Prólogo - Sangrar

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Prólogo - Sangrar

   A garota sabia que estaria morta em segundos. Não precisava que ninguém chegasse até ela e dissesse o óbvio.

   As pedras abaixo de si estavam machucando suas costas, deixando hematomas desastrosos e arranhões por toda a superfície lisa. Mas a garota não estava muito preocupada com isso. Em breve, a vida se esvairia de seu corpo, fazendo este, aos poucos, apodrecer. Arranhões e hematomas não serão nada diante de carne morta.

   Como seu corpo havia caído de costas, ela havia pousado ali de forma a "apontar "para o céu. A cabeça, levemente inclinada para o lado, deixava as proporções dos olhos de modo que estes pudessem olhar para cima.

   Apenas parte da imensidão celestial podia ser vista, através da fresta deixada pelas duas bordas do penhasco.

   "O penhasco...". Até pensar naquelas últimas palavras causavam dor em seu subconsciente. O sangue jorrava dos imensos ferimentos em seu contorno, tantos que a contagem não era uma boa opção.

   Mesmo sendo uma idéia ruim, ela se forçou a lembrar do que tinha acontecido com si mesma há poucos minutos. As mãos sobre suas costas... O arremesso para a frente, seguido de uma descida rápida em direção a uma morte iminente. Quando caiu, no mesmo ponto onde mantinha-se até aquele momento, ouviu o barulho de dezenas de ossos se quebrando. E a cura fornecida pela licantropia não chegava aos limites de refazer ossos quebrados.

   E, mesmo se conseguisse, a fraqueza que estava sentindo impedia da cura de agir. Então, ferimentos abertos ficariam abertos até todo o sangue saltar do corpo e se juntar à poça abaixo dela.

   À beira da morte, a garota percebeu que nunca tinha desejado-a tanto quanto agora. A única saída para o seu sofrimento era aquela, e diante de tantos desafios, tantas mortes e tantas desilusões, aceitar o fim de braços abertos não era de todo o mal.

   Seus olhos estavam começando a se fechar. Ela já podia sentir seu eu flutuando, deixando o corpo e indo para algum lugar melhor. Mas uma parte de si, ainda viva, estava conectada aos seus sentidos de Lobo, de forma que sua audição aguçada conseguiu captar os passos ruidosos de pessoas acima - provavelmente seus amigos -, vindas do penhasco. Querendo salvá-la. Querendo salvar alguém que não queria ser salva.

   E foi quando se desligou do mundo que sentiu suas batidas cardíacas ficando mais fracas. Sombras minúsculas na beirada do penhasco foram captadas pelos seus olhos mundanos antes destes se fecharem e seu coração parar, definitivamente, de bater.

   Continua...

Sangue de Lobo - Veia de LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora