-...chegando! – gritou um escudeiro, dentro da barraca.
- Rennon! – gritou o rei – Vamos filho, você tem que sair!
O garoto, ainda sem entender, continuou ofegante por causa do sonho, enquanto seu pai o levantava.
A chuva caia lá fora, mas o cheiro de fumaça inundava todo o lugar.
- Que... – disse Rennon, um pouco tonto e desnorteado com o estranho pesadelo que acabara de ter – Que está acontecendo pai? – seu coração começara a pulsar ainda mais quando ouvia o som das espadas e dos gritos lá fora.
- Estamos sendo atacados pelas tropas de Cura Tam! – o rei já estava completamente preparado para combate, com seu elmo prateado riscado por muitos golpes de antigas batalhas – Você terá que ir para a Floresta das Sombras e ficará lá com Ker Omon até que Iylla e Ker Towrin apareçam. Depois partirão para alguma aldeia perto daqui, e em seguida para Mirar.
Rennon negava, com a cabeça, enquanto as lágrimas começavam a brotar-lhe aos olhos, sentindo-os arderem.
- Você deve ser forte, filho! Eu irei logo atrás de você, assim que acabar com todos esses invasores. – Bornsten também sentia seus olhos encherem de água. Abraçou o filho e o acariciou, soltando-o e levantando-se.
- Pai! – gritou o garoto – Não... – As palavras não lhe saiam da boca. Não vá. Fique! Pensou, mas não conseguia fazer com que esta frase saísse de sua mente.
O rei voltou de encontro ao filho e o abraçou mais uma vez.
- Não vou deixá-lo, eu prometo! Essa não será minha última batalha. Ainda o verei guerrear quando tiver idade para assumir a coroa. Sei que vai ser um grande guerreiro...
- Milorde! – gritou um homem – Milorde! – ele voltou para a barraca, estava com uma expressão estranha em seu rosto. Estava ofegante, com a roupa de aço completamente ensanguentada e sua espada brandida em sua mão, banhada de sangue. – Eles estão chegando. Já passaram pela barricada e já atravessaram o lago. Estão chegando pelo nordeste e pelo noroeste. Nossa única escapatória é irmos todos para a Floresta das Sombras, armarmos rapidamente nossas equipes e esperarmos até que eles apareçam e então, travarmos uma luta final.
O rei ficou pensativo, ajoelhado com seu filho ainda nos braços.
- Mande Ker Omon trazer meu cavalo, diga para todos irem à Floresta das Sombras e que todos levem uma arma de guerra, até mesmo aqueles que não saibam manuseá-lo serão uteis. - falou rapidamente Bornsten, levantando e pegando a mão de Rennon – Mande-os levar uma espada, machado ou qualquer outro instrumento que possa matar.
O guerreiro fez uma reverência ao rei e se encaminhou para fora da barraca, onde gritou para outros homens os comandos que o rei lhe tinha dado.
- Vamos – disse Bornsten ao filho, levando-o para fora da tenda.
No exato momento em que o rei saíra, seu cavalo acabara de chegar à sua frente, com o seu mais confiável guerreiro ao lado, Ker Omon, que se encarregaria de levar o garoto até a Floresta das Sombras antes de todos.
Foi uma despedida apreensiva, rápida, incerta e triste, abaixo de chuvas e trovoadas. Pois, a partir daquele momento, tanto filho como pai não saberia se voltariam a se encontrar.
Com os olhos rasos de lágrimas e as gotas d’água despencando do céu, o rei virou-se e montou em seu cavalo negro e alto, com uma determinação em sua mente; ver seu filho novamente. Pôs seu cavalo a galope e desapareceu por detrás da barraca, indo em direção ao acampamento incendiado, onde os homens de seu reino começavam a batalhar com um pequeno número de outros guerreiros adversários.
Fazendo o mesmo, mas desta vez indo em direção contrária, Ker Omon começou a galopar em direção a Floresta das Sombras, o único lugar seguro da região.
- Logo seu pai estará aqui, garoto! – disse o homem, tentando reconfortar o menino que estava as suas costas – Ele não demorará. Tenha coragem.
As patas do ligeiro cavalo rasgavam o barro húmido e pegajoso, lançando alguns bocados de lama para trás.
Enquanto se afastavam, o pequeno príncipe percebia que o incêndio se intensificara. Seria isso que seu sonho lhe dissera? Que a morte está a caminho? Que a guerra matará todos? Não soube responder a suas próprias perguntas, pois não havia respostas para o que o futuro reservava. Sonhou com a Floresta das Sombras, mas não era para lá que ele havia andado e sim para o Bosque dos Deuses, para onde seu pai estava indo.
Havia uma clareira quando chegaram ao limite da entrada da floresta. Era realmente assombrosa, especialmente à noite e à luz de apenas uma tocha. Os ventos sussurravam nos ouvidos deles quando desceram do cavalo. O garoto sentou-se no chão enlameado, e Ker Omon continuou em pé, com a tocha em sua mão esquerda, iluminando o nada.
Era possível ouvir os gritos dos homens que batalhavam além dos morros, assim como o ressoar das espadas e o relinchar dos cavalos. O cheiro de fumaça alcançava até mesmo aquele lugar.
- É ali que fica o Bosque dos Deuses? – perguntou o garoto, apontando para a direção nordeste, em chamas.
- Sim – respondeu Ker Omon.
Então seu sonho lhe contava uma profecia. O Bosque dos Deuses realmente queimou. Aquele pequeno esquilo que subiu na árvore, pensou Rennon, revendo seu sonho, era a mesma coisa que se desintegrou antes de alcançar o chão.
Uma tocha se aproximava no horizonte. A pessoa que o brandia balançou-o de um lado ao outro, para avisar que era conhecido. Ker Omon, entretanto, ainda continuou de guarda afinal, não queria que nada acontecesse com o pequeno príncipe.
- Omon! – disseram duas vozes ao mesmo tempo
Assim que o cavalo se aproximou, era possível distinguir quem era quem. Quem comandava o cavalo era um homem, outro escudeiro do rei, Ker Towrin, acompanhado por sua esposa Iylla.
- Eles estão chegando. – disse a mulher, com uma voz calma e doce -. Não se preocupe criança, ficará tudo bem. – acariciou o cabelo de Rennon e sentou-se ao seu lado.
- Estamos perdendo, não estamos? – sussurrou Ker Omon ao homem que acabara de chegar.
- Estamos, mas talvez tenhamos uma boa chance de nos recuperar aqui na Floresta das Sombras.
Rennon se deitou no colo de Iylla e pareceu dormir, enquanto a mulher cantava uma meiga canção lírica. Ambos os homens foram um pouco mais para dentro da floresta de eucalipto.