- Não corra, Johnny! Vai doer mais se fugires! - gritava uma voz feminina, mas Jonathan a ignorava.
Descia correndo a escadaria, pulando os degraus de dois em dois, segurando o corrimão com força. Atravessou a sala sem olhar para trás, ouvindo batidas nos degraus cada vez mais baixos. Abriu a porta e, ao cruza-la, a luz da lua o ofuscou...
... e mesmo com os olhos apertados, a luz penetrava livre pelas pálpebras comprimidas e os fazia arder e lacrimejar. Então o mundo caiu em trevas, aliviando toda a dor, e assim que Jonathan aliviou os músculos da face, aquela brancura suja torna a lhe rasgar as córneas.
Deitado, com as costas doloridas como se estivesse naquela posição a tempo demais, deixou-se acostumar com a situação. Percebeu um pingar constante e próximo, e o "splash-splash" da água foi quase reconfortante. E se não fosse realmente, pelo menos explicava o cheiro de mofo que avançava por suas narinas e, como se chegasse à seu estômago, lhe dava certa náusea.
Abriu os olhos, por fim, piscando contra a iluminação até suas pupilas se comprimirem o suficiente. A lâmpada comprida e empoeirada não se firmava de nenhum sentido; solta do teto e pendurada apenas pelos fios, a luz oscilava e piscava, ora seguida ora espaçadamente, vez ou outra demorando um pouco para retornar.
O teto em si não era uma visão mais agradável. Descascado e sujo, já possuía grandes falhas no forro de gesso, deixando a mostra vigas de concreto que formavam cadeias de concreto e davam à Jonathan a impressão de estar olhando para uma grande e estranha colméia.
Sentou-se, avaliando seu corpo sem reconhecer nada ali. À exceção de uma camisola plástica e meias brancas, estava completamente nu. Em seu braço havia um acesso, mas o tubo e a bolsa de soro estavam secos. Com cuidado, puxou a agulha e liberou o braço.
Suspirou, inalando com força o ar poluído pelo bolor e olhou em volta. A maca em que se encontrava, o suporte do soro, as paredes e o piso não estavam em melhor estado que o teto, e isso não o alegrou, mas sua cabeça estava conturbada demais para apresentar quaisquer outros sentimentos. Do outro lado do quarto estava um sanitário e uma pia também decrépitos; o cano da torneira, quebrado, deixava um líquido escurecido pingar no chão e uma grande mancha verde de mofo crescia para todos os lados a partir daquele ponto.
Trôpego e ignorando a umidade pegajosa que fazia um barulho gosmento aos seus passos, levantou e se aproximou do espelho sujo e enferrujado, mas de outro modo intacto. Sentiu como se o frio do chão entrasse pelas solas dos pés e subisse até a cabeça, concedendo-lhe um alívio quase divino. Passou a palma da mão no vidro empoeirado, abrindo um rastro manchado por onde viu um rosto que não lhe trazia qualquer lembrança mesmo que vaga.
Uma azia repentina lhe rasgou a garganta, acompanhada de uma ânsia de vômito tão forte que o obrigou a se curvar sobre a pia, comprimindo o abdômen e quase encostando o rosto na louça. O esforço dos músculos fez seu estômago doer incrivelmente, e a gosma rala e esbranquiçada que ele teve de cuspir o fez se perguntar a quanto tempo não comia, mesmo que não sentisse fome. Firmemente apoiado nas bordas da bacia, empurrou o corpo para cima, e pode jurar, por um único momento, que uma criança correra e se abaixara atrás do sanitário.
Instantaneamente sóbrio pelo susto, pela primeira vez Jonathan olha em volta, assimilando o local à sua volta como se o manto embevecido do conforto tão único oferecido pela sonolência se descortinasse ferozmente, obrigando-o a perguntar onde, diabos, estava. A sala deplorável, antes indiferente, agora parecia assustadora, composta, à exceção da pia e do vaso, por ferro e concreto.
Não havia mais ninguém ali, além dele, e existia apenas uma saída do recinto: uma porta grande de ferro. Pensando rápido, concluiu que se a porta não estivesse enferrujada, seria pesada o suficiente para produzir barulho que lhe chamasse a atenção. Se tinha mais alguém ali, esteve o tempo todo, e pensar nisso lhe causou um calafrio.
