É óbvio que o universo é um tremendo filho da puta, já que não é a minha vez de beber champanhe à beira da piscina, em uma cobertura triplex na zona sul, com direito a massagistas gostosos, seguranças bombados e fãs histéricos na porta do prédio implorando por um aceno e um sorrisinho falso da sacada.
Sabe quando a sua vida é uma merda e você se pergunta em que momento a porra do destino vai, finalmente, fazer algo a respeito? Era exatamente o que eu estava me perguntando depois de receber a adorável visita do oficial de justiça barrigudo.
É, eu seria despejada. Nada de massagistas tesudos para mim.
— Me castigue, ó Poderoso Castigador! — Joguei os braços para cima em um gesto dramático e exclamei, depois de bater a porta.
Sim, essa é a minha frase favorita. Acontece tanta desgraça na minha vida de merda que o Bruce Nolan e suas tiradas geniais compõem boa parte dos meus dias (caso você não se lembre — porque você provavelmente já assistiu ao filme —, o Bruce é interpretado pelo Jim Carrey em Todo Poderoso).
— Deus é um menino malvado com uma lupa na mão! — soltei, atirando a tal da citação em cima da minúscula mesa de centro da minha saleta. — Eu quero o pior dia da minha vida, com uma porção extra de merda. Por favor! — Sentei-me no sofá todo estropiado e afundei o rosto nas mãos.
E então, comecei a chorar. Ali estava eu, Olívia Damasceno Dutra, aos vinte e quatro anos, completamente sozinha, sem um tostão no bolso furado, com um carro todo fodido, sem dinheiro para as compras do mês e para a gasolina e, para coroar a tragédia, sendo despejada pela falta de pagamento dos aluguéis.
Eu estava vivendo na Vila do Chaves! Mais precisamente, no 72. E o oficial barrigudo, apesar de não ser o meu "simpático" locador, fazia o papel do incansável Seu Barriga, é claro.
Mas essa não era a minha vida há quatro anos, quando os meus pais estavam vivos e eu morava em uma casa linda e ampla, em um bairro tranquilo, com uma vizinhança amistosa e acolhedora, muito diferente do bando de vizinhos drogados, barulhentos e mal educados com os quais eu preciso conviver agora. Tudo porque a minha vida encantada virou sapo depois do acidente automobilístico que matou as duas únicas pessoas que eu tinha no mundo.
Ah, você deve estar se perguntando, o que você fez com a sua casa "linda e ampla"? O que eu fiz? Foi vendida, com móveis e tudo. Mas por quê? Para pagar as dívidas assustadoramente altas da família, das quais eu não fazia ideia. Estávamos devendo até os fios da cabeça, e eu fiquei sem um centavo. Então, precisei largar a faculdade para trabalhar. Mas tudo bem, porque eu detestava o curso e só o fazia para alegrar o meu pai, que era comerciante (não preciso dizer que quando morreu ele já estava meio que falido, certo?) e sonhava em ter uma filha médica. Por isso, estudei e passei no vestibular de Medicina da Universidade Estadual da minha cidade. Mas o que eu queria mesmo era ser cantora, o que, para a minha família, era risível.
Eu vivia frustrada, mas, sempre que tinha um tempinho, não perdia a chance de praticar. Meus pais, quando me flagravam tocando ou compondo, faziam aquela cara. Era como se dissessem: "Olívia, para de perder tempo com essa palhaçada que não vai te levar a lugar algum. Vá estudar um pouco de Anatomia, que isso dá futuro". Então eu me recolhia em minha concha, deixava o violão e minhas cifras de lado e abria o calhamaço.
A única coisa boa disso tudo (sim, estou falando da morte súbita dos meus pais e da minha promoção forçada de universitária bancada a adulta precisando ralar para não morrer de fome) foi que finalmente pude largar aquele troço que eu tanto odiava. Não me entenda mal, é uma profissão bonita, salvar vidas e tudo o mais, mas não era para mim.
Não me senti muito culpada em abandonar o sonho do meu pai porque eu não tinha mesmo nenhuma escolha. Veja bem, sou filha única e não tenho tios. Minhas avós morreram quando eu era criança e meus avôs faleceram antes de eu nascer. Eu estava verdadeiramente sozinha, de modo que não tive opção: precisei trancar a faculdade.
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O Devasso Mora Ao Lado [DEGUSTAÇÃO]
RomanceDesempregada, com a despensa vazia, o carro caindo aos pedaços e a ordem de despejo em mãos, Olívia Dutra está no fundo do poço e, sem namorado, amigos ou parentes vivos, não tem a quem recorrer. Mas, e se um telefonema mudasse sua vida? E se, de re...