Capítulo III

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Clovia

"Eu não vou á festa dos caloiros." disse Jade; tinha os dois pés bem acentes no chão e os braços cruzados sobre o peito. Uma pequena ruga permanecia, teimosa, entre as duas sobrancelhas loiras. Atirei a última peça de roupa no armário para o chão.
"Só tens camisas iguais!" resmungei, levantando os meus braços para o ar, pedindo uma qualquer intervenção divina. O relógio da mesinha cabeceira de Jade apitou: «Oh não, hora de estudar» Ignorei-o. "Vou emprestar-te a minha roupa."
Atei o meu cabelo num rabo de cavalo e vasculhei pelo armário enquanto Jade ficava ali, a mandar-me olhares com a sua ruga no meio da testa. Olhei para ela.
"Pára com isso!"
"Isso o quê?"
"Estás a fazer isso outra vez."
Jade tinha uma cara assimétrica e particularmente interessante, o nariz era demasiado fino e tinha a pele entre as sobrancelhas muito esticada; o que, por exemplo, tornava a existência daquela ruga quase impossível. Devia ter praticado o franzir do sobrolho vezes e vezes sem conta, pensando que talvez lhe desse um ar mais sério, mas na verdade ficava-lhe muito mal.
"Oh."
Atirei-lhe umas calsas chadrez.
"Veste-as"
Oh, não, outra vez a Jade reprovadora.
"O que foi?"
"Toda a gente vai reparar em mim com isto vestido."
"Toda a gente vai reparar nas calsas. É suposto as festas serem divertidas. Diverte-te."
"As festas são estúpidas."
"Tens mesmo a certeza de que queres ficar no dormitório?"
"Sim."
"Sabes, os rapazes mais velhos custumam verificar os dormitórios para se meterem com os caloiros."
"Entram lá dentro?!"
"Entram. E custuma estar muiiiiito bêbedos."
Oh, sim, era a Jade preocupada.
"A sério?"
"A sério."

Consegui arrancar Jade do dormitório com as minhas calsas chadrez antes das dez.
"Para quê a máquina?"
"Trabalho de investigação artístico."
Jade ohou para mim com os seus olhos azuis penetrantes, depois estendeu a mão com aquela expressão de já percebi que te esqueces sempre das coisas
"..."
"As chaves." disse.
"Oh."
Percorremos todo o espaço a que se resumia o nosso campus constituído por quatorze edifícos: oito dormitórios, duas capelas e as oficinas dos departamentos de línguas e filosofia. Do outro lado na universidade encontrava-se West Campus, onde a festa decorria á volta de uma grande fogueira; há meia-noite molhavam os caloiros com o sistema de regação diário, normalmene automático para as cinco da manhã, ao reprogramar o controlo.
Quando chegámos, Louis estava com os amigos do segundo ano. Lançou a palma da mão até á minha cabeça e bateu-me em cheio na testa, onde fiquei com uma marca vermelha.
"Olá"
"Otário." Lancei-lhe um olhar furioso por me tratar como uma criança á frente dos amigos mais velhos. No entanto Louis não chegou a reparar, já estava a olhar para Jade, todo sorrisos.
"Olá Jade."
"Olá."
E lá estava ela outra vez a franzir as sobrancelhas. Fiz uma nota mental para não me esquecer de lhe tirar uma fotografia mais tarde, para ver como ficava mal. Um amigo de Louis com um cabelontodo esquisito ofereceu-me uma bebida, que recusei delicadamente.
"Hoje não posso beber, vim aqui para trabalho."
"Estás a sério? Louis, ela está a sério?"
"É claro que não." replicou. "Ela está só a fingir."

"Preciso de ir á casa de banho. Jade vamos á casa de banho"
"Porque é que ela precisa de ir contigo?"
"Porque somos raparigas e as raparigas vão juntas á casa de banho."
"..."
"..."
"..."
"..."
"Porque é que estás a susurrar? Não te consigo ouvir."
"Preciso que fiques de vigia."
"Vigia?"
"Vamos, agora ninguém está a ver."
"Estes não são os nossos dormitórios."
"Claro que não."
"Espera, porque é que estás a tirar a máquina?"
"É só uma investigação, nada de mal. Completamente inofensivo, o Louis não se importa."
Jade suspirou, era a Jade suspirante.
"E se alguém aparecer?"
"Escondo-me, e tu corres."
"Clovia.."
Oh não, era a Jade indecisa.
"Se alguém aparecer corre. "
"..."
"..."
"Estou a ouvir vozes."
"O que é que fazemos?"
"Vou entrar. Tu vigia."
Liguei a máquina.
"..."
"..."
"Au."
"..."
"Jade já te disse para ires vigiar."
"..."
"Jade, estás a magoar-me."
"Não sou a Jade"
"Oh."

Zayn

A loirinha mexeu-se, tinha as duas patinhas no ar, muito pálida e patética. Tateei á procura do interruptor; quando o liguei baixei-me para encará-la de frente.
"Buu"
"Ahhhhh"
Fugiu como uma gatinha para um canto, observando-me de longe: Assanhada e pronta a arranhar.
"Quem és tu?" Perguntou.
"Quem és tu?"
"..."
"Está trancada."
"..."
"Está trancada, já disse."
"Como assim trancada?"
"Só é possível abrir por fora. A fechadura está estragada."
"Então porque é que está fechada?"
"Boa pergunta." Espetei-lhe o dedo em linha reta, mesmo em cima da cana do nariz. "Foi o teu nariz intrometido que fechou a porta"
Ignorou-me e começou a gritar pontualmente, fazendo pequenas pausas para descansar.
"Onde estamos?"
"Casa de banho" repliquei secamente. Agachei-me para espreitar pela fechadura.
"Casa de banho? Tipo, casa de banho dos rapazes?"
Fiz pressão sobre a porta.
"Suponho que tenhas vindo sozinha"
A rapariga de cabelo loiro levantou os olhos pensativamente, depois fez uma careta, como se tivesse magoado.
"Tinha Jade a vigiar, mas mandei-a correr se alguém aparecesse"
"Perfeito."
Deixei-me cair no chão, estava com umas terriveis dores de cabeça agora que os gritos tinham finalmente recomeçado.
"Hei! Estamos presos aqui!"
"Ninguém te vai ouvir"
A loirinha começou a entrar em pânico.
"O que é que estás a fazer?"
"Se vou passar aqui a noite, é melhor por-me confortável"


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