Hesitante, caminhou para frente se aproximando do sanitário, ao mesmo tempo que abria espaço para o centro do quarto. Esperando ver alguém pequeno agachado, assustou-se com o vazio. Com a boca levemente aberta em uma exclamação muda de espanto, permaneceu olhando para o nada até, finalmente, perceber uma ponta atrás da caixa de descarga.
Aproximou-se incerto, imaginando que seria atacado por vermes ou aracnídeos. Quase certo de que sua sombra se moveria e lhe agarraria o pulso, levou a mão atrás da caixa e puxou um caderno. A capa tinha uma fita crepe com um nome escrito: William King. Sentado na tampa do vaso, abriu a capa dura e começou a ler.
Dr. Landau me deu este caderno e mandou que eu escrevesse nele tudo que me viesse à mente. Disse que era bom pra minha recuperação. Que quanto mais eu escrevesse, mais fácil ia ser de eu me recuperar. Só que eu só tenho um problema, e já disse isso pra ele. Meu problema é saudades da mamãe.
Ninguém me diz droga nenhuma sobre o porque estou aqui. É só tu tá dodói, queridinho, ou tu tá aqui pra ficar bom, docinho. Porque eles não vão pro inferno todos eles? As outras crianças têm rido de mim e perguntado como é ver aranhas fluorescentes no teto e como é matar alguém. Não entendo sobre o que eles tão falando, e uma enfermeira sempre me tira do pátio quando isso começa. Eu nunca consigo entender nada nesta bosta de hospital.
Mais uma coisa eu sei, o Dr. Landau vai ficar bravo se ler meu caderno, ele que se esploda, também, eu quero que ele entenda só uma coisa. Eu quero a MINHA mãe e quero SAIR daqui.
Todas as outras páginas estavam em branco. Suspirou, olhando a capa. William King. Fosse quem fosse, o nome não lhe era de todo estranho, e estremeceu ao perceber que talvez lhe fosse mais familiar que seu próprio reflexo no espelho. Sentindo-se deslocado, tentou lembrar de onde conhecia aquele nome, mas não lhe veio nada à mente.
Fechou os olhos, pensando, tentando recordar-se de qualquer coisa sobre sua vida. Sua família, seus amigos, sua casa, sua comida preferida, qualquer coisa. Mas quanto mais forçava sua memória, mais o vazio ecoava. Sentiu-se sozinho enquanto um desespero inumano lhe tomava o corpo.
Se perguntou quem era, onde estava e porque estava ali, e a única resposta que obteve de si próprio fora seu nome, Jonathan Blake. Olhando para as mãos desconhecidas que seguravam o caderno, se perguntou se aquele não era apenas outro nome que ele associara erroneamente a si próprio.
Estava completamente só em um cubo de, achava ele, quatro metros de lado, vestido com um saco plástico e meias molhadas e sujas e com um diário qualquer nas mãos. Sentia-se abandonado, e lhe pressionava a ironia que era não saber por quem fora deixado. Sentia-se sozinho, mas não sabia quem poderia ou deveria estar ao seu lado. Sentia-se perdido, e esse era o único sentimento que pode julgar verdadeiro.
Em completo silêncio, como se houvesse alguém que pudesse escuta-lo, ele chorou. E chorar o fez bem. O calor das lágrimas lhe fez ter certeza de que estava vivo, e dissipou, ao menos em parte, sua dor. Olhando em volta com os olhos embaçados, percebeu que tinha apenas duas opções: esperar alguma coisa acontecer e correr o risco de nunca acontecer nada, ou tentar a porta.
Secou os olhos e se levantou. Caminhou decidido até a porta e a olhou. Mesmo enferrujada ainda era possível ver que um dia fora azul. Possuía uma janela pequena pouco acima da altura de seu rosto, fechada com grade por dentro e um tampo por fora, e uma espécie de portinhola na parte inferior, que ele julgou ser por onde alguém da rua passava a comida, e que ela tapava completamente o umbral, não deixando qualquer vão. Não havia trinco, maçaneta ou qualquer outra coisa assim pelo lado de dentro.
Teve certeza de que estaria fechada e lágrimas lhe encheram novamente os olhos. Com as mãos trêmulas, segurando o caderno em uma, tocou a porta com a outra e a empurrou.