Landau está sentado à sua escrivaninha, a cadeira levemente de lado fazendo seu joelho esquerdo roçar nas gavetas da direita. As costas jogadas para trás, forçando o encosto macio, mas o pescoço levemente jogado para frente. Analisa alguns papéis, erguendo-os com as duas mãos à altura dos olhos.
Um estalo se faz e a porta range. O médico se vira em direção ao umbral e sorri ao menino que entra na sala.
Landau: Bom dia, William. Que prazer revê-lo! Como tem passado?
William: Bom dia, doutor.
Landau se levanta, suspira a e dá a volta na escrivaninha. De frente para William, o médico senta sobre a mesa.
Landau: Sabes por que estás aqui, não?
William [olhar de desafio]: Aqui, onde, doutor? Aqui na sua sala, aqui no hospital?… Aqui no mundo?!
Landau [sorriso amarelo]: Aqui, William, no hospital.
William: As enfermeiras dizem que é pra eu ficar bom, mas não sei do que. Eu tô ótimo! Só não tô melhor porque tou preso aqui dentro.
Landau: Preso aqui, onde? [sorriso maroto]
William sorri e fica visível e inconscientemente mais relaxado.
Landau: William, tu sabes, de verdade, o porque estás aqui, não sabe?
William [olhando para as mãos, torce a boca]: Porque a Isa tá muito machucada, e tão achando que fui eu. Só que não fui eu, eu nunca faria aquilo, e...
Landau: E?!
William: Eu-eu... eu não me lembro, não consigo lembrar de nada.
Landau: Exato! Mas nós precisamos que tu te lembres. Pode ser importante, pode revelar quem fez aquilo.
William: Ma-mas... como? Como que eu vou lembrar?
Landau: Eu estava pensando em hipnotizar-te. Assim seria mais fácil de reviver...
William [interrompendo ao se levantar, grita]: NÃO! NÃO! POR FAVOR, NÃO!
Landau [se levanta assustado e se aproxima de William]: Calma! O que foi?
William: Não! Não quero reviver aquilo tudo. Não quero! Não, por favor! Tenho medo do que eu esqueci.
Landau: Não, acalme-se. Vamos fazer assim, eu te hipnotizo de leve e vou te pedir um desenho. Um desenho só, tudo bem?
William balança a cabeça afirmativamente, uma lágrima escorrendo por seu rosto.
Landau coloca as mãos sobre as orelhas de William e encosta sua testa na dele. Olha-o fixo nos olhos, e estala alto a língua, uma, duas, três vezes. Não sabe como, mas aquilo sempre funciona. Se afasta e se escora na escrivaninha.
William continua olhando para o ponto em que estavam os olhos do médico.
Landau: Então, William, tu sabes por que estás aqui, não sabe?
William: Sim.
Landau: E qual é o motivo?
William: Isadora está no hospital, quase morta.
Landau: Tu sabes quem fez isto?
William balança a cabeça afirmativamente uma vez. Parece hesitar. Dá de ombros. Uma nova breve hesitação. Nega com a cabeça apenas uma vez.
Landau: Tu não sabes quem foi?!
William: Quem, sim. O que, não.
Landau: Como assim?
William: Foram Eles que a feriram.
Landau: Eles?! Quem são eles?
William: Não "eles", mas Eles.
Landau: Certo... e quem são Eles?
William dá de ombros lentamente.
Landau: Tu não sabes "o que" são Eles, é isso, não?
William afirma com a cabeça.
Landau: E o que tu sabes sobre Eles?
William: Que Eles atendem ao chamado dela...
Landau [tom de voz firme, suspeitando que desta vez seu truque não funcionara]: Dela quem?
William: Da velha. Da "vovó".
Landau: Que vovó?
William: Ísis Blake. Aquela que se diz mãe de minha mãe.
Landau levanta-se impaciente, certo de que aquilo era alguma piada de mal gosto. A mãe de Azmaria estava morta à pelo menos três anos. Caminha até uma geladeira no canto e tira de lá uma das muitas cebolas. Não era nenhum pouco convencional, mas era o único método até então infalível para saber se alguém estava hipnotizado ou não. Se bem que, até então, seu método de hipnose também nunca tinha falhado.
Entrega a cebola à William, dizendo ser uma maçã e mandando-o comer. Observa assustado a ferocidade com que o garoto a come. Convencido, continua.
Landau: Sua avó... ela Os controla?
William: Falei que Eles lhe atendem quando chamados por ela. Ninguém Os pode controlar.
Landau: E o que tu lembras quanto à tua avó? Qual a ultima coisa que lembras dela?
William gesticula como se desenhasse na mão.
Landau lhe entrega uma prancheta e coloca sobre a mesa uma caixa de lápis de cor. Senta-se em sua cadeira. Com os pés sobre a escrivaninha, observa o menino desenhar.