Mesmo rangendo como uma velha senhora dolorida, a porta se deslocou com a leveza e elegância de uma jovem mulher. Era bastante pesada, mas abriu-se sem muita força, como se suas dobradiças estivessem em melhor estado que qualquer outra coisa ali.
O umbral dava para um corredor lateral que, até onde a fraca lâmpada acima da porta permitia enxergar, estava nas mesmas condições decrépitas que a sala. O chão estava coberto de cacos de azulejos que caíram das paredes, e dos canos expostos do teto pingavam o mesmo líquido escurecido que vazava do cano da pia.
Jonathan enfiou a cabeça para fora da sala, incerto do que poderia ver. A luz concedia pouco mais de 2 metros de visibilidade para cada lado, e só era possível ter certeza da parede do outro lado. Projetando o corpo um pouco mais para fora do umbral, foi capaz de ver, de cada lado do corredor, mais portas com lâmpadas. Suspirou, calculando que cada área iluminada estava separada da próxima por cerca de uns 5 metros de total escuridão.
Sabia desde o começo que não havia outra opção, então voltou ao quarto em busca de algo que pudesse protege-lo. Na idéia infantil de uma arma, só então percebeu que o cano da pia estava completamente solto, apenas escorado. Segurou o pedaço de ferro com as duas mãos e balançou-o como se fosse uma espécie de espada, sentindo-se preencher com uma segurança infundada.
Saiu do quarto e tomou o corredor para a esquerda. Avançou pela escuridão tateando a parede com a mão que segurava o diário, levando um pé à frente para primeiro reconhecer o terreno, o cano sacudindo à frente, ao lado e às costas como o rapaz pudesse ser atacado em qualquer momento. Quanto mais ele caminhava, mais a distância da luz parecia aumentar, mas, após o que pareceu uma eternidade, finalmente, adentrou na luminosidade, hesitando de euforia.
Com um misto de alegria e segurança, Jonathan viu um vulto se aproximar pelo lado oposto da luz. Correndo, a sombra tomou a forma de uma menininha de longos cabelos loiros em um vestidinho azul com uma espécie de avental branco. Havia algo nela que lhe era reconhecível, mas ele não conseguia pensar de onde. Ela era linda e fez crescer em Johnny um senso de responsabilidade para com ela, uma obrigatoriedade em protege-la, que lhe confortou e perturbou por não conseguir imaginar quem ela poderia sim. A menina, entretanto, não parecia feliz em vê-lo. Seu rosto transparecia um completo, concreto e terrível pavor, e ao vê-lo sua boca abriu-se em um pedido de ajuda que não pode proferir.
Com um som pesado e rápido algo brotou das sombras e acertou a menina por trás. A criança caiu para frente com o impacto, deixando à vista suas costas. A garganta de Jonathan embolou-se em um nó apertado, sufocante, ao ver o sangue que escorria do ferimento. Exatamente sobre a coluna vertebral dela havia um machado estranho, onde lâmina e cabo não se encaixavam, mas eram um, como se forjados como peça única, e a empunhadura, assim como quem o empunhava, desaparecia na escuridão líquida atrás.
A criança olhou-o com indescritível horror e mágoa em um último suspiro, então sua cabeça repousou nada delicadamente para o lado provocando um barulho oco. O machado foi puxado para cima, levantando junto o corpo imóvel, e sacudido para livrar a lâmina. Ao som úmido e triste causado pelo impacto do corpo com o chão, um rangido se fez ouvir.
Jonathan ouviu perfeitamente um leve baque e o ranger que se seguia, como se algo fosse usado como remo para algum tipo veículo com rodas. Também ouviu o som metálico quando o machado foi largado contra o chão e o arranhar que fazia ao ser arrastado. Petrificado, Johnny apenas olhava para a treva à sua frente e para o vulto que se descortinava ao se aproximar da luz.
Então um braço comprido e deformado rasgou a penumbra e firmou-se no chão com a mão deformada. O membro tinha uma pele que parecia ser extremamente fina, ou simplesmente não existir, permitindo se enxergar quase com perfeição absoluta veias, carnes, músculos, e era terminado em uma palma disforme com um único e longo polegar.