Havia aquela voz... Aquela voz me chamando... Tão longe... tão... (tão conhecida?)
Era uma voz de mulher... uma voz tremida, rouca... Uma voz que me causava medo...
Abri os olhos. Ainda estava no mesmo lugar de antes: aquele quarto de hospital. Meu rosto ardia contra a porta e as minhas costas doíam naquela posição estranha, como se eu estivesse sentado com a pélvis no chão. O desconforto estava ali, não que isso embaralhasse mais – ou clareasse qualquer pouco que fosse – a minha mente.
A única coisa da qual tinha certeza era de que aquele canto era o único ponto iluminado. A luz fria entrava pela janela – ainda chovia lá fora – e o resto era pura escuridão.
Me virei, me ajeitei devidamente sentado com a bunda no piso frio, as costas contra a parede. Tornei a ouvir o meu nome, mas agora a voz vir de uma dupla. Duas pessoas perdidas na escuridão me chamavam, uma de Johnny e a outra por Jonathan, não que houvesse grande diferença pra mim.
Vem, disse a mulher, diretamente à frente, e eu olhei. Ali deveria haver a maca onde eu estivera deitado por – quanto? - tempo. Vem, ela repetiu, e duas pequenas bolas vermelhas se abriram. Duas bolas feias, ruins, com um olhar cravado em mim. Vem, ela insistia, e como não me movi, ela arrastou-se. Podia ouvir o arrastar enquanto ela se movia na minha direção. Seu chamado ganhavam um tom de urgência conforme a outra voz voltava.
Ela estendeu um braço magro na minha direção; um braço que pareciam só ossos envoltos de um tecido qualquer que não pele humana. O braço entrara na luz, mas não tentava puxar mais a coisa pro meu lado; ao contrário, a mão nojenta, machucada e fedendo a pus, com compridas garras vermelhas, tentava agarrar a minha perna.
Eu me encolhia no canto da parede, a mão cada vez mais perto do meu tornozelo, quando a outra voz ficou mais forte que a da mulher. Era um homem... um homem que gritava o meu nome... que gritava vai!
O braço, de repente, se dobrou estranho para cima. Os olhos vermelhos fecharam, e um som parecido com o de um graveto quebrando pareceu ecoar pela minha cabeça... Mas foi aquele grito que me fez finalmente acordar.
Eu ainda estava no mesmo quarto no qual caíra de mal jeito contra a porta: era tudo igual, inclusive a contínua iluminação. O segurança gritava vai! na minha direção; embaixo de seu coturno pesado estava o braço da enfermeira – com grande parte do corpo embaixo da cama –, e ao seu lado havia a maldita seringa com o estranho líquido escuro.
O outro enfermeiro estava com o rosto bem machucado – duvido que a mãe dele o reconhecesse daquele jeito – mas estava em pé, sorrateiro na direção do segurança.
O homem que me defendia gritou vai! mais uma vez, e eu fui. Me levantei rápido, gritei atrás! e abri a porta. A ultima coisa que vi, foi o segurança se virando... mas acho que foi tarde de mais.
Eu, no entanto, ganhava os corredores correndo. Não sabia nada do que estava acontecendo, mas meu instinto animal (acuado) – ou o que sobrara dele – me dizia para correr. Correr o mais rápido e para o mais longe de tudo aquilo. Haveria, esperava eu, um momento melhor para tirar qualquer dúvida.
Jonathan corria pelos corredores, quase sem notar que eles escureciam. Não que as lâmpadas enfraquecessem, mas como se a escuridão ficasse mais densa, ocupando lugar no espaço suficiente para criar sombras próprias.
O fato de não encontrar qualquer alma viva dentro de um hospital, com uma briga barulhenta em um dos quartos, não lhe pareceu estranho. Na verdade, se deu-se conta disso, não teria qualquer diferença. Johnny tinha dormido no término de sua primeira década de vida, e acordado aproximadamente quinze anos depois. Nenhuma criança – confusa e – assustada com pessoas acharia ruim não vê-las pelos cantos.
Jonathan apenas corria, fugindo sem saber para onde, certo apenas de que devia afastar-se do quarto, de qualquer enfermeiro e, se possível, sair do hospital.