Um pouco mais além.

64 8 10
                                    

          Eduardo estava em um lugar escuro. A escuridão era tão intensa que não era possível enxergar um palmo a frente do nariz, por um instante ele pensou que poderia tocar a escuridão se estendesse as mãos e que se o fizesse, sentiria algo sólido entre seus dedos. Ao fundo ouvia risos de crianças que se misturavam, altas rizadas podiam ser ouvidas. Aos poucos um dos sons se intensificou e todos os outros desapareceram, ficando apenas esse. Perfeitamente audível e desconfortante.

          Alguém segurou Eduardo pela mão. Ele sentia que era uma mão pequena e de toque suave. O toque em suas mãos o fez virar o rosto na mesma direção que o sentia. A seu lado, segurando em sua mão estava novamente à garotinha que o perseguia em seus sonhos há alguns anos. Mesmo o lugar estando escuro ele podia vê-la. Havia um brilho ao redor dela. Em seu rosto estava um lindo sorriso e em seus olhos o mesmo brilho que tanto o confortava sempre que o via. O sorriso dela começou a desaparecer e seu rosto passou a ganhar uma forma tensa e de pavor – Venha comigo, depressa! – Ela o puxou pela mão e ele a seguiu.

          Eduardo estava agora em um campo verde e florido. As flores eram de várias cores e espécies. No campo, viam-se Tulipas, rosas, jasmins e inúmeras outras espécies que ele não conhecia, porem, nem por isso perdiam sua beleza. Arvores de Ipês Floridos completavam a paisagem, criando um cercado natural de ambos os lados e que pareciam se estender ao infinito. Uma brisa suave o toca na pele, trazendo consigo uma sensação agradável de paz e calma. A garotinha não está mais ali. Ele está novamente só, a sentir o vento que sopra. Uma paz interior passa a dominá-lo. Uma sensação de aconchego e de tranquilidade que há muito ele não sentia. Seus pensamentos estão lentos, ele pela primeira vez em anos não quer pensar, não quer viajar ou navegar nos mares de seus devaneios. Ali ele sente-se em casa, ali ele sente-se em paz, protegido e seguro. Ali é o lugar que sempre quis estar. O lugar que sempre sonhou. Um dos poucos pensamentos que aceitava que viesse a sua mente era o de que nada poderia tirar aquela paz interior.

          O tempo começa a mudar, o veto se torna frio e ao tocá-lo o faz estremecer. Uma sensação gélida percorre sua espinha. Seu corpo estremece mais uma vez, porem, com maior intensidade. Um frio intenso o domina e seu peito começa a doer. Ao fundo ouvem-se sons de gritos. Uma voz trêmula e em desespero grita cada vez mais forte.

- Por favor, pare! Não faça isso. Por favor, não! Você não é assim. Pare com isso. Por favor, não! Assim você me machuca. Pare! Por favor. Vai mata-la. Por favor, não!

          À medida que ouve as vozes a sensação que sentia de paz e calma desaparece por completo. Uma angustia o domina. Um nó lhe vem à garganta. Um medo intensifica-se dentro dele. Tudo o que ele mais quer é chorar, embora não compreenda ao certo o porquê. Ele cai de joelhos ao chão. Seus olhos parecem que em breve explodirão enquanto lágrimas começam a escorrer de forma abundante. A dor em seu peito se intensifica. À medida que ouve os gritos sente cada vez mais dores. Sua pele dói pelo frio que o domina. A cada sopro do vento que o toca, sente como se garras arranhassem sua pele. Uma angustia quase mortal o domina. Ele cai por completo no chão em posição fetal. Sentindo imensas dores. Seu semblante está cada vez mais molhado pelas lágrimas. Em sua volta as flores que estavam tão belas começam a esmorecer e a morrer. Uma a uma. Em algum lugar ao fundo do campo a voz continua a gritar, cada vez de forma mais intensa.

- Victor, por favor, não! Pare Victor! Por favor, pare!

          Eduardo leva as mãos ao ouvido em uma tentativa frustrada de tapar o som. Sente seu peito inchar como se ele fosse inflar até explodir. A dor que sente e a sensação de inchaço o impulsionam a levar as mãos quase instintivamente ao tórax e pressiona-lo com o máximo de força que ainda lhe restava, como se impedisse um balão de encher-se. De repente, a garotinha está novamente ali. Em pé a sua frente. Em seus olhos ele continua a ver medo e desespero. Ela olha para ele. Ele sente vontade de protegê-la daquilo. Fosse o que fosse que estivesse acontecendo. Com dificuldades ele começa a levantar-se e então ela grita. Eduardo cai novamente ao chão. Levanta uma das mãos tremendo de dor e tenta acalma-la, porem ela grita ainda mais forte. A cada grito parece que seu peito e cabeça irão explodir.

          De sobressalto ele acorda em sua cama de hotel. Seu corpo está dolorido e seu peito doe. Ele está gelado e coberto de suor. Seus cabelos encharcados cobrem sua face. Senta-se na cama, percebe que os sonhos com aquela criança estão se tornando cada vez mais recorrentes e intensos. Pareciam querer dizer-lhe algo. O relógio marca três horas, é a mesma hora que ele acordou na ultima vez que sonhou com ela. Levanta-se e caminha até a cozinha. Bebe um pouco de água gelada e volta a deitar-se, tenta dormir porem, em vão. Recorda-se de uma garrafa de vinho Hermitage, que havia comprado mais cedo, outra vez se levanta, encontra a garrafa ainda embrulhada em cima de uma mesinha, toma duas taças e volta a deitar-se. Aos poucos sua mente vai se apagando e enfim adormece. Mas em seu subconsciente a pergunta permanecia gritando cada vez mais alta e com mais intensidade.

- "Quem é Victor?".

Efeito ÂngelaOnde histórias criam vida. Descubra agora