minha filha pode ser vista como… uma jovem difícil de controlar. Mas ainda assim, Lilian tem um lugar na sociedade e necessita de um… uma direção que, creio eu, um casamento poderia proporcionar.
A palavra finalizou sua frase com o peso de uma pedra lançada no lago calmo de minha vida.
— Um casamento? — repeti, com uma leve sobrancelha erguida — Posso entender onde deseja chegar, mas não estou certo de compreender o motivo de ter me procurado.
O senhor Ashford suspirou, uma expressão entre a resignação e a esperança iluminando seu semblante.
— Lilian precisa de alguém que possa ampará-la, que tenha a estrutura necessária para conduzi-la na vida. Alguém que compreenda seu espírito sem ser… arrastado por ele — ele explicou, escolhendo cada palavra com precisão — E, confesso, após nossas últimas conversas e seu encontro com ela, creio que o senhor, Lorde Wellesley, seja o único homem que poderia… suportar sua intensidade sem perder o próprio rumo.
Eu considerei suas palavras, mais sério do que antes. O pensamento de um casamento, especialmente com uma dama como Lilian, era… desafiador, para dizer o mínimo. Sua intensidade, sua falta de reverência pelas normas, tudo aquilo que o senhor Ashford considerava um problema, para mim, revelava uma faísca rara e enigmática. Mas ainda assim, tratava-se de um casamento, um compromisso que eu jamais havia contemplado de forma tão repentina.
— E a própria Lilian sabe de sua intenção, senhor Ashford? — perguntei, ponderando o quanto disso era um plano paterno ou um desejo da jovem em questão.
— Ainda não — ele admitiu, um traço de preocupação surgiu em sua expressão — Conheço minha filha e sei que a ideia de um casamento arranjado a faria resistir com todas as forças. Mas acredito que, ao lado do homem certo, ela poderia, com o tempo, ver os benefícios de um lar estável e seguro.
E lá estava o dilema. Aceitar sua proposta significaria entrar em um campo de batalha. Eu estaria me comprometendo não apenas com um casamento, mas com uma jovem que, mais que tudo, prezava por sua liberdade.
— Confesso, senhor Ashford, que sua proposta me surpreende — disse eu, mantendo o tom diplomático — Mas vejo em Lilian algo que poucos, talvez, compreendam. E compreendo também os desafios de lidar com um espírito como o dela.
Ele assentiu seus olhos encontrando os meus com certa expectativa.
— Tudo que peço, Lorde Wellesley, é que considere a possibilidade. Minha filha precisa de alguém que a guie, e penso que o senhor seria o mais indicado para essa… missão.
A palavra soou como se eu estivesse prestes a embarcar em uma jornada para domar um furacão. Eu não tinha ilusões de que seria fácil, muito menos confortável. Mas havia algo naquela proposta que, admito, me intrigava. Lilian era um mistério, um enigma, uma força que poucos homens se atreveriam a enfrentar. Talvez fosse isso, o risco e o desafio, que despertassem em mim uma hesitação que poderia facilmente transformar-se em atração.
— Senhor Ashford, vou refletir sobre sua proposta com toda a seriedade — respondi finalmente, meu tom medido — E, caso aceite, o farei sabendo que não será um caminho tranquilo. Mas talvez seja isso que torne tudo… mais interessante.
Ele assentiu uma última vez, como se aquele fosse o desfecho esperado.
— Agradeço, lorde Wellesley. Estou certo de que encontrará a decisão certa.
Observando-o sair, pensei em Lilian. Aquela moça com olhos de tempestade e palavras afiadas estava prestes a se tornar o centro de uma proposta que, em todos os aspectos, ameaçava desestruturar o conforto de minha rotina. E, pela primeira vez em muito tempo, senti que talvez, apenas talvez, estivesse preparado para arriscar-me.
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O Lorde e a Dama Indomável
Roman d'amourSinopse. No ano de 1875, nos salões resplandecentes e conservadores da sociedade londrina, uma figura peculiar causa burburinho entre a alta sociedade. Lilian Ashford, filha de um conde abastado, carrega o nome de sua família com elegância, mas dete...