As Lágrimas da Morte: Parte 3

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O jovem príncipe acordou assustado, na calada noite fria e calma. Não está mais chovendo, pensou. Retirou os grossos cobertores de cima de si, virou-se na cama e levantou, calçou seus sapatos e começou a caminhar, lenta e suavemente para o lado de fora do lugar. Pegou dois grossos casacos e vestiu mais uma calça. Quando abriu os pesados panos que separavam o frio de fora da barraca com o calor de dentro dela, a luz do sol, quase escondido sobre a neblina, inundou completamente seus olhos. Como assim? Questionou-se, Como já pode ser dia? Não havia adormecido nem mesmo dez minutos. Olhou para um lado, depois para outro, percebeu que não havia nem um guarda e saiu de uma vez para fora da tenda.

O céu estava cinza e um nevoeiro começara a se aproximar do vale onde os guerreiros de Mirar sossegavam antes da guerra, vindo das montanhas que os separavam do acampamento do reino de Cura Tam. A grama nascera quase vermelha, as árvores da Floresta das Sombras estavam secas e mortas, assim como as do Bosque dos Deuses.

- Pai – falou o menino, mas não houve resposta. Virou-se para entrar novamente na barraca, mas ela já não estava lá.

Assustado, olhou para trás e viu que, agora, o campo onde antes havia aglomerados de barracas começara a pegar fogo. Sua respiração estava rápida, seu coração pulsava desesperadamente.  Que está acontecendo? Não sabia o que pensar, nem sabia se os deuses o ouviriam imaginar estas palavras. É um sonho. É claro que é um sonho! E era. O príncipe sabia distinguir o real do irreal, mas ainda duvidava de que esse pesadelo poderia mesmo estar acontecendo em sua mente fértil.

Começou a andar, finalmente, em direção contrária às das chamas. O clima começara a congelar, e o nevoeiro já o alcançara. Todo o lugar estava estranhamente bonito e assustador. Avistou um lago ao longe e muito abaixo de onde estava. Sem consciência do que deveria fazer, caminhou em direção a grande lagoa.

Enquanto caminhava, a grama vermelha quebrava sobre seus pés pequenos. Cruzou os braços para intensificar o calor e não deixa-lo sair de dentro de suas vestes.

Quando finalmente chegou, abaixou-se para tomar um gole da água. Assim que encostou suas mãos frias na água, sentiu-a quente. Quando a tomou, todo o seu corpo esquentou-se rapidamente e sentiu-se mais revigorado e forte. Levantou-se, e seguiu caminho após alguns instantes notando a vista.

- Socorro – sussurrou algo em seu ouvido, ele se virou, mas nada viu exceto a lagoa e uma pequena floresta numa ilhota.

Continuou andando, sem saber para quê. Só compreendia que andava em direção ao Bosque dos Deuses. Ao seu redor, a neblina persistia em deixar tudo alvo à medida que a paisagem ia se distanciando. Uma forte ventania começou a sobrar sobre o garoto, mas logo cessou. O príncipe começou a correr em direção ao bosque e quando finalmente chegou, parou e se encostou a uma árvore.

Se isso é um sonho, por que não acordo? Continuava a se questionar, afinal, em seus sonhos, assim que quisesse despertar de um pesadelo, era imediatamente deslocado dele para o mundo real. Tudo parece tão verdadeiro... Ficou por alguns segundos encostado-se à árvore, quando ouviu um estalar a sua frente. Inclinou a cabeça para a esquerda e tentou observar o que era e logo descobriu; um pequeno esquilo que subia pela alta árvore morta.

Recomeçou a caminhar, as poucas folhas secas caídas ao chão marrom e branco da neve se quebravam com o pisar de seus pés. Pouco tempo depois, percebeu que poderia estar perdido; para todos os lugares que ele olhava, via apenas florestas e nada mais. Olhou para cima, mas não era possível ver o céu, somente as nuvens cinza se movendo rapidamente.

Quando voltou a olhar para baixo, ouviu um estalar de galho, e percebeu que vinha de cima. Assim que desviou seus olhos para os topos das árvores, assistiu algo cair mais na frente e se desintegrar rapidamente muito antes de tocar o solo, deixando uma nuvem de fumaça negra com algumas faíscas vermelhas como a grama que caminhava há algum tempo atrás.

Com um pouco de medo, deu alguns passos para trás e recuou, virou-se e retrocedeu de onde tinha vindo antes. Mas logo fora impedido por um cervo que estava com a sua cabeça abaixada, cheirando ou comendo algo, numa área mais baixa da floresta.

O cervo virou sua cabeça para encarar o menino e assim que o fez, o pequeno príncipe se sentiu aliviado, de certa forma e contente. Conseguiu sorrir, mas logo sua expressão se desfez em seu rosto.

O animal, lentamente, começara a quebrar enquanto virava cinzas. Um pedaço de seu focinho estava começando a dissolver. Uma pequena oscilação em direção ao chão e logo começara a se desintegrar, deixando, assim como pouco antes, uma nuvem de fumaça negra com faíscas de fogo. Seu grande chifre se desfez, enchendo o lugar com mais fumaça, faíscas e cheiro de fogo. Outro pedaço da cabeça fez o mesmo, e logo depois todo o seu corpo. Rennon não se sentia mais feliz e agora, recuava a passos curtos de costas.

Uma nuvem sombria começou a aproximar-se. Via-se as sombras devorando as árvores, os céus e o solo. O cheiro de fumaça inundou todo o lugar. Logo, o ambiente começou a ficar mais escuro. As árvores a sua volta começavam a cair e a se dissolver em uma nuvem negra e faiscante. Sentiu o chão oscilar.

Tudo estava se transformando em cinzas. O pequeno príncipe caiu de costas para o chão e levou os braços a cabeça. Enrolou-se, com medo, quase chorando. Estava desesperado. Era uma cena terrível, até mesmo em sonhos. A nuvem ficava mais próxima e o chão continuara a ruir. E então, finalmente, a escuridão o cercou.

As Crônicas da Alvorada: O Estalar das ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora