"O amor só é lindo quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser"
— DesconhecidoLilian Ashford
Eu estava de pé no salão, cercada por um desfile de rostos conhecidos, e ainda assim, sentia-me deslocada. A casa do Lorde Wellesley exalava uma elegância austera que pouco combinava com meu espírito. Com o mármore reluzente sob nossos pés e candelabros de cristal pendendo do teto, tudo parecia cuidadosamente planejado para impressionar. Tive a impressão de que até mesmo os criados eram escolhidos a dedo para se harmonizarem com o esplendor daquela mansão. Era, afinal, uma verdadeira fortaleza de pompa e ostentação.
E então, lá estava ele: Oliver Wellesley. Alto, impecavelmente trajado em seu casaco negro de corte perfeito, parecia, à primeira vista, o perfeito cavalheiro de nosso estimado círculo. No entanto, ao recordar nosso último encontro, em que seu olhar dançava entre surpresa e hesitação ao ouvir minha opinião sobre as regras que nos sufocavam, não consegui evitar um sorriso. Oliver Wellesley, afinal, não era um homem qualquer.
— Espero que não esteja entediada, senhorita Ashford — sua voz soou, com aquele tom grave e elegante que era tão seu.
— Entediada? Em uma mansão como esta? — brinquei, com um sorriso carregado de sarcasmo — Por favor, Lorde Wellesley, o que seria de mim sem essas noites repletas de discursos sobre a moralidade e as obrigações da sociedade?
Ele riu, embora de forma contida, como se eu tivesse sussurrado um segredo embaraçoso que só nós dois entendíamos.
— Receio que muitos aqui não compartilhem de seu ponto de vista, senhorita — respondeu ele, com um olhar cauteloso, porém afetuoso — Mas estou certo de que essa… perspectiva peculiar seja o que torna suas companhias tão interessantes.
Senti-me um tanto desconcertada com o elogio inesperado, mas antes que pudesse responder, meu pai interrompeu, convidando-nos a seguir para a sala de jantar. O salão era magnífico, com uma mesa longa onde cada detalhe parecia meticulosamente arranjado, desde os pratos de porcelana até as taças de cristal. Oliver fez um gesto cortês, me indicando o assento ao seu lado. Eu me sentei, lançando-lhe um olhar de desafio.
Enquanto todos se acomodavam, comecei a perceber o que era óbvio para qualquer um: este não era um mero jantar de formalidades. Havia algo nos olhares trocados entre meu pai e Oliver, algo no semblante tenso e vagamente enigmático de nosso anfitrião. Não pude evitar um calafrio de antecipação.
— É uma honra tê-los em minha residência esta noite — iniciou Oliver, enquanto os criados começavam a servir os pratos. Sua voz tinha um tom contido, como se ele estivesse pesando cada palavra antes de liberá-la.
Eu me inclinei em sua direção, reduzindo o tom de voz para que apenas ele pudesse ouvir.
— Algum segredo que gostaria de compartilhar conosco, Lorde Wellesley? O que esconde com tanto mistério?
Ele fitou-me com um meio sorriso, mas havia uma sombra de receio em seu olhar.
— Não tenha pressa, senhorita Ashford — respondeu ele, a voz baixa, quase um sussurro — Tudo será revelado no tempo certo.
A resposta apenas aguçou minha curiosidade, mas limitei-me a sorrir e a esperar, enquanto as conversas formais prosseguiam ao redor da mesa. Após a entrada e o primeiro prato, Oliver pigarreou, chamando a atenção de todos. O salão, antes preenchido com o murmúrio das vozes, agora estava envolto em um silêncio expectante.
— Senhor Ashford — começou ele, com um olhar direto e uma expressão resoluta — Permita-me compartilhar com vossa família e a senhorita Ashford, em especial, uma proposta que tenho considerado com grande seriedade.
Meu pai ergueu uma sobrancelha, com um brilho de satisfação no olhar, como se já soubesse o que estava por vir. Eu, por outro lado, senti um calor subir ao rosto, misto de surpresa e indignação. Oliver, em seguida, voltou-se para mim, com aquele olhar decidido, ainda que vacilante, e continuou.
