Capítulo Quinto

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Setembro de 1807 -

Bordeaux, França – Yvone

– Onde esteve ontem? – inquiriu papai logo no café da manhã. Eu ainda estava aérea, tendo dormido pouco e sonhado com Léon. Ele me pedindo em casamento. – Desapareceu durante toda a tarde e voltou para casa com cara de quem havia visto uma fada.

– Eu... Eu estava...

– Com Léon? – Seu tom era ácido. Coloca a faca ao lado do prato apoia os cotovelos na mesa, inclinando para frente e me observando como se em qualquer segundo fosse pular para me atacar. – Sabe muito bem que não apoio esses encontros com ele – esbravejou. – Isso não é certo!

Suspiro e retruco em voz baixa:

– Bem, os romanos também não apoiavam Jesus Cristo, não é?

– O que disse?

– Nada. – E o primeiro alimento que minha mão atingiu levei à boca, disfarçando o máximo que conseguia. Ele semicerra os olhos e me encara até eu engolir o que defini pelo gosto como um pedaço de pão. – Que genro lhe faria feliz, papai?

A pergunta saiu como se houvesse mastigado grãos de café ao invés, amarga como nada que já havia experimentado. Ele levanta a cabeça e estufa o peito. "Mau sinal...", pensei.

– Remy Leroy. Filho do duque Leroy.

Involuntariamente arregalei os olhos e me engasguei com saliva.

Remy Leroy, o magricelo que parecia ter arrancado os cabelos da cabeça e colado no peito. Tinha uma testa larga, olhos esbugalhados, uma cara de fuinha e mãos que suavam tanto que se segurasse uma semente esta brotava. Tímido como ninguém, inteligente até. Era o único ponto positivo... Oh, não, também era educado e gentil, mas isso Léon também era. E Remy jamais sequer me dera devida atenção.

O que Remy possuía e Léon não, comparativamente, eram as terras. Grandes terras e muito, mas muito ouro que herdaria de seu pai. E era isso que papai visava. Não para ele, é claro, mas para mim. Jamais teria problemas na vida ao lado de Remy, mas... Soava-me tão ruim.

Ri com um pouco de histeria.

– Está falando sério? – Ele me encarou com uma sobrancelha erguida, intensificando as rugas da testa. – Papai, eu amo Léon.

"Ama"? Você o conhece a pouco mais de um mês!

– Não me impedirá de vê-lo – afirmo, tentando não tremer a voz. Temi a reação que ele teria. Apenas se ergueu da cadeira, com a maior paciência do mundo, colocou o guardanapo de pano na mesa e me disse:

– Se o vir de novo me forçará a tomar medidas um tanto drásticas. Não abuse.


"Oh, Deus, e agora?"

San Sebastián, Espanha – Enrique

– Qual é o seu problema?

Vera entrava pela porta do mercado naquela manhã. Honestamente, eu estava longe de entendê-la. Na noite anterior me largara falando sozinho e agora aparecia mais cedo e com a cesta de lanche. Aquela era, de fato, um ponto de interrogação em minha vida.

– Meu problema – começa ela ao chegar ao balcão – é o modo como você invade a minha privacidade.

– Você invade a minha tanto quanto.

– Mas eu sou uma mulher.

– E eu sou um homem. Não é você quem deseja ter direitos iguais para ambos?

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