Capítulo 02

7.3K 485 82
                                    

Enquanto íamos para o novo lugar, pensava em como cheguei àquela situação. Era filho único e herdeiro de um grande império econômico. Meu pai era rico, se essa palavra fazia mesmo jus à sua fortuna não sei, talvez bilionário explicasse melhor. Toda a vida fui protegido, paparicado, mimado, controlado e infeliz.

Tudo que eu queria era ser normal; quando criança, queria poder brincar com os meninos na rua, meninos que só via pelo vidro blindado do carro; poder jogar bola naquele campinho de terra que via sempre que me levavam para a caríssima escola; frequentar uma escola normal, sem ver sempre dois seguranças na porta da sala e um atrás da minha cadeira; ter amigos que não tivessem sua vida e a de seus pais minuciosamente vasculhada, antes de serem permitidos frequentar nossa casa e, mesmo assim, sempre vigiados.

Nem o vestibular eu fiz como todo mundo, fiz as provas sozinho, em uma sala com dois seguranças na porta, e dois sentados ao meu lado. Na cara faculdade particular era assim, até quando ia ao banheiro, antes entravam os seguranças, esperavam que todos saíssem, e só então eu entrava.

Fazia dois cursos, um pela manhã e outro à tarde. Já estava quase formando, e sempre imaginei como seria urinar naquele mictório com outro carinha gostoso ao lado, dar uma espiada em seu pau, mas não, a tão terrível possibilidade de um sequestro sempre me afastou de tudo.

Se queria jogar bola, meia dúzia de guarda costas faziam um time e me deixavam ganhar. Se queria ir à praia, uma era fechada, e ficavam eu e mais outra meia dúzia de cachorros bravos, como eu os chamava. Ou me levavam para uma de nossas muitas casas e ficava lá com eles. Estava sempre sozinho, meu pai viajava pelo mundo todo, fechando negócios, e minha mãe estava sempre em alguma festa, ou organizando alguma coisa beneficente.

Quando queria um sanduíche, um cardápio do McDonald's me era oferecido, eu escolhia, e rapidamente o sanduíche chegava em minhas mãos, onde eu estivesse. Tinha tudo que pudesse sonhar em pedir. Para quem nunca viveu isso, parece mesmo fabuloso, mas depois de algum tempo, podem ter certeza, é um tédio sem fim.

Passei várias fases. Quando criança, achava divertido, gostava de ver como temiam meu pai, fecharam até um parque temático só para nós. Achei o máximo todos aqueles brinquedos só para mim, mas durou pouco, era tudo tão silencioso, tão impessoal. Nunca mais consegui voltar.

Vi pela televisão enorme do meu quarto uma peça infantil de teatro, e fiquei louco para ir. Pedi para minha mãe, e no dia seguinte foi feita uma seção especial. Nem acreditei quando vi aquele teatro vazio, e eu ali sozinho, acompanhando a peça. Acredito que o que eu queria mesmo era estar no meio daquela criançada, gritando, acompanhando a peça como vi na TV. Achei teatro uma merda.

Dos onze aos catorze ou quinze anos, virei rebelde, afrontando o mundo que me cercava. Arrumava alguma confusão só para ver os seguranças se enrolando para resolver. Quando resolvi que queria transar, acho que lá pelos dezesseis, cada sábado uma modelo linda era convidada a passar algumas horas comigo. Sempre protegido pela minha matilha pessoal.

Na faculdade, aquela proteção ostensiva me constrangia. Fui dispensando de todo trabalho em grupo; excepcionalmente, os meus eram individuais, quando isso era impossível, nós nos reuníamos na biblioteca, previamente esvaziada, e fazíamos o trabalho rodeado de seguranças.

Conseguem imaginar conversas animadas, paqueras, ou mesmo uma brincadeira mais caliente com uma matilha ao lado, rosnando, cada vez que alguém se aproximava? Podia imaginar trabalhos em grupo regados a sexo, e morria de inveja deles.

Meu pai fez uma doação considerável para a faculdade, e todos os professores se empenhavam em me ajudar quando, por ventura, faltava alguma aula ou tinha um trabalho para entregar se, por algum motivo, eu estivesse fora do país.

O Refém (livro gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora