ℂ𝕒𝕡𝕚́𝕥𝕦𝕝𝕠 𝟙

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𝙼𝚊𝚑𝚒𝚗𝚊 𝚂𝚞𝚕𝚒𝚟𝚊𝚗 𝙵𝚎𝚛𝚛𝚊𝚛𝚒

6 meses antes...

A estrada fazia com que dançássemos dentro do carro. Mesmo com todo o cuidado do mundo para não forçar o motor ou a suspensão do veículo pré-histórico de Susan, nós nos dirigíamos em um sacolejo interminável. Como em pleno século XXI ainda existiam estradas naquelas condições, isso eu não conseguia entender.

A última casa da cidade e qualquer indício de civilização havia desaparecido há pelo menos 10 minutos, e nada, apenas o nada e florestas nos cercavam agora por todo o caminho de terra, pedras e buracos, muitos buracos.
No momento em que o carro parou percebi que já estávamos em frente ao velho casarão e quase gritei de felicidade. Respirei profundamente tomando uns minutos antes de saltar do banco do passageiro.

Aisha se encontrava distraída rabiscando algo em seu bloco de notas. Escutei um bufar alto ao meu lado e vi a expressão de desgosto no rosto de Savana ao ver a casa.

– Faz todo sentido agora - murmurou antes de se virar para o carro e pegar sua mochila de couro rosa.

Ela estava certa, fazia sentido o restante da família concordar tão facilmente com o fato da "mansão" ficar com os Ferrari, considerando a localização, o estado em que ela parecia estar e a possível quantia de dinheiro que seria gasto para restaurá-la por completo, ninguém seria louco de arcar com essa responsabilidade, por maior que fosse o amor pela falecida tia Adelia.

Observei a área que cercava a casa, pelo menos a paisagem ao redor era agradável, mesmo com todo aquele entulho de madeiras apodrecidas acompanhando. Havia árvores dos dois lados da estrada e alguns pinheiros cercando toda a antiga casa que se aprofundava em uma mata mais ao fundo. Alguns galhos mudavam de cor conforme se afastavam da vista num belo degradê verde.

O relance de algo dourado brilhante apareceu do outro lado da estrada entre os troncos, os dois brilhos sumiam e reapareciam ao ritmo de um piscar de olhos. Um vento gélido passou por meu corpo e nuca, provocando um arrepio não muito agradável da espinha até a ponta dos pés. E como surgiu o dourado desapareceu de repente.

         "Que sensação estranha"


— Savana viu isso? Na mata ali. — Apontei para onde há poucos segundos estava o brilho.

— Viu o quê? Só vejo mato... e mais mato... — resmungou ao meu lado.

— Ah! Esquece... Deve ter sido minha visão. Meus olhos devem estar cansados...

— Eu já te disse para fazer um exame de vista, nunca me escuta — resmungou Susan do outro lado do carro.

Aconcheguei as mãos no bolso do moletom me dando por vencida, deveria realmente fazer um exame. Uma leve fumaça se formou no ar com a expiração profunda que escapou por meus lábios. O clima ali era frio! Não era nada que particularmente me incomodava, desde que não fosse um frio extremo.

Minhas duas irmãs permaneciam com enormes sorrisos em seus rostos. De alguma forma a possibilidade de se mudarem parecia tê-las alegrado e muito, o que em minha mente não fazia o menor sentido.

Minha irmã mais velha Susan havia terminado a faculdade de administração a menos de um ano e tinha todas as indicações e recomendações para entrar em uma ótima empresa na nossa antiga cidade, já a Aisha sempre foi apegada às modernidades que uma cidade maior proporcionava. A ideia delas estarem tão contentes por morarem no meio do nada sem conhecer ninguém me assustava um pouco.

Felizmente, minha prima parecia me entender, ela não suportava a ideia de se mudar novamente. Durante anos, nossa vida se resumiu a mudanças intensas, sempre em lugares diferente, escolas novas, colegas novos, empregos novos, sem nunca criar uma ligação duradoura, isso era um saco. Eramos uma família fugitiva procurada e eu não sabia? Só podia ser isso.

Após pegarem algumas caixas no porta malas do carro, uma a uma, elas começaram a entrar na casa. Segurei a minha própria caixa e tomei uma longa respiração antes de afundar o queixo no cachecol vermelho devido ao frio.

O som da madeira rangendo e quase se partindo sob meus pés nos degraus do acesso à porta principal, não me passou despercebido e não era nada animador. Havia muitas teias de aranha por todo o teto da entrada, e muitas delas se estendiam como lençóis pelas vigas que sustentavam o telhado.

Em um momento de distração, meu pé se prendeu em um buraco recém-aberto no piso da varanda, o que me fez perder completamente o equilíbrio e cair de cara no chão com caixa e tudo.

