Capítulo Décimo Quarto

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Outubrode 1807 -

San Sebastián, Espanha – Yvone

A última quinzena do mês de Setembro esvaiu-se e deixou-nos Outubro. A entrada do outono apaziguou aos poucos o calor do sol que insistia em descer impiedoso no verão e o clima ficou mais ameno, com brisas suaves e o alaranjado das folhas que aos poucos iam caindo.

Enrique continuou a me ensinar espanhol e agora que a primeira metade do próprio mês de Outubro se fora eu e ele nos comunicávamos com mais facilidade. Obviamente que não conseguia falar com fluência e quase sempre me pegava enfiando uma palavra francesa no meio de uma frase ou esquecendo o nome das coisas. Esse segundo problema sempre tomava bons tempos de mímica ou procura – tanto em minha cabeça quanto no ambiente – para explicá-lo do que estava falando.

Vera parou de nos acompanhar logo no começo do novo mês. Sua paciência para lecionar era mínima e quando ajudava o rapaz acabava distraída e perdia o foco mais vezes do que eu.

Mais vezes do que eu quando o encarava.

Meu fascínio por Enrique não diminuíra em nada conforme o tempo passou. Na verdade, agora que podia o compreender, parecia que uma janela havia se aberto para iluminar meu quarto escuro e poeirento. Seu sorriso parecia a cada dia mais brilhante e chamativo. Às vezes as pessoas ao redor nos observavam como se desconfiassem de algo que acontecia por dentro da carcaça que nos recobria. Desconfiassem de algo que eu não havia confessado jamais.

– Eu pensei em fazer algo diferente por hoje – começou ele assim que caiu sentado numa poltrona. Eu ergui as sobrancelhas com expectativa. – O sol decidiu dar as caras, pensei em darmos uma volta pela cidade.

Aquela atitude me animou. Desde que chegara, foram poucas as vezes que sai da casa. A maioria delas apenas acompanhando papai até as docas e jamais saia da carruagem quando lá chegávamos.

– O que acha?

– Eu adoraria – respondi de imediato. – Mas e Vera?

– Irá conosco, mas passará o dia no orfanato.

Sorrio e concordo. Nem sequer imaginava onde ele pretendia me levar, mas qualquer lugar seria melhor do que ali. Esperamos um tempo até Vera aparecer arrumada, então saímos do casarão e fomos até a cidade numa carruagem confortável que trepidava conforme as pequenas pedras do caminho eram deixadas para trás.

A estrada de terra batida passou e se transformou em paralelepípedos até chegarmos ao centro da cidade, onde a basílica de Santa María del Coro se erguia, imponente. Vera desceu da carruagem numa despedida formal e Enrique e eu prosseguimos viagem.

– Há praia em Bordeaux? – perguntou-me ele em tom curioso.

– Não – respondi desanimada. – Nunca foi à França?

– Infelizmente, devo dizer.

– Quem sabe um dia não pode nos visitar? Minha família e eu o receberíamos de braços abertos.

Ele sorriu e corou um pouco. Achei aquilo encantador de uma forma simples.

– Quem sabe após o casamento Vera e eu não a visitamos.

Aquela lembrança me tirou todo o ânimo e apagou mais da metade do meu sorriso. Eu sentia que ele tentava se aproximar de mim ao mesmo tempo em que parecia se afastar. Era confuso. Enrique colocou a cabeça para fora da janela e gritou para o cocheiro:

– Pare aqui, por favor!

– Onde estamos? – indaguei. Ele riu baixo.

– Por que ouvir se pode ver? Vamos.

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