Capítulo Segundo

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Agosto de 1807 -

Bordeaux, França - Yvone

Uma semana havia se passado desde que eu conhecera monsieur Chevalier na festa de mamãe. Agora encarava pelo espelho minhas tias me arrumando para o reencontro com ele. Uma fazia tranças, outra passava maquiagem, a terceira perfume e a quarta só não estava me enfiando no vestido porque eu jazia ainda sentada. A quinta e sexta apenas andavam de um lado para o outro como se aquilo fosse ajudar em algo. Em comum, as seis me falavam de apenas uma coisa: mistério!

Homens são brutos demais para não apreciarem um bom charme feminino. Aquela técnica seria arrebatadora e Léon cairia na palma das minhas mãos em dois estalos de dedo... Era o que elas diziam. O mais engraçado é que apenas uma era casada de fato.

- Cuidado - começou uma delas - para não perder a elegância.

"Isso não está implícito?", quis responder.

- Não o deixe tocar em partes... mais íntimas - disse outra, meio hesitante, tímida.

"Pelo amor de Deus, quem ela acha que eu sou?!", pensei chocada.

- E lembre-se: tenha...

- Mistério, eu sei, eu sei! - meio gritei, meio falei enquanto saia dentre as seis que me preparavam. Estava ouvindo aquela ladainha há mais de quarenta minutos. - Só me deixem respirar antes que coloquem aquele maldito espartilho que parece empurrar meus pulmões para as nádegas.

- Então também não o deixe tentar tocar seus pulmões! - disse a que aconselhara a não deixá-lo tocar nas partes íntimas. Eu a olhei, séria, pensando em rir, mas parei quando vi que ela não tentara fazer piada. - Estejam eles onde estiverem.

Virei os olhos com desinteresse e me sentei de novo na cadeira, deixando-as terminar aquele trabalho que parecia infinito. Eu iria me atrasar se aquilo demorasse muito, mas homens estão acostumados ao atraso feminino. Léon terá de se acostumar se quiser continuar me encontrando. Era assim com todas as damas da corte. Seria comigo.

Depois do cabelo arrumado, colocaram-me no abominável corpete e então dentro do vestido de armação. Peguei o leque para me abanar. Estava um calor infernal naquele verão em particular e minhas costas suavam por baixo do tecido.

- A carruagem lhe espera, senhorita Deveux - declamou um empregado da casa que acabara de adentrar o quarto. Sorri e o mais rápido que pude abandonei as tias solteironas. Cortei o caminho exposto ao sol entre a porta de casa e a carruagem e me joguei para dentro antes que alguma delas pudesse me alcançar e dar mais conselhos.

O cocheiro não demorou me levar para a praça central da cidade, onde costumavam acontecer as feiras populares e, em não tão raros casos, execuções legais. Havia uma espécie de açude onde várias vezes passei tardes com mamãe sentadas na grama, lendo ou conversando. Identifiquei pela janela o lugar onde o monsieur Chevalier estava me esperando, como antes, muito galante em suas vestes que pareciam combinar tão bem que o tornava uma peça excêntrica no ambiente - como, não sei, um pavão no meio de um galinheiro, talvez. Facilmente notável, apesar da comparação esdrúxula.

E não apenas para mim.

Outras donzelas passavam por perto e praticamente se jogavam para cima dele. Aquilo me despertou sentimentos que desconhecia até então. Enrubesci, não de vergonha, mas de raiva, talvez. O veículo parou e Léon veio abrir a porta e ofereceu a mão para me ajudar a descer. Não que precisasse me equilibrar, mas não ia negar o toque. Precisava mesmo é conquistá-lo. Precisava.

- Bom dia mademoiselle Deveux.

- Bom dia monsieur Chevalier. - Comecei a andar para um lado qualquer, engolindo a raiva repentina para manter a pose e me concentrar nele. Léon me seguiu em silêncio. Chegamos até mais próximo do açude e caminhamos pela grama um tanto amarelada pelo tempo seco. Aquele vestido estava quente, quente como um dos círculos do inferno. Creio que o Diabo use um desses, inclusive. - Adoro este lugar. Acho lindo quando a luz do sol bate na água. Gosto ainda mais com uma boa companhia.

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