Depois Do Fim. | LIVRO 2 - SEQUÊNCIA ANTES QUE ACABE.

holding on and letting go

Ella

A luz filtrava-se pela persiana torta da janela da cozinha, marcando linhas esbranquiçadas no chão de madeira desgastado. Um cheiro vago de café velho ainda pairava no ar, apesar de eu ter lavado a cafeteira na noite anterior.

Meu celular vibrou sobre a mesa, interrompendo meus pensamentos dispersos. Olhei para a tela com certo receio, segurando a xícara com ambas as mãos.

Dennis Kahil.

Minha respiração vacilou por um instante. Havia enviado o e-mail ontem, depois de reescrever, apagar, refazer e, finalmente, criar coragem. Agora ele estava ali, com um "Re: Sobre suas dúvidas" no assunto.

Os dedos tremeram ao tocar a tela. A mensagem se abriu devagar, como se o tempo estivesse brincando comigo.

"Ella,

Fiquei muito impressionado com seu interesse e os projetos que mencionou no e-mail. Acompanhei o trabalho do time da faculdade no ano passado e gostei bastante da abordagem. Que tal conversarmos na semana que vem? Tenho algumas ideias para te passar.

Abraços,
Dennis Kahil."

Deixei o celular de lado, sentindo um misto de alívio e euforia, mas minha mente rapidamente trouxe à tona o conhecido peso da realidade. Um estágio. Um bebê. Eu mal conseguia coordenar os turnos da rádio e da lanchonete; como esperava lidar com algo assim?

Passei a mão pelo rosto, tentando afastar os pensamentos.

— Um dia de cada vez, Ella. — Murmurei para mim mesma, como se as palavras pudessem fixar algo dentro de mim.

++

O silêncio da biblioteca era quase terapêutico. Mesmo com os sons leves de passos no carpete, páginas sendo viradas e teclas de laptops sendo pressionadas, havia uma calmaria ali que o mundo fora daqueles muros não oferecia. Sentada em uma mesa no canto, afastada das janelas para evitar distrações, eu estava cercada por pilhas de livros. Cada um aberto em uma página diferente, enquanto meu caderno estava cheio de anotações rabiscadas e parágrafos incompletos.

As luzes fluorescentes acima criavam uma atmosfera fria, mas reconfortante. Eu já estava ali há horas. Tempo suficiente para o café que peguei no térreo ter esfriado completamente e para as palavras nos textos começarem a embaralhar na minha mente.

Suspirei e fechei o caderno, encostando as costas na cadeira. Minha barriga já não me deixava sentar tão reta por muito tempo. Olhei ao redor, reparando nas outras poucas pessoas que ainda estavam na biblioteca. Um garoto, talvez do primeiro ano, lia avidamente com fones de ouvido enormes. Do outro lado, uma garota digitava tão rápido que parecia estar correndo contra o tempo.

"Será que eles sentem que têm todo o tempo do mundo?", pensei, olhando para a tela do meu laptop. Eu não conseguia mais pensar assim. Com o bebê a caminho, meu mundo parecia estar em uma contagem regressiva constante, e eu não tinha ideia de como seria o fim dela.

Resolvi arrumar minhas coisas. Fechei os livros e empilhei-os cuidadosamente antes de devolvê-los às estantes. Meu caderno foi para a mochila, e o laptop ficou pendurado em uma capa protetora presa ao ombro. Antes de sair, olhei pela última vez para a mesa. A impressão era de que eu estava deixando algo inacabado, mas a verdade era que eu precisava de um intervalo.

Ao sair da biblioteca, o vento frio de Hanover me acertou em cheio. O campus estava quieto naquele horário. Os prédios de tijolos antigos eram iluminados por lâmpadas amarelas que criavam sombras longas e misteriosas. Respirei fundo, o ar gelado preenchendo meus pulmões, enquanto ajeitava o cachecol ao redor do pescoço.