— Tente não levar as colunas com você Mah — Brincou Susan

— Pelo que estou vendo, não vai ser muito difícil, viu... — Resmunguei baixo, esfregando a testa e torcendo para não ter quebrado nada na caixa.

O interior da casa pelo menos não parecia tão ruim como vendo de fora, se é que poderia ser definido assim, havia uma escada que se estendia no meio da sala principal e subia em espiral até o segundo andar. Eu tinha que admitir que, por mais que as madeiras não parecessem tão seguras, a casa era realmente grande e deveria ter sido muito bonita em sua época mais conservada.

— Incrível! Estão vendo meninas? Ganhamos na loteria com essa mudança, que belezura — Escutei Susan dizer subindo saltitante as escadas.

Deixamos as caixas no térreo e subimos atrás para o segundo andar. Ele estava mais conservado que o primeiro e sorri ao pensar que iríamos dormir ali e não lá embaixo. O pensamento de que algum dia aquilo desabaria em montes e montes de entulhos ainda era um terror.

Andei entre as portas dispostas no longo corredor e vi que uma delas estava aberta. Ouvi um barulho de arrastar e estiquei o pescoço para ver no cômodo. Susan estava bem ao centro empurrando uma espécie de comoda velha.

O lugar era enorme e uma grande janela iluminava todo o ambiente, as paredes tinha um tom de azul desbotado e aquele parecia ser o maior quarto daquele andar. Alguns móveis já estavam sem as toalhas brancas que os cobriam. Ela se virou em minha direção e fez um sinal com a mão me mandando embora. Aquele quarto já tinha dona. Bem esperto da parte dela já garantir o seu.

Um alçapão no teto no final do corredor parecia ser a entrada para o sótão da casa. Lugares escondidos sempre foram super empolgantes para mim. Admito que sou uma pessoa um pouco peculiar.

Analisei com cuidado a entrada, já havia visto algumas dessas durante as mudanças, e sempre tinha uma cordinha ou algo parecido a isso na borda dela que puxando com força fazia a tranca de dentro abrir, aquela não parecia diferente. Assim que abriu, uma escada desceu junto de mais teias de aranha e muita poeira.

— O que não fazemos pela curiosidade, não é mesmo? — retirei os resquícios de teias e poeira que caíram sobre meu rosto e subi os degraus com cuidado.

         Ali era lugar muito espaçoso e amplo, alguns esqueletos de móveis estavam cobertos e a iluminação deveria vir da pequena janela ao canto e de uma lâmpada que pendia do teto baixo. A janela mais ao sul tinha um vidro embaçado e um pouco sujo, soltei a trava e empurrei o vidro sentindo a brisa fria e o aroma de flores varrer meu rosto.

— Uau!

Nos fundos da propriedade, um belíssimo canteiro de flores dava vida ao quintal. Elas estavam extremamente bem cuidadas e organizadas em um arco que cercava toda a área externa até onde a vista alcançava nas laterais da casa. Parecia que alguém, regularmente, cuidava das plantas e as cultivava.

"Quem será que cuida delas tão bem?" — Estavam tão bem limpas e cercadas, não era possível ver nenhuma fora de sua área ou pedras e outras plantas entre elas.

Deixei que meu olhar percorresse o restante do quintal até a floresta. Havia uma trilha que saia dos fundos do jardim e entrava no caminho das árvores. Meu olhar se prendeu em uma estranha fisionomia entre uns galhos não muito a frente do canteiro, entretanto não parecia estar muito perto para discernir o que era.

Talvez fosse uma pessoa, algum vizinho quem sabe.

"Pode também ser algum tronco de árvore caído...?"

Um barulho alto me assustou e bati a cabeça por acidente na verga da janela. Ouvi uma risada exagerada de Aisha, a minha irmã mais nova, que estava atrás de mim. Me virei irritada vendo apenas sua cabeça aparecendo na entrada do sótão.

— Você nunca ouviu que não se deve assustar as pessoas quando elas estão distraídas?! — gritei a encarando séria.

— Não tenho culpa se você está sempre distraída. A Susan pediu para você descer, ela disse que limpou uma mesa na cozinha para a gente comer algo.

— Hum... Já estou indo — respondo massageando a ponto sensível que latejava em minha cabeça.

Me virei para fechar a janela quando a fisionomia na mata desapareceu completamente, havia apenas uma movimentação na floresta.

— Que coisa estranha...esse lugar é estranho. Eu em...

Caminhei até entrada do sótão e saltei não querendo pensar muito no que acabei de ver na floresta. Isso se eu realmente vi algo lá, minha cabeça doía e meu corpo pedir um descanso, talvez fosse cansaço.

Aquela já era a segunda coisa esquisita que havia acontecido desde que cheguei naquele lugar, seria apenas coincidência? As longas horas de viagem já estavam surtindo efeito em mim.

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