— Senhorita Lilian Ashford — ele me dirigiu a palavra com uma solenidade quase teatral — depois de cuidadosa reflexão e observação, cheguei à conclusão de que seria uma honra imensurável ter a vossa mão em casamento.
Por um instante, fiquei em silêncio, boquiaberta. Era isso, então, o motivo daquele jantar? Uma proposta? De todos os cenários que eu pudesse imaginar, nenhum deles incluía o fato de eu ser cortejada por um lorde, especialmente um que parecia tão meticuloso e sereno quanto ele. Minhas primeiras palavras foram mais um reflexo de meu espanto do que uma resposta ponderada.
— Um casamento? Oh, lorde Wellesley, que surpresa… ouso dizer, um tanto imprudente — comecei, tentando conter o riso — Tem certeza de que conhece o que está propondo?
Ele endireitou-se, e vi uma pontada de insegurança cruzar seu rosto, ainda que mantivesse a postura firme.
— Não faço tal proposta de ânimo leve, senhorita — respondeu ele, com seriedade — Eu compreendo que talvez… não sejamos o par mais convencional. Mas acredito que, juntos, poderíamos equilibrar nossas… diferenças.
Eu o observei, tentando decifrar o que estava realmente por trás daquela proposta.
— Ah, então, em outras palavras, acredita que sou a dama que precisa ser ‘equilibrada’ por um lorde. E que, por algum capricho dos céus, eu lhe ofereça o desafio de… me consertar?
Ele piscou, claramente surpreso pelo meu tom desafiador, e hesitou antes de responder.
— Não, senhorita. Acredito que minha intenção foi mal compreendida. Não estou propondo consertá-la… de maneira alguma. Na verdade, creio que és perfeita como és, — disse ele, com uma convicção inesperada.
Essas palavras me pegaram desprevenida. Eu estava pronta para rebater, para contradizer, mas sua expressão, tão resoluta e genuína, desarmou-me por completo. Não podia negar a sinceridade nos olhos de Oliver, tampouco a franqueza com que se apresentava.
— Então, lorde Wellesley, — repliquei, tentando manter meu tom leve. — Suponhamos que aceite esta… proposta, por pura curiosidade, claro. Como pretende lidar com uma mulher que, segundo tantos, tem um espírito um tanto… indomável?
Um lampejo de humor surgiu no olhar dele.
— Senhorita, penso que nenhum espírito, por mais livre que seja, é indomável quando se trata do amor, — ele respondeu, com um leve sorriso — E, confesso, não tenho pretensão de conter vossa liberdade. Somente gostaria de ser parte dela.
As palavras causaram um frio em meu estômago, uma sensação que eu não experimentava há muito tempo. O simples fato de ouvir um homem afirmar, sem hesitação, que não tentaria me moldar ou restringir, mas sim ser parte do que sou, fez-me hesitar. Oliver Wellesley era, de fato, um enigma que eu ainda não sabia como desvendar.
— Muito bem, lorde Wellesley — disse eu, erguendo a taça e encontrando seu olhar — Talvez um acordo seja, afinal, uma ideia interessante. Mas não espere obediência cega, tampouco uma vida sem desafios. Aviso-lhe desde já que a senhorita Ashford nunca se curvará completamente, mesmo ao mais nobre dos lordes.
Ele ergueu sua taça, em um brinde, com um sorriso satisfeito.
— Não esperaria nada menos de vós, senhorita.
Aquela noite, enquanto continuávamos o jantar, percebi que, sem que eu soubesse, Oliver havia conseguido romper uma barreira que nenhum outro homem ousara tocar. A ideia de um casamento ainda era, para mim, um conceito que feria minha liberdade, mas naquele instante… não me pareceu uma prisão. Talvez, quem sabe, pudesse até ser um novo território a ser explorado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Lorde e a Dama Indomável
RomanceSinopse. No ano de 1875, nos salões resplandecentes e conservadores da sociedade londrina, uma figura peculiar causa burburinho entre a alta sociedade. Lilian Ashford, filha de um conde abastado, carrega o nome de sua família com elegância, mas